Obstinação levou Pedro Sánchez do fiasco público ao poder na Espanha

Após revés em eleições de 2016, líder socialista aproveitou oportunidades para voltar ao topo

Sánchez usa terno preto, camisa branca e gravata vermelha. Ele aparece sorrindo, com sua porta-voz, María Isabel Celáa, à direita, e seu ministro de Fomento, José Luis Abalos, à esquerda.
O novo primeiro-ministro espanhol, o socialista Pedro Sánchez, posa ao lado de seus novos ministros na posse de seu gabinete no Palácio La Moncloa em Madri - Javier Soriano - 8.jun.18/AFP
MICHAEL STOTHARD
Londres | Financial Times

Dois anos atrás Pedro Sánchez estava em baixa. Ele conduzira o Partido Socialista espanhol para uma segunda derrota eleitoral arrasadora e o pior resultado histórico da agremiação, que o derrubou.

Em pronunciamento quase às lágrimas, Sánchez disse que abandonava também seu cargo de deputado. "Para alguém que ama a política como eu, é uma decisão dolorosa."

Poucos diriam então que o ex-jogador de basquete se tornaria o sétimo premiê espanhol na atual era democrática. Na quarta, dia 6, o rei Felipe 6º o chamou para dar posse a seu gabinete: socialmente progressista, pró-europeu e majoritariamente formado por mulheres (11 dos 17 cargos).

A trajetória não foi direta, mas ousada: derrubado do PSOE em 2016, ele partiu em seu carro para percorrer a Espanha por oito meses e "ouvir os que não foram ouvidos, a base do partido e os eleitores de esquerda".

Isso consolidou uma reputação de político ousado e obstinado. Na eleição da liderança do partido, no ano passado, ele não teve dificuldade em derrotar quem o afastara.

Apresentou-se como candidato antiestablishment, de extrema-esquerda, para restaurar a alma do partido, ainda com pouco apoio nacional.

"Conheço Pedro Sánchez há anos", disse um aliado socialista. "Ele sempre teve a convicção de que seria premiê. Mas poucos concordavam. Nunca houve pesquisa que apontasse chance de ele ganhar."

A oportunidade surgiu duas semanas atrás, quando membros do governista Partido Popular (centro-direita) foram condenados após um longo processo por corrupção.

Enquanto os demais estudavam opções, Sánchez apresentou uma moção de censura ao governo alegando que a Espanha precisa "recuperar a dignidade da democracia".

Com apenas 84 dos 350 deputados em sua bancada, Sánchez obrigou os demais partidos a escolherem entre apoiar o governo condenado ou conduzi-lo ao poder.

Os parlamentares decidiram relutantes pela segunda opção. Andoni Ortuzar, líder do Partido Nacionalista Basco, disse que votava não por Sánchez, mas "para afastar Mariano Rajoy". Deu no mesmo.

Nascido em Madri em 1972, Sánchez estudou economia e administração na Universidade Complutense de Madri, fez mestrado na Universidade Livre de Bruxelas e trabalhou no Parlamento Europeu antes de ingressar no PSOE em 1993.

Em 1999, chefiou o gabinete do representante da ONU para a Bósnia durante o conflito de Kosovo, e depois foi consultor empresarial até se eleger vereador em Madri, em 2004. Em 2009, virou deputado.

Seus críticos o veem como um cínico sem ideologia clara.

Como líder socialista, em 2015, assinou um pacto com o Cidadãos, de centro-direita. Em 2017, declarava-se irredutivelmente de esquerda. Nesta semana, chegou ao poder com a ajuda do Podemos, radical de esquerda, mas montou um gabinete centrista cheio de tecnocratas.

"Primeiro conhecemos o Sánchez liberal, depois o radical de esquerda e agora temos o moderado", comentou o cientista político José Ignácio Torreblanca, editor de El País. "É sua enésima mudança."

Tendo chegado ao poder tão repentinamente e com maioria parlamentar tão pequena, o perigo o espreita.

Mas a maioria dos analistas concorda que os acontecimentos desta semana assinalaram uma vitória não apenas no curto prazo, mas também no caminho para a próxima eleição, respaldado na autoridade do cargo.

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