Manipulação de redes sociais para uso político afeta 48 países

Ação para induzir opinião pública quase dobra raio de ação em um ano, mostra estudo de Oxford

Enrolada em bandeira britânica, mulher carrega cartaz com mensagem em inglês: "Obrigado pelo brexit russo". Ao fundo, outras pessoas carregam bandeiras da União Europeia.
Manifestante pró-União Europeia protesta contra campanha russa de 'fake news' na campanha do 'brexit' antes de sessão da comissão de Cultura do Parlamento britânico em Londres - Tolga Akmen - 12.jun.18/AFP
Bruno Benevides
São Paulo

A ação de partidos e de governos para manipular a opinião pública por meio das redes sociais está crescendo e já atingiu 48 países nos últimos 12 meses, diz um novo estudo feito pela Universidade de Oxford, do Reino Unido. 

São 20 países a mais do que na versão anterior da pesquisa, divulgada há um ano. O crescimento é impulsionado principalmente por países da América Latina e do Sudeste Asiático —o Brasil já estava na lista desde 2017. 

"As ferramentas e técnicas de manipulação estão constantemente evoluindo e se tornando mais sofisticadas" disse à Folha Samantha Brown, doutoranda do Instituto da Internet de Oxford e autora do estudo com Philip Howard.

Segundo a pesquisa, esses grupos organizados por atores políticos atuam disseminando fake news (notícias mentirosas), criando perfis falsos para aumentar artificialmente a importância de determinados assuntos e candidatos e usando análise de dados para fazer propaganda a públicos específicos. 

Desde 2010, quando os pesquisadores encontraram as primeiras referências a esse tipo de ação estruturada, os 48 países mencionados já gastaram US$ 500 milhões (R$ 1,85 bilhão) para montar suas sentinelas cibernéticas. 

Os palcos preferidos de atuação das organizações manipuladoras continuam a ser o Facebook e o Twitter, mas sua presença tem crescido em outras plataformas, como o WhatsApp, o Telegram, o Instagram, o SnapChat, o WeChat e até mesmo o Tinder, aplicativo usado para relacionamentos. 

Há também registro de ações organizadas para fazer determinado site ou tema ganhar relevância nos principais mecanismos de buscas da internet, como Google, Bing (da Microsoft) e Yahoo!. 

Esses grupos estiveram presentes na maior parte das eleições disputadas no planeta neste período, lista que inclui a Alemanha, a Itália, a Rússia, a Turquia, o México, a Colômbia e o Chile

E a tendência é que isso se repita na disputa eleitoral brasileira, segundo a pesquisadora. "Campanhas de desinformação vão ocorrer em todas as grandes plataformas utilizadas no Brasil", afirmou ela. 

Mesmo no caso de ditaduras, como em Cuba e na Venezuela, a manipulação também ocorre, aponta o estudo. 

"Em democracias, em muitas das eleições que temos visto desde 2016, houve alguns esforços para manipular a opinião pública por meio das redes sociais", afirmou ela. 

"Em regimes autoritários, a manipulação da mídia social tende a fazer parte de uma estratégia mais ampla de controle social" disse Brown. 

Em cada país, os exércitos cibernéticos são organizados de formas diferentes. Em alguns locais a manipulação é feita exclusivamente por pessoas —casos da Hungria, da Colômbia e da Coreia do Norte—, enquanto em outros são usados apenas robôs, como ocorreu na Austrália, na Síria e no Camboja. 

A maioria, porém, usa uma combinação das duas técnicas. O número de envolvidos também varia, indo de duas dezenas na Coreia do Sul a centenas de milhares na China, assim como o valor gasto por cada país e a organização interna dos grupos. 

Levando em conta a capacidade de cada um deles de interferir nas redes sociais, os pesquisadores dividiram os países em quatro categorias, de quem tem mais poder a quem tem menos.

O estudo, feito por meio da análise de notícias e de entrevistas com pesquisadores locais, leva em conta apenas ações internas de tentativas de manipular o debate público. Interferências de um país em outro, como a que o governo russo é acusado de ter feito na eleição americana de 2016, não foram levadas em conta. 

Desde a campanha nos EUA, que terminou com a vitória de Donald Trump, diversos países mudaram a legislação para tentar conter o problema. Para Brown, porém, as medidas não têm tido o efeito esperado:

"A ação dessas leis é a que produz menos progresso no combate às fake news".

No Brasil, há projetos na Câmara e no Senado para dar a juízes o poder de tirar material suspeito do ar. 

"Cada vez mais, governos usam a legislação para combater as fake news e causam um efeito de restrição à liberdade de expressão."

Por isso, ela defende que o ideal é que as novas regras tenham como alvo a propaganda de partidos e governos na internet. "Onde vimos mais resultados positivos foi com leis criadas para introduzir mais transparência na campanha política digital", afirmou.

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