Descrição de chapéu Financial Times

Governo Trump avaliou proibir vistos para estudantes chineses nos EUA

Feita por assessores da Casa Branca, projeto foi descartado por impacto econômico e diplomático

Seis alunos estão sentados a uma mesa de reunião, enquanto outros quatro estão de pé, olhando o professor falar. Na mesa há diferentes pilhas de papel e ao fundo do grupo em pé está uma televisão de tela plana.
Alunos da Universidade de Xiamen, no sudoeste da China, participam de grupo de discussão; integrantes da Casa Branca sugeriram vetar entrada de estudantes chineses - Zhang Guojun - 14.jun.18/Xinhua
Demetri Sevastopulo Tom Mitchell
Washington e Pequim

Os “gaviões” da Casa Branca incentivaram no início deste ano o presidente americano, Donald Trump, a parar de fornecer vistos para estudantes chineses, mas a proposta foi arquivada por preocupações sobre seu impacto econômico e diplomático.

Enquanto o governo discutia maneiras de abordar a espionagem chinesa, Stephen Miller, um assessor da Casa Branca que foi vital no desenvolvimento das políticas migratórias linha-dura do governo, pressionou o presidente e outras autoridades a tornar inviável para cidadãos chineses estudar nos EUA, segundo três pessoas inteiradas das discussões internas.

O debate sobre os estudantes chineses se intensificou depois que a Casa Branca lançou, em dezembro, sua estratégia de segurança nacional, que dizia que “revisaria os procedimentos de vistos para reduzir o furto econômico por coletores de inteligência não tradicionais” e considerar restrições a estudantes estrangeiros em campos ligados à ciência. 

Enquanto o debate se concentrou principalmente na espionagem, Miller afirmou que seu plano também prejudicaria as universidades de elite, cujas equipes docentes e alunos foram extremamente críticas a Trump, segundo as três pessoas inteiradas do debate.

A questão chegou a uma reunião no Salão Oval na primavera, durante a qual Miller se confrontou com adversários do governo, incluindo Terry Branstad, o ex-governador de Iowa que é o embaixador dos EUA na China.

Segundo as três pessoas informadas das discussões, antes da reunião no Salão Oval Branstad afirmou que o plano de Miller imporia um preço muito maior às pequenas faculdades, inclusive em Iowa, do que às ricas universidades da Ivy League.

Autoridades da embaixada americana em Pequim também apresentaram uma tese econômica muito mais ampla de que a maioria dos estados americanos goza de superávits comerciais no setor de serviços com a China, em parte por causa dos gastos de estudantes chineses.

Branstad conseguiu convencer o presidente de que a proposta de Miller era draconiana demais, segundo uma pessoa informada sobre o duelo na Casa Branca. A certa altura, Trump olhou para seu embaixador e zombou: “Nem todo mundo pode ir a Harvard ou Princeton, certo, Terry?”

Um porta-voz de Branstad não quis comentar. A Casa Branca também recusou fazer comentários. 

Enquanto Trump optou por não adotar uma abordagem mais radical, algumas autoridades, incluindo Peter Navarro, o assessor de comércio da Casa Branca e um beligerante contra a China, continuaram pressionando por uma posição mais firme. 

Uma pessoa que conhece o debate disse que os adversários de Miller estavam preocupados que o presidente pudesse retornar ao assunto, particularmente enquanto assume uma linha cada vez mais dura com a China sobre tudo, do comércio à segurança digital

“Recusar estímulos estrangeiros causaria um enorme dano à economia dos EUA”, disse Edward Alden, um especialista em imigração no grupo de pensadores Conselho sobre Relações Exteriores. 

“Os EUA há muito atraíram a parte do leão dos imigrantes mais talentosos do mundo porque eles vêm para cá inicialmente para frequentar as melhores universidades do mundo. Se fecharmos esse canal, o país ficará mais pobre e mais fraco.”

A China foi a maior fonte de estudantes internacionais para os EUA no ano acadêmico de 2016-17, segundo o Instituto de Educação Internacional. Mais de 350 mil chineses se matricularam em faculdades e universidades americanas nesse período, comparados com 186 mil da Índia, segundo dados do IEI.

O Departamento de Estado, cujo vice, John Sullivan, também participou da reunião no Salão Oval, não quis comentar a discussão sobre a proposta de Miller. Um porta-voz disse que ela “usa diversos instrumentos para aplicar a estratégia de segurança nacional de 2017 do presidente”, sem dar detalhes sobre as mudanças em políticas.

Enquanto muitas autoridades reagiram a Miller, há uma ampla preocupação em todo o governo americano sobre a crescente ameaça de espionagem da China, inclusive de estudantes e pesquisadores chineses em universidades americanas.

Em fevereiro, Christopher Wray, diretor do FBI, disse que sua agência estava cada vez mais preocupada com o uso pela China de coletores de inteligência “não tradicionais”, inclusive estudantes, professores e cientistas.

“Não é só nas grandes cidades. Também nas pequenas. É em todas as disciplinas”, disse Wray à Comissão de Inteligência do Senado, acrescentando que acadêmicos americanos tinham um “nível de ingenuidade” sobre problema. 

Michael Green, um professor da Universidade Georgetown que foi o principal assessor sobre Ásia na Casa Branca sob o presidente George W. Bush, disse que embora a espionagem chinesa seja uma preocupação crescente, é importante não reagir com exagero.

“Existe um problema, mas é um caso em que você não quer jogar fora o bebê junto com a água do banho. A maioria avassaladora dos chineses que estudam nos EUA se tornam pontes, e não ameaças”, disse o professor Green, que concordou com autoridades da embaixada em Pequim que faculdades nos Estados em que Trump venceu em 2016 sofreriam mais com a falta da estudantes chineses, e não as universidades de elite. 

Uma autoridade graduada disse na semana passada que Washington está reagindo à China porque as atividades do Departamento de Trabalho da Frente Unida —o ramo do Partido Comunista Chinês que supervisiona operações de influência em todo o mundo— tinha “atingido um nível inaceitável”. 

A autoridade disse que o departamento está tentando intimidar a todos, de especialistas chineses em faculdades e grupos de pensadores americanos a alguns estudantes chineses nos EUA.

Indagada sobre a proposta de Miller, uma autoridade chinesa disse que é “ridícula” e seria “muito míope”, indicando que os estudantes chineses contribuíram com US$ 18 bilhões (R$ 71 bilhões) para as economias locais em 2017.

“Politizar o intercâmbio normal de estudantes e fechar a porta a intercâmbios e cooperação vai contra a tendência da globalização”, disse a autoridade. “Há pouca chance de isso prejudicar a China sem prejudicar os EUA.”

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.