Jornalista colombiana é perseguida por escândalo Odebrecht

María Jimena Duzán virou alvo de promotor após criticar falta de avanço da investigação no país

Sylvia Colombo
Medellín

María Jimena Duzán, 57, é a principal jornalista da Colômbia. Leva em seu currículo ter coberto, entre outras coisas, a violência entre os cartéis nos anos 1980 e estar presente quando ou jornal onde trabalhava então, El Espectador, foi atacado por bombas e assassinatos.

Depois, passou a se dedicar ao jornalismo político:  recentemente lançou “Santos - Paradojas de la Paz y del Poder” (Santos - Paradoxos da Paz e do Poder; Penguin Random House, sem edição no Brasil).

Em junho, Jimena Duzán foi alvo de um atentado à liberdade de expressão controverso, que levou meses para ser revertido. Em sua coluna na revista Semana, ela questionou a lentidão das investigações dos negócios envolvendo a Odebrecht na Colômbia.

O ex-presidente Álvaro Uribe e o atual, Iván Duque, seu afilhado político
O ex-presidente Álvaro Uribe e o atual, Iván Duque, seu afilhado político - Nacho Doce - 20.mai.2018/Reuters

Segundo declarou a empreiteira brasileira ao Departamento da Justiça dos EUA, o montante pago em propina e caixa dois no país andino chegaria a US$ 11 milhões (R$ 42 milhões). “Já desconfio da cifra, que me parece baixíssima, e já denunciei isso várias vezes”, disse à Folha.

A Odebrecht vinha desenvolvendo pelo menos uma obra grande, agora paralisada, no país. Era a continuação da segunda parte da Rota do Sol, que ligará Bogotá ao Caribe e cuja licitação a empreiteira teria ganho com suposto pagamento de propina.

Também há acusações de pagamento de caixa dois a campanhas de vários políticos, principalmente do ex-presidente Juan Manuel Santos (2010-2018), que chegou a dar declarações à Justiça quando mencionado por delações e chamado a depor.

Por ora, Santos se esquiva apontando a seu chefe de campanha e dizendo que não sabe de nada. Há apenas uma condenação relacionada ao escândalo da empreiteira brasileira, a do então ministro dos Transportes, Gabriel Ignacio García Morales.

“É muito pouco e, nessa coluna, expunha porque creio que tudo vai tão devagar.”

Primeiro, Jimena Duzán aponta que a lentidão tem a ver com um comprometimento do atual procurador-geral, Néstor Humberto Martínez, com políticos e empresários ligados ao ex-presidente Álvaro Uribe supostamente envolvidos no esquema.

Jimena também acusa o ex-presidente liberal Cesar Gaviria, opositor histórico de Uribe, de ter apoiado seu candidato nas últimas eleições, o presidente Iván Duque, para manter protegidos tanto ele mesmo como o filho, Simón.

Gavíria quer lançar Simón como candidato presidencial no próximo pleito, em 2022.

Jimena também relaciona as irregularidades de empresas sócias da Odebrecht na Colômbia, igualmente não investigadas pela suposta parcialidade do procurador-geral.

As acusações foram levadas a sério pelo promotor que investiga o caso, Daniel Hernández Martínez, para quem o texto de Duzán era um “insulto à sua honra” e à da Justiça. Ele usou um recurso incomum para esse tipo de caso: deixar a jornalista sob tutela.

Isso, se evoluísse, poderia levar a um processo, ao exigir que ela apresentasse provas do que diz. “E eu tenho, tenho os contratos dessas empresas”, diz Duzán. A outra opção, que a jornalista considera mais possível, era que sua tutela fosse uma forma de intimidação. De todo modo, o caso foi visto como violação da liberdade de expressão.

Os advogados da revista Semana apresentaram defesa baseados na ideia de que se tratava de uma coluna de opinião. Outros jornalistas dizem que essa defesa, embora efetiva, não vai ao cerne do caso, que é permitir que jornalistas publiquem informações que estão investigando e das quais têm prova, como diz Duzán.

Pedro Vaca, diretor da Fundação para a Liberdade de Imprensa na Colômbia (Flip), afirmou que a “tutela a Jimena Duzán mancha os valores democráticos e de tolerância à crítica que deveria ter um funcionário público deste nível”, disse, aludindo ao promotor.

E instou outros jornalistas a entrarem no caso para acelerar as investigações.

“Claro que é um atentado à liberdade de expressão, uma tentativa de dar um susto. Tanto que logo foi revogada, quando souberam que eu tenho evidências. Então melhor que façam seu trabalho mais rápido”, diz Duzán.

Ela acrescenta que a Justiça deve buscar os peixes grandes: “O caixa dois de Santos é uma coisa menor, é preciso revelar o sistema de atuação dos sócios da Odebrecht aqui e como manejavam dinheiro entre contas de paraísos fiscais, algo pouco investigado”, afirma.

“Pelo que vi do que os meios de outros países pesquisaram, a triangulação com offshores é essencial no esquema.”

A jornalista viajou a convite da Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.