Merkel não buscará novo mandato como chanceler da Alemanha

Líder vai abdicar também de presidência de seu partido e não quer mais concorrer a cargos políticos

A chanceler alemã, Angela Merkel, em Berlim - Hannibal Hanschke/Reuters
Lucas Neves
Paris

A chanceler alemã, Angela Merkel, disse nesta segunda-feira (29) que não buscará um quinto mandato na chefia de governo em 2021 e que deixará a liderança da União dos Democratas Cristãos (CDU) no fim de 2018. 

“É hora de dar início a um novo capítulo”, afirmou à imprensa, na saída de uma reunião com correligionários, acrescentando que a mudança traz mais oportunidades do que riscos.

“Em 2021, não voltarei a disputar a chancelaria nem uma cadeira no Parlamento. E não concorrerei mais a cargos políticos.” 

Merkel, 64, disse assumir a responsabilidade pelas trepidações dos primeiros meses de sua quarta gestão como chanceler e reconheceu a perda progressiva de credibilidade de seu grupo.  

Ela está à frente do país desde 2005 e comanda os democratas cristãos há ainda mais tempo, desde 2000. Havia se mostrado disposta a buscar a recondução a esse último cargo (por um período de dois anos) na votação prevista para dezembro deste ano. 

Voltou atrás, porém, depois de resultados desfavoráveis, em eleições regionais, para os partidos da coligação que a sustenta. 

No domingo (28), sua CDU teve uma vitória de Pirro na votação no estado de Hesse: foi a primeira colocada, mas, com cerca de 27% dos sufrágios, registrou seu pior desempenho local em mais de 50 anos. 

“Os resultados foram decepcionantes. Não podemos continuar como se nada fosse”, observou Merkel na fala de segunda-feira. 

Os sociais-democratas, parceiros dela na situação, alcançaram um segundo lugar com ainda mais sabor de derrota, em virtual empate com os verdes e tendo sua marca mais baixa em mais de 70 anos. 

Para complicar, o partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), hoje a principal força de oposição no Parlamento nacional, obteve votos suficientes para aceder ao último Legislativo estadual em que ainda não tinha assentos.   

No último dia 14, a frente governista havia sofrido baque semelhante no pleito da Baviera. Ali, a CSU, “irmã” local da CDU, perdeu 16 cadeiras legislativas, e a SPD (social-democracia) se viu superada em porcentagem de votos pela AfD, mas não só –terminou a disputa numa incômoda quinta colocação. 

Na eleição nacional de 2017, a maré já começara a virar, com a ascensão da AfD ao Bundestag e um período de limbo de inacreditáveis seis meses até a formação do atual governo.

Na segunda, Merkel afirmou que, enquanto permanecer na chefia de governo, algumas de suas prioridades serão a definição dos termos da relação do Reino Unido com a Europa após o “brexit” (desligamento britânico do bloco) e a mediação das tensões entre EUA e Rússia.     

A líder da SPD, Andrea Nahles, parabenizou a chanceler por seus 18 anos à frente da CDU e disse que a decisão desta segunda pode ter um efeito positivo, facilitando o trabalho do governo. 

Um dos principais aliados de Merkel na Europa, o presidente francês Emmanuel Macron também elogiou a chanceler e se disse preocupado com o aumento da direita nacionalista no continente.     

O anúncio da saída dela das rédeas da CDU já deslanchou a corrida de sucessão. A imprensa alemã coloca na disputa a atual secretária-geral da legenda, Annegret Kramp-Karrenbauer, que seria a preferida da atual nº 1, o ministro da Saúde Jens Spahn, esse do campo adversário ao da chefe na sigla, e o ex-líder parlamentar do bloco CDU-CSU Friedrich Merz. 

Merkel disse que não vai apoiar formalmente nenhum deles, para não influenciar o resultado. 

Na chancelaria, ela arrastou a conservadora CDU para uma posição mais centrista no espectro político alemão. Aumentou benefícios sociais, aboliu o alistamento militar obrigatório e restringiu a produção de energia oriunda de fontes fósseis. 

Mas talvez o episódio mais simbólico dessa guinada tenha sido a política de portas abertas para a imigração, que fez chegarem ao país, só em 2015, mais de 1,1 milhão de refugiados. 

A medida, saudada por organizações humanitárias e líderes progressistas, rendeu críticas a Merkel em seu próprio partido, assim como em estratos mais nacionalistas da sociedade alemã, sobretudo nos estados da antiga República Democrática Alemã (leste). 

Alguns analistas avaliam que a forma como a chanceler conduziu a política migratória nacional turbinou discursos e agremiações xenófobas, como a cada vez mais robusta AfD.  

 

Linha do tempo de Angela Merkel 

17.jul.1954 Filha de uma professora e de um pastor luterano, Angela Merkel nasce em Hamburgo, na Alemanha Ocidental; meses depois a família se mudou para Perleberg, na Alemanha Oriental, onde ela passaria toda a juventude

1973-1978 Estuda física e matemática na Universidade de Leipzig, no lado Oriental; em 1986 consegue o doutorado em química na Academia de Ciências de Berlim

1990 Meses após a queda do Muro de Berlim, a Alemanha Oriental realiza as primeiras eleições livres e Merkel trabalha como voluntária para um pequeno partido, o Amanhecer Democrático, e após o pleito se torna porta-voz do novo governo  

dez.1990 Após a reunificação, o Amanhecer Democrático é absorvido pela CDU (União dos Democratas Cristãos) e Merkel é eleita pela sigla para o Parlamento alemão; ela seria reeleita nas sete eleições seguintes

jan.1991 Merkel é indicada como ministra de Mulheres e Juventude pelo chanceler Helmult Kohl, que se torna seu mentor; em 1994 vira ministra do Meio Ambiente e em 1998 se torna secretária-geral da CDU com apoio de Kohl após a sigla perder o governo

abr.2000 Depois de um escândalo de financiamento de campanha atingir Kohl e outros nomes importantes da CDU, Merkel se afasta de seu mentor e é eleita a nova líder da sigla e da oposição

out.2005 Após eleições legislativas apontarem um Parlamento dividido entre a CDU e seus rivais do SPD (social-democracia), Merkel negocia um governo de coalizão e se torna a nova chanceler

2008-2011 Merkel passa a liderar as negociações na Europa em resposta à crise econômica mundial de 2008; em troca de apoio a países em dificuldade, como a Grécia, ela exige medidas de austeridade e diminuição do déficit fiscal

set.2009 A CDU consegue ampliar sua bancada no Parlamento e forma um novo governo em parceria com o liberal FDP, mantendo Merkel como chanceler

set.2013 Após novas eleições, que deixam o FDP de fora do Parlamento, Merkel volta a negociar um acordo entre a CDU e o SPD e se mantém como chanceler

2015-2016 Merkel novamente assume a liderança na União Europeia no debate sobre a crise migratória e implementa uma política de portas abertas na Alemanha

set.2017 Com discurso anti-imigração, a sigla de direita nacionalista AfD se torna a terceira força no Parlamento alemão após novas eleições; após quase seis meses de negociação (um recorde no país), Merkel consegue fechar um acordo com o SPD e se mantém como chanceler para um quarto mandato

10.out.2018 Após maus resultados da CDU em eleições locais, Merkel anuncia que deixará a liderança da sigla no final de 2018 e que não irá buscar um novo mandato como chanceler nas próximas eleições em 2021

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