'Protesto do batom vermelho' contra ditador da Nicarágua viraliza nas redes

Homens e mulheres postam fotos inspirados por idosa que pintou lábios na prisão desafiando guardas

Flávia Mantovani
São Paulo

Um batom vermelho é a nova arma pacífica usada por nicaraguenses para protestar contra o governo do ditador Daniel Ortega.

As redes sociais estão cheias de fotos de mulheres —e alguns homens também— com os lábios pintados de vermelho, acompanhadas da hashtag #YoSoyPicoRojo (eu sou boca vermelha).

Nicaraguenses usam batom vermelho em protesto nas redes sociais, acompanhado da hashtag #YoSoyPicoRojo (eu sou boca vermelha)
Nicaraguenses usam batom vermelho em protesto nas redes sociais, acompanhado da hashtag #YoSoyPicoRojo (eu sou boca vermelha) - Reprodução/Twitter

A campanha foi inspirada em um episódio envolvendo uma mulher de 68 anos, presa no último domingo junto com dezenas de pessoas que pretendiam participar de uma manifestação.

Mãe de quatro filhos e avó de cinco netos, a socióloga e ativista feminista Marlen Chow Cruz foi levada, junto com outras mulheres, para a prisão de El Chipote, conhecida como lugar de tortura de dissidentes. Lá, encontrou um batom vermelho em sua bolsa e o distribuiu, sem fazer alarde, para as outras presas usarem.

Quando um policial perguntou a ela “a qual organização terrorista pertencia”, respondeu, ironicamente, que à Associação das Mulheres Nicaraguenses de Batom Vermelho (pico rojo). As outras detidas a imitaram.

“Os guardas ficaram desconcertados”, contou Marlen à Folha. “Não sabiam do que se tratava, ficaram sem reação”.

“A prisão é um ambiente de humilhação, repressão. Tive a ideia do batom vermelho para sair dessa situação mental. Usamos o recurso que tínhamos para demonstrar nossa rebeldia diante daquela situação, de termos sido sequestradas”, completou.

Marlen, que foi solta no mesmo dia, afirma que o protesto nas redes sociais é uma forma de cobrar a liberdade das outras pessoas que continuam presas —organizações de direitos humanos falam em 38 detidos apenas no último domingo, mas a socióloga afirma que foram mais.

A socióloga, que apoiou a Frente Sandinista de Ortega durante a derrubada da ditadura de Anastasio Somoza em 1979, é uma das pessoas que se decepcionaram com o atual governo dele.  

“Há muito tempo, insistimos na resistência pacífica diante da repressão armada das forças militares. Assim vamos conseguir muito mais do que se começássemos uma luta armada, com milhares de mortos”, afirma, antes de terminar o telefonema mandando “beijos de batom vermelho”.

Artistas e personalidades como Adriana Paniagua, Miss Nicarágua 2018, aderiram à manifestação do batom vermelho nas redes sociais. Nicaraguenses que moram no Brasil também participaram.

Desde abril, a Nicarágua vive uma onda de protestos pela saída de Daniel Ortega. A forte repressão aos manifestantes já deixou mais de 320 mortos, incluindo uma brasileira, e ao menos 500 presos, fora os desaparecidos. Muitos dos detidos são enquadrados em uma lei de combate ao terrorismo criada às pressas em julho.

Nos últimos 11 anos, o ex-líder sandinista se consolidou no poder por meio de alterações na Constituição, da cassação de candidaturas, da expulsão de políticos de oposição do Congresso e de uma eleição questionada que lhe deu, em 2016, o terceiro mandato.

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