Descrição de chapéu The New York Times

Dinamarca decide enviar imigrantes indesejados para ilha pequena e de difícil acesso

Ministra da Imigração disse que objetivo é mostrar a eles que são indesejados

Martin Selsoe Sorensen
Copenhague | The New York Times

A Dinamarca pretende alojar os imigrantes menos bem-vindos ao país em um lugar muito pouco acolhedor: uma ilha pequena, de difícil acesso, que hoje abriga os laboratórios, estábulos e crematórios de um centro de pesquisas de doenças animais contagiosas.

Para deixar a mensagem ainda mais clara, um dos dois ferryboats que dão acesso à ilha tem o nome de “vírus”.

“Eles são indesejados na Dinamarca e vão senti-lo”, escreveu a ministra dinamarquesa da Imigração, Inger Stojberg, em seu perfil no Facebook.

Na sexta-feira passada (30) o governo, de centro-direita, e o Partido do Povo Dinamarquês, de direita, anunciaram um acordo para abrigar até cem pessoas na ilha Lindholm –estrangeiros que foram condenados por crimes e candidatos a asilo que tiveram seus pedidos rejeitados, mas não podem ser enviados de volta a seus países de origem.

A ministra de Imigração da Dinamarca, Inger Stojberg, no Parlamento dinamarquês - Mathias Loevgreen Bojesen-26.jan.2016/Reuters

​Com 0,7 quilômetro quadrado de superfície e situada numa pequena enseada do mar Báltico, a ilha fica a 3 quilômetros da costa mais próxima, e o serviço de ferryboat é infrequente. Os estrangeiros terão que apresentar-se diariamente ao centro da ilha, sob pena de detenção se não o fizerem.

“Vamos minimizar o quanto possível as saídas de ferryboat da ilha”, disse o porta-voz do Partido do Povo Dinamarquês para a imigração, Martin Henriksen, à emissora TV 2. “Vamos tornar o traslado o mais caro e difícil possível.”

O acordo fechado reserva US$ 115 milhões ao longo de quatro anos para as instalações para imigrantes na ilha, previstas para entrar em funcionamento em 2021.

O ministro das Finanças, Kristian Jensen, que liderou as negociações, disse que a ilha não é uma prisão, mas quem for enviado para lá terá de dormir na ilha.

Louise Holck, vice-diretora executiva do Instituto Dinamarquês de Direitos Humanos, disse que sua entidade vai acompanhar a situação muito de perto para verificar possíveis violações das obrigações internacionais da Dinamarca.

O acordo foi pactuado como parte das negociações anuais do orçamento nacional. Todos os anos o Partido do Povo Dinamarquês pede restrições aos imigrantes ou refugiados em troca de seus votos para aprovar o orçamento.

Assim como em boa parte da Europa, também na Dinamarca o aumento da migração vinda do Oriente Médio e África em 2015 e 2016 motivou uma reação contrária nativista e populista.

O governo prometeu empurrar a lei da imigração até o limite do permitido pelas convenções internacionais sobre direitos humanos.

Especialistas legais disseram que ainda é cedo para prever se o projeto da ilha Lindholm vai passar desses limites e representar confinamento ilegal. Disseram que o projeto se assemelha a uma proposta do governo italiano rejeitada em 1980 pela Corte Europeia de Direitos Humanos.

O plano para a ilha Lindholm leva adiante a política do governo de tornar insuportável a vida dos candidatos a asilo rejeitados, para incentivá-los a deixar o país.

Candidatos a asilo que tenham antecedentes criminais não são autorizados a trabalhar na Dinamarca. Os candidatos rejeitados que não podem ser deportados são alojados em locais onde não podem preparar as próprias refeições e onde recebem alimentos e uma diária de cerca de US$1,20, que é suspensa se eles não cooperam com as autoridades.

A ex-ministra da Imigração Birthe Ronn Hornbech descreveu o projeto para a ilha como uma “piada” e disse que é um erro comparável a um gol contra no futebol.

“Essa proposta não vai dar em nada”, ela escreveu em sua coluna de jornal.

Muitos estrangeiros que tiveram seus pedidos de asilo negados não podem ser deportados para seus países de origem devido ao risco de sofrerem perseguição ou abusos, ou ainda simplesmente porque os países de origem se recusam a recebê-los de volta.

Centenas de pessoas que estão em dois centros de deportação se recusam a partir. É um desafio para o governo, que prometeu livrar-se daqueles que não têm direito legal a permanecer na Dinamarca.

Alguns dos estrangeiros vêm resistindo a ser deportados há mais de uma década, apesar da deterioração constante de suas condições de vida. Um estudo independente conduzido por um ex-diretor de presídio que hoje trabalha para a organização de direitos humanos Assembleia dos Cidadãos de Helsinque constatou que as condições em um dos centros de deportação são comparáveis às de algumas prisões, ou ainda piores.

O primeiro-ministro Lars Lokke Rasmussen disse em novembro que a meta do governo quando recebe refugiados deixará de ser integrá-los à sociedade nacional, mas abrigá-los até que possam retornar a seus países de origem.

“Não é fácil pedir a famílias que voltem para casa quando elas já se radicaram aqui”, ele disse em uma reunião de seu partido. “Mas é a atitude moralmente correta. Não devemos converter refugiados em imigrantes.”

No verão desde ano foi aprovada uma medida proibindo o uso de véus ou outras peças que cubram o rosto no país. A medida foi rapidamente apelidada de “proibição da burca”, pelo fato de ter sido tomada após um debate sobre a peça de vestuário islâmica, vista por alguns como “antidinamarquesa”.

Este mês está previsto que o Parlamento aprove medida exigindo que os imigrantes que queiram obter cidadania apertem a mão de autoridades, como parte da cerimônia de naturalização –apesar de alguns muçulmanos insistirem que não podem trocar um aperto de mãos com uma pessoa do sexo oposto.

O governo alega que o aperto de mãos é “um valor dinamarquês básico”.

Tradução de Clara Allain

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