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The New York Times Governo Trump

Trump une a esquerda e a direita contra seus planos na Síria e no Afeganistão

Decisão de retirar as tropas foi criticada por todos os lados do espectro político dos EUA

Mark Landler
Washington | The New York Times

​Com sua ordem abrupta na semana passada de retirar todos os militares americanos da Síria e metade do Afeganistão, o presidente Donald Trump conseguiu algo fora do comum: unir a esquerda e a direita contra um plano para extrair os Estados Unidos de dois conflitos prolongados, custosos e cada vez mais infrutíferos.

Tão caótico foi seu processo decisório, tão transparente seu esforço para agradar à sua base política e tão grande a falta de qualquer explicação convincente a seus aliados ou ao público, que a iniciativa do presidente deu um curto circuito no debate nacional muito necessário sobre o futuro das guerras travadas pelos EUA.

Para diplomatas e analistas militares, os argumentos a favor da retirada das tropas são mais fortes no Afeganistão do que na Síria, onde os EUA estão abandonando seus aliados curdos, deixando um vácuo que pode dar espaço para o Estado Islâmico se fortalecer novamente e entregando ao Irã e à Rússia um país de importância estratégica enorme.

Mas mesmo no Afeganistão, onde tropas americanas travam uma batalha acirrada há 17 anos, aqueles que creem que os EUA deveriam se retirar não estão se manifestando. Tirando alguns isolacionistas declarados como o senador republicano Rand Paul, do Kentucky, o tratamento dado por Trump à questão foi condenado por todos os setores do espectro político.

Trump emitiu a ordem de retirada das tropas passando por cima das objeções de líderes militares e civis, precipitando a renúncia do secretário de Defesa, Jim Mattis, e do enviado especial à coalizão que combate o EI, Brett H. McGurk. Em visita às tropas no Iraque na quarta-feira, sua primeira desde que chegou à Presidência, Trump insistiu que “as pessoas vão acabar concordando comigo”.

“Odeio sentir que estou na companhia de neoconservadores e não sou defensor da guerra interminável no Afeganistão, mas retirar tropas desta maneira é totalmente irresponsável e nada estratégico”, disse Daniel F. Feldman, que foi representante especial junto ao Afeganistão e Paquistão quando o presidente Barack Obama ordenou uma redução nas tropas americanas.

Alguns analistas acham que as ordens de Trump não chegarão a ser cumpridas, pelo menos não dentro do prazo de 30 dias que ele determinou para a Síria. Não seria a primeira vez que o Pentágono atrasaria o cumprimento de ordens dele, e já se fala em uma retirada mais gradativa devido às complicações que provavelmente decorreriam de uma retirada realizada às pressas.

Alguns ex-assessores de Trump atribuem a natureza repentina do anúncio à frustração do presidente com os generais que resistiram a todas suas tentativas de definir um cronograma para a retirada das tropas da Síria e do Afeganistão –que, como notam seus partidários, foi uma das promessas que ele fez na campanha de 2016.

“A máquina o atrasou até que ele disse ‘basta’ e fez por conta própria”, comentou Steve Bannon, que, quando foi estrategista chefe de Trump, em 2017, entrou em choque com os generais em torno do Afeganistão. “Não foi bonito, mas pelo menos foi feito.”

Trump, disse Bannon, quer acabar com essas campanhas militares para poder se concentrar na disputa econômica e geopolítica com a China, que o presidente enxerga como a maior ameaça externa aos Estados Unidos. “Não se trata de um retorno ao isolacionismo”, disse Bannon. “É a negação da mentalidade expedicionária humanista dos internacionalistas.”

Os críticos de Trump evitariam usar esses termos, mas analistas militares, ex-funcionários do governo e diplomatas reconhecem que existem argumentos a favor da retirada dos EUA de ambos os conflitos.

O envio de tropas por tempo indeterminado, mas em número limitado, dificilmente vai alterar o campo de batalha tanto no no Afeganistão, onde o Taleban hoje controla mais território que em qualquer momento desde 2001, quanto na Síria, onde o controle territorial do Estado Islâmico foi rompido e o presidente Bashar al Assad, com a ajuda da Rússia e do Irã, em grande medida derrotou a rebelião.

Anunciar a retirada de tropas vai obrigar os EUA a reavaliar engajamentos militares de longo prazo que contam com pouco apoio público e já deixaram de ser eficazes. Também pode forçar afegãos e sírios a confrontarem seus próprios problemas arraigados, sem a presença de soldados estrangeiros que frequentemente adiam o momento de prestação de contas.

“Eu, pelo menos, acho a decisão de retirar as tropas sábia e prudente”, disse Robert S. Ford, o último embaixador americano à Síria.

Manter 2.000 militares das Operações Especiais no leste da Síria, disse Ford, não impedirá a Rússia e o Irã de exercerem sua influência. Não vai estabilizar ou reconstruir partes do país antes controladas pelos combatentes do Estado Islâmico. E fará pouco para pôr fim à guerra civil que se arrasta no país há seis anos e meio.

A situação é ainda mais difícil no Afeganistão. No mês passado, um ano depois de Trump ter autorizado a contragosto o envio de quase 4.000 militares, elevando o número total de tropas americanas no país para 14 mil, o presidente do Estado-Maior Conjunto, general Joseph Dunford Jr., admitiu que o Taleban “não está perdendo”.

“Se alguém tem uma ideia melhor que a nossa agora, que é de apoiar os afegãos e exercer pressão sobre os grupos terroristas na região, estou muito aberto ao diálogo sobre isso”, disse Dunford em debate promovido pelo jornal The Washington Post no início de dezembro.

Trump ordenou a redução das tropas em 50%, para aproximadamente 7.000 soldados, algo que pode ser o precursor de uma retirada completa. Sua decisão contribuiu para a renúncia de Mattis, que disse ao presidente que este merece alguém “cujas posições coincidam mais com as suas sobre estes e outros tópicos”.

No Afeganistão, a inevitabilidade de uma retirada dos EUA está no ar desde pelo menos 2014, quando Obama ordenou uma redução grande no número de soldados no país. O analista afegão Haroun Mir disse que é compreensível que Trump esteja farto, dado o caos em campo e a falta de progresso nas negociações de um acordo político.

Atolados em corrupção e disputas políticas internas, os líderes do Afeganistão precisam encarar a retirada americana parcial como sinal de que não dispõem de muito tempo, ele sugeriu.

Mas, avisou Mir, a retirada parcial não deixa de encerrar riscos, porque se o Taleban voltar a dominar o país, os americanos serão assombrados pelo fato de “terem sido derrotados por uma força maltrapilha depois de passar 17 anos lutando contra ela”.

Por mais que Trump tenha agido de modo precipitado, ele estava manifestando as mesmas reservas que Obama também tinha. Os dois presidentes questionaram o fato de essas campanhas militares não terem prazo de duração previsto; ambos pressionaram seus assessores para definir o que seria êxito e ambos enfrentaram o problema do “esticamento da missão”.

O assessor de segurança nacional de Trump, John Bolton, prometeu recentemente que os EUA não sairiam da Síria enquanto o Irã ou seus aliados estivessem ativos nesse país.

“Sugerir que as forças americanas permaneceriam até a influência iraniana desaparecer era uma meta inalcançável e uma receita para a potencial escalada de uma missão sobre a qual o pessoal de Trump nunca foi muito transparente”, comentou Benjamin J. Rhodes, ex-vice-assessor de segurança nacional de Obama.

Ele observou que a ampliação da missão para abranger a resistência ao Irã é algo que não foi autorizado especificamente pelo Congresso.

Rhodes disse que é a favor da retirada de tropas do Afeganistão e da Síria. Mas, como muitos ex-assessores governamentais de administrações democratas e republicanas, ele criticou fortemente o modo como Trump tomou a decisão, sem consultar aliados ou o Congresso e sem sequer avisar seus generais com antecedência.

“A reação negativa gerada pela decisão e a falta absoluta de clareza em torno dos objetivos dos EUA na Síria são mais problemáticas que a própria noção da redução de forças”, ele disse. “Eu diria o mesmo em relação ao Afeganistão, onde está claro que um aumento da presença americana no último ano não reduziu a violência.”

Tradução de Clara Allain

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