Na Casa Branca, faltam funcionários e as contas não estão sendo pagas

Problemas decorrem da paralisação do governo federal, que suspendeu salário de servidores

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Manifestantes em frente à Casa Branca protestam contra Trump com cartaz que o chama de "mentiroso" - Nicholas Kamm - 10.jan.2019/AFP
Katie Rogers
Washington | The New York Times

Quando a paralisação parcial do governo entrou em vigor no fim do ano, o presidente Donald Trump pareceu admirado por ficar sozinho na Casa Branca por quase uma semana, aquecido por pouco mais do que o bom humor de guardas fortemente armados.

“Eu acenava para eles”, comentou o presidente logo após o Ano Novo. “Nunca na vida vi tantos sujeitos com metralhadoras. Homens do Serviço Secreto e das forças armadas. São pessoas ótimas.”

A história do Natal passado por Trump sozinho, como em “Esqueceram de Mim”, endureceu e virou um impasse que já dura 20 dias, enquanto as relações entre sua administração e o Congresso devido à sua exigência de US$ 5 bilhões para construir um muro na fronteira vão esfriando mais e mais. A Casa Branca deixou de pagar sua conta de água. Alguns funcionários da Casa Branca responsáveis por tarefas burocráticas como ajudar seus chefes a operar as fotocopiadoras estão de licença sem vencimentos. Suas mesas de trabalho estão vazias.

E os agentes do Serviço Secreto que tanto impressionaram o presidente, incluindo os que verificam documentos de identidade e controlam a entrada e saída de carros pretos pelos portões que cercam o complexo, estão todos trabalhando sem vencimentos. Ninguém do Serviço Secreto está sendo pago, segundo um funcionário da agência.

Mesmo sem receber seus salários, disse a agência, “os funcionários que realizam trabalho emergencial que envolve a segurança da vida humana ou a proteção de bens –a maior parte da força de trabalho do Serviço Secreto— precisam continuar a apresentar-se para trabalhar.”

Com cerca de 800 mil funcionários federais deixando de receber seus salários, os efeitos nocivos desta paralisação parcial atingem todos os cantos do país –até mesmo a Casa Branca, onde frequentemente se vê pouca solidariedade para com as pessoas cujo trabalho mantém Washington funcionando. Apenas 156 dos 359 funcionários em tempo integral da mansão executiva podem continuar a apresentar-se para trabalhar, segundo um plano de contingência do governo, porque seu trabalho é considerado essencial.

Mas vários funcionários da administração destacaram esta semana que a vida na Casa Branca continua como de costume, apesar da paralisação. Os faxineiros estão tirando o lixo e passando aspirador nos gabinetes. O refeitório da Casa Branca, operado pela Marinha, continua a servir refeições. Depois de destacar frutas e nozes na semana passada devido ao Ano Novo, esta semana o cardápio inclui frango e sopa com bolinhos de massa.

Mesmo assim, enquanto funcionários da administração Trump enfatizam a normalidade, outros que já passaram por paralisações governamentais prolongadas avisaram sobre os efeitos mais amplos sobre o staff da Casa Branca, incluindo o fato de que tomar decisões políticas importantes contando com menos pessoal é algo que inevitavelmente leva mais tempo.

“Acho que as pessoas não entendem como a gente se sente isolada”, comentou Jennifer Palmieri, ex-diretora de comunicações do presidente Barack Obama e ex-assessora da Casa Branca no governo Clinton, que detém o recorde atual de duração de uma paralisação do governo –21 dias--, um marco lamentável que Trump deve ultrapassar se o impasse continuar.

Preparar-se para uma disputa nem sempre parece ter sido uma preocupação especial dos assessores desta Casa Branca, que tende a funcionar em um estado de vaivém constante de pessoal e que opera com uma mentalidade de batalha acirrada, mesmo em suas fases melhores. Afinal, ao centro da operação está um comandante em chefe que destaca a importância de nunca recuar.

E Trump, que estaria estudando maneiras de se esquivar da obrigação de pedir verbas ao Congresso, declarando uma emergência nacional, já deu todas as indicações de que não se importa com quanto tempo esta briga vai se prolongar.

Mas alguns dos assessores do presidente que estão de licença sem vencimentos estão entre os que não podem se comunicar com outros usando telefones ou emails de trabalho e estão proibidos de procurar outras fontes de renda, segundo normas vigentes há várias administrações.

Tudo isso soa familiar para Cody Keenan, que foi redator de discursos de Obama. Keenan recordou que continuou a ir trabalhar em sua sala na Casa Branca durante a paralisação do governo em 2013, mas muitos outros funcionários, incluindo outros redatores de discursos, vários dos quais trabalhavam no vizinho Edifício Executivo Eisenhower, não podiam fazer o mesmo.

“Nossas equipes tiveram problemas de verdade”, disse Keenan em e-mail. “Meus redatores foram colocados de licença. Fomos legalmente proibidos de contatar uns aos outros até a paralisação terminar.

A falta de salários foi especialmente difícil para os mais jovens, que ainda não tinham poupanças. Mas não há nada que se possa fazer.”

Os funcionários federais contam receber seus salários atrasados em algum momento, mas a situação pode ser outra para profissionais com contratos temporários. Uma porta-voz da Administração de Serviços Gerais disse que os gerentes de repartições, considerados funcionários federais, continuam a trabalhar, assim como muitos faxineiros e trabalhadores de manutenção terceirizados em alguns gabinetes. Mas ela não pôde dizer se os terceirizados acabarão recebendo o que lhes é devido em algum momento futuro.

“Se eles são terceirizados, o pagamento deles é determinado pelo status de seu contrato de trabalho”, disse Amanda Osborn, porta-voz da agência.

Além da questão do pagamento de funcionários, outras questões práticas na Casa Branca estão deixando de ser resolvidas.

Dias depois do início da paralisação, representantes do Departamento do Tesouro informaram a DC Water, a empresa de água de Washington, que a conta trimestral de água do governo federal, no valor de US$ 16,5 milhões, não seria paga por completo. Seguiu-se uma discussão intensa na DC Water sobre a partir de que momento o fornecimento de água pode ser cortado a um cliente.

A empresa decidiu deixar a dívida passar no caso deste cliente.

“Não vamos cortar o fornecimento de água à Casa Branca”, disse em email um representante da DC Water, Vincent Morris. O governo deve cerca de US$5 milhões à empresa.

Paralisações prolongadas do governo podem ser desastrosas para a Casa Branca por outros motivos.

Na última vez em que uma paralisação durou tanto tempo, o presidente Bill Clinton partiu no caminho para o impeachment, namorando uma jovem estagiária chamada Monica Lewinsky numa sala vazia da Ala Oeste da Casa Branca. Os funcionários não essenciais tinham sido mandados para casa, estagiários não pagos tinham sido chamados para trabalhar, e o resto é história amarga.

A administração Obama proibiu estagiários de virem trabalhar durante paralisações do governo, e a nova turma de estagiários da Casa Branca de Trump ainda não começou seu trabalho, segundo um alto funcionário.

Leon E. Panetta, que foi chefe de gabinete de Clinton durante a paralisação governamental, comentou em entrevista que “é inteligente” não deixar que os estagiários trabalhem nessas condições.

Na quinta-feira (10), com a paralisação mais recente chegando perto de completar 21 dias, Trump foi persuadido a contragosto a sair da Casa Branca. Ele levou um grupinho de pessoas que ainda estão trabalhando na Casa Branca com ele, embarcando no avião presidencial para o Texas, onde se encontrou com funcionários da segurança da fronteira e pessoas cujas vidas foram afetadas pelos problemas da imigração ilegal, não por uma paralisação governamental incômoda. 

Pelo menos sete funcionários seniores o acompanharam no avião, incluindo Jared Kushner, seu genro e assessor sênior; Sarah Huckabee Sanders, sua secretária de imprensa; Bill Shine, seu vice-chefe de gabinete para comunicações; Mick Mulvaney, seu chefe de gabinete interino, e Stephen Miller, assessor sênior da Casa Branca e arquiteto da política imigratória “tolerância zero” da administração.

Algumas pessoas podem ter visto a visita à fronteira como uma maneira de o presidente sair de seu isolamento autoimposto pela paralisação e tomar conhecimento em primeira mão dos efeitos da paralisação sobre funcionários federais. Mas Leon Panetta avisou que ela pode ter tido outro efeito.

“O maior perigo é que o presidente sinta que está ganhando de alguma maneira, seja o que for que está fazendo”, disse Panetta, “e tente se convencer de que é o outro lado que vai ceder primeiro.”

Tradução de Clara Allain 

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