Antonio Patriota, chanceler de Dilma, lança álbum musical

Aos 64 anos e sob o pseudônimo Tonio de Aguiar, embaixador já pensa em segundo disco enquanto aguarda rumos do Itamaraty

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Lucas Ferraz
Roma

Considerada a Embaixada do Brasil mais bonita no exterior, o histórico Palácio Pamphili, em Roma, é um complexo setecentista com 7.000 metros quadrados em cinco pisos e três pátios. O prédio, que já pertenceu a um papa, é propriedade brasileira há 60 anos. 

Na sala Palestrina, onde acontecem os eventos musicais, uma das atrações —além do pé direito alto e ornamentado— é um piano Steinway, refúgio do pianista Tonio de Aguiar e onde ele compôs quase todo seu disco de estreia. 

Tonio de Aguiar é o pseudônimo que o atual morador do palácio, o embaixador e ex-chanceler Antonio Patriota, adotou para lançar-se numa tardia carreira musical. 

Usando seu sobrenome menos conhecido e um apelido familiar, o diplomata de 64 anos finalizou em Roma, onde está desde novembro de 2016, as nove músicas reunidas no álbum “Geografia do Sentimento”, lançado de forma independente há três meses.

Com influências do jazz e da bossa nova e produzido pelo saxofonista Leo Gandelman, o disco surpreende positivamente. Neste mês, foi tocado num programa dedicado à música brasileira na RAI, rádio pública italiana, ao lado de artistas como Gilberto Gil e Chico Buarque. 

Colegas do Itamaraty classificaram o trabalho como “música de elevador”, mas Tonio de Aguiar considera o comentário positivo, já que ele escutou muitas vezes Tom Jobim em elevadores. Se é necessário um rótulo, ele prefere o de música noturna. 

“Sou um compositor noturno, todas as músicas foram compostas à noite. A meu ver, o disco tem essa característica”, afirmou o ex-chanceler.

O início da carreira musical de Patriota coincide com uma virada no Itamaraty sob a Presidência de Jair Bolsonaro, num momento em que seu posto em Roma foi oferecido numa barganha política a Gustavo Bebianno, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência que foi demitido após um desentendimento com Bolsonaro —ele recusou a oferta.

Embaixador Antonio Patriota, que usa o pseudônimo Tonio de Aguiar no disco 'Geografia do Sentimento'
Embaixador Antonio Patriota, que usa o pseudônimo Tonio de Aguiar no disco 'Geografia do Sentimento' - Ruy Baron - 11.jul.12/Folhapress

No passado, o posto já foi usado politicamente. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou (o também ex-presidente) Itamar Franco em embaixador por causa de seu apoio na campanha de 2002.

Sobre os rumos do Itamaraty sob o comando de Ernesto Araújo, de ala oposta à sua, Patriota limitou-se a dizer que o Brasil tem “um dos corpos diplomáticos mais qualificados” do mundo e que “a diplomacia brasileira será chamada a desempenhar um papel de crescente relevância”.

Há 40 anos no Itamaraty, Patriota comandou o órgão de janeiro de 2011 a agosto de 2013, no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Queria dar continuidade à política do ex-chanceler Celso Amorim, dos anos Lula. Mas, sob Dilma, a diplomacia viveu uma inflexão, com a diminuição da influência geopolítica do país.

Com a relação desgastada com Dilma, ele foi demitido após uma crise com a Bolívia

Patriota se tornou, então, representante do Brasil na ONU, em Nova York, onde compôs as primeiras músicas. 

De família com história na diplomacia e ligações artísticas —seu pai, diplomata, também tocava piano e seu irmão, Guilherme Patriota, é embaixador—, ele começou a estudar o instrumento aos oito anos no Rio, onde nasceu. 

Prosseguiu na Suíça, anos depois. Com influências que vão de Milton Nascimento a Radiohead, nunca deixou de tocar. “Sempre tive ideias musicais, mas a coisa ficou séria a partir de 2016”, disse. 

O que era para ser um registro caseiro virou uma produção séria após ele mostrar as músicas gravadas num iPhone a Leo Gandelman, músico que ele conheceu anos atrás nos EUA. Gandelman gostou, se dispôs a produzir o disco e ainda tocou em cinco faixas. Outros músicos profissionais, como o baixista André Vasconcelos, participaram das gravações, realizadas em maio passado no estúdio do saxofonista no Rio de Janeiro.

“Foi o Leo quem me encorajou”, disse Tonio de Aguiar. “Gravar envolve certa ousadia, sair da minha zona de conforto. Como vou me apresentar? Sou um diplomata profissional que fez um CD autoral.”

Bancado pelo próprio embaixador, “Geografia do Sentimento” é essencialmente instrumental. Apenas três das músicas são cantadas —inicialmente Tonio iria interpretá-las, mas ele não gostou de sua voz; uma foi cantada por um de seus dois filhos e as outras, pela cantora Tecca Ferreira. 

Diante do clima no Itamaraty de “caça às bruxas”, alimentada pela demissão recente de um diplomata crítico ao novo ministro, Patriota prefere se ater ao futuro do compositor Tonio de Aguiar. 

Ele ainda pode servir em Roma por mais alguns anos, mas tudo dependerá das decisões de Brasília. A única certeza é que o pianista-diplomata já pensa no segundo disco. Por ora, as ideias vão sendo trabalhadas no luxuoso piano Steinway da sala Palestrina.

 

Antonio de Aguiar Patriota, 64

Nascido no Rio, formou-se em filosofia em Genebra e ingressou no Itamaraty em 1978. Ex-ministro das Relações Exteriores de Dilma Rousseff (2011-13), foi representante do Brasil na ONU e na Organização Mundial do Comércio. É embaixador em Roma desde 2016

Erramos: o texto foi alterado

O ex-chanceler Antonio Patriota ouve Tom Jobim em elevadores de prédios que não os da ONU –que não tocam música. O texto foi corrigido
 

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