Status militar do Brasil nos EUA é marco, mas pode ser inócuo

Militares venceram desconfianças, embora obstáculos políticos estejam no caminho

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São Paulo

A concessão do status de aliado prioritário extra-Otan pelo governo de Donald Trump ao Brasil é um marco nas relações político-militares entre os dois países. Mas pode não passar disso.

Super Tucano comprado pelos EUA em treinamento da Força Aérea do Afeganistão
Super Tucano comprado pelos EUA em treinamento da Força Aérea do Afeganistão - Eydie Sakura - 6.abr.2016/Força Aérea Americana

Em 1997, o então chanceler do governo argentino de Carlos Menen, Guido di Tella, disse que seu país tinha "relações carnais" com os EUA de Bill Clinton —que anunciara conceder no ano seguinte o status que Trump agora dá ao Brasil.

Noves fora a adequação politicamente incorreta da frase em relação aos seus personagens, o governo Menem criou um folclore. As Forças Armadas argentinas são conhecidas por sua ineficácia desde que invadiram as ilhas Falkland britânicas no conflito que por aqui se chama Guerra das Malvinas, em 1982.

O tal status especial trouxe um maior intercâmbio inicialmente, mas não houve nenhum salto qualitativo. É preciso ressalvar que a Argentina desapareceu como Estado organizado no ocaso da era Menem e sob seus sucessores imediatos, só para renascer como parte da onda esquerdista que tomou a América Latina nos anos 2000.

Comandado pelo casal Kirchner de 2003 a 2015, o país não fez avançar em nada a agenda de cooperação militar com Washington. Aqui cabe usar o chavão bolsonarista de "viés ideológico", pois era real: perto de Néstor e Cristina, Luiz Inácio Lula da Silva era um agente da CIA apoiado por uma diplomacia que vendia antiamericanismo.

Pode ser diferente com o Brasil, caso o país não quebre numa crise fiscal e a depender dos rumos do governo Bolsonaro.

Historicamente, há uma ciclotimia na relação dos militares brasileiros com os EUA. Aliados na Segunda Guerra, quando os americanos mantiveram importante base aeronaval em Natal, os dois países mantiveram relação próxima: a Força Aérea Brasileira ganhou corpo com equipamento herdado de Washington.

Os EUA apoiaram o golpe militar de 1964. Mas aos poucos a ditadura, ainda que anti-União Soviética por princípio, adotou um distanciamento em prol de um certo desenvolvimentismo expresso por programas bélicos independentes ou aliados a outros parceiros.

Daí o desenvolvimento da bomba atômica brasileira, que só parou com o fim do regime, e de seu programa de mísseis balísticos —como em todo país, acoplado à pesquisa em foguetes para colocar satélites em órbita.

Nessa toada, o Brasil tinha equipamento americano, mas compôs uma frota de submarinos de origem alemã, operou supersônicos franceses Mirage e desenvolveu seu caça de ataque AMX com italianos. Enquanto isso, a indústria local se desenvolveu, a ponto de se tornar uma das principais exportadoras de blindados sobre rodas nos anos 1980.

Assim, um nacionalismo orgulhoso se instalou sempre que o assunto são "os ianques", como dizem os militares daqui. A reação imediata rejeitando a ideia de uma base americana, ventilada por Jair Bolsonaro na primeira semana de governo, foi um sinal eloquente dessa disposição.

O cabresto colocado no Itamatary bolsonarista em relação à Venezuela também mostrou que os fardados não vão embarcar em aventuras. Já o envio de um general para servir no Comando Sul americano demonstra que não há preconceitos tão arraigados, assim como o sinal verde ao acordo ofertado por Trump.

O que mudou? Primeiro, a exposição do oficialato brasileiro ao exterior, majoritariamente durante a missão de paz da ONU no Haiti. Mas, como diz um general familiarizado com a questão, o nó é falta de dinheiro. Poucos projetos estratégicos ficam com o que sobra. Muito tem financiamento externo, caso do programa de submarinos com a França e do caça Gripen, com a Suécia.

De fato, em 2018 apenas 11,3% dos R$ 101 bilhões disponíveis para o Ministério da Defesa foram para investimentos. Mais de 80% ficaram com pessoal, ativo e inativo, levando a questionamentos sobre o tamanho das Forças e as questões previdenciárias.

O acerto com os EUA tem duas vertentes potenciais benéficas. Tecnologicamente, pode trazer avanços em áreas em que o Brasil patina —o país desenvolveu uma família de blindados sobre rodas, mas não domina aqueles sobre lagartas. E haver uma abertura de mercado na mão contrária, talvez a maior aposta na mesa.

Nisso, o fato de a Embraer já ter admitido que a nova empresa que criou com a Boeing para promover o cargueiro militar KC-390 poderá vender outros produtos é eloquente. A fabricante brasileira já vendeu alguns caças de ataque leve Super Tucano aos EUA, para emprego no Afeganistão, e está de olho no fornecimento de até 120 aviões do modelo.

O desenvolvimento dessas questões passará bastante também pelo corrente embate entre a ala militar do governo e o núcleo ideológico que tem como expoente o Itamaraty, chefiado nominalmente por Ernesto Araújo mas com forte influência de Eduardo Bolsonaro, filho do presidente e deputado, e do assessor internacional Filipe Martins.

Se esse grupo influenciado pelo escritor Olavo de Carvalho insistir em uma parceria que ultrapasse a cooperação e migre para ações conjuntas em questões regionais, e naturalmente Venezuela está em primeiro lugar na lista, novo conflito com os militares será inevitável.

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