Entre o bizarro e o curioso, as franjas do governo Jair Bolsonaro vão garantindo a ração diária para a voragem das redes sociais —isso quando o próprio presidente não assume a função para si.
Enquanto o show corre, ninguém sabe exatamente o tamanho da caneta de Paulo Guedes e, principalmente, como será encaminhada a negociação de reformas vitais para a economia no Congresso. O desprezo de Bolsonaro pela sua antiga Casa parecia ter sido diluído com o apoio a Rodrigo Maia para a reeleição na Câmara, só para ser relembrado na escolha de um deputado neófito para ser líder do governo.
No Brasil, como diz um experiente integrante de diversos governos, o presidencialismo de coalizão é destino. Não é uma escolha, e sim uma imposição do sistema do pós-1985. Bolsonaro quer explodir isso, mas o problema é que ninguém sabe como.
Ainda assim, as chances de sucesso na economia, aposta de um mercado irracionalmente animado, seguem bancando o Planalto. Nada muito inusual, dada natural força do mandato popular em começo de governo. Mas uma nova sombra surge no ambiente, bem naquela esquina em que os militares cada vez mais poderosos e o chanceler Ernesto Araújo se estranharam nesta largada de governo. É a Venezuela.
Eu até havia brincado aqui que Araújo poderia conclamar, à moda de um cavaleiro templário, uma cruzada para tomar Caracas se a reforma da Previdência passar. Com os desenvolvimentos no atribulado país vizinho, o chiste começa a perder a graça.
Não parece nada improvável que o voluntarismo de Araújo busque alinhamento com seu ídolo, Donald Trump, e acabe buscando reconhecer o governo de transição da Assembleia Nacional venezuelana. Até aí, justo, a ditadura de Nicolás Maduro é um cadáver que já passou do tempo do enterro, apesar dos esforços do PT em velar o defunto.
A coisa complica enquanto for incerta a reação dos militares que sustentam o ditador. Se a repressão aumentar e a crise humanitária tornar-se ainda mais intolerável, é algo impensável ver Trump tentando passar a conta de algum tipo de intervenção para o Brasil ora militarista e crescentemente militarizado?
Araújo, a julgar pelas suas falas, toparia a empreitada. O filho de Bolsonaro que serve de fiador para o chanceler, Eduardo, seria o primeiro a pegar em armas —se o faria fora da retórica, é algo a ver. Mas quem entende da coisa, os militares que aqui sustentam o presidente, não quer nem pensar na hipótese de um fluxo ainda mais descontrolado de refugiados ou, pior, algum tipo de choque com a ditadura.
Na última vez em que se meteram a falar livremente sobre assuntos delicados para a corporação fardada, Bolsonaro e Araújo tiveram de ver a seca publicação de nota do ministro da Defesa dizendo que nunca houve um plano para a implantação de base americana no Brasil. Ele é um general de quatro estrelas da reserva.
A Venezuela é uma crise de verdade, que nada tem a ver com a conspiração globalista na qual os fiéis do bolsonarismo creem. Um novo entrechoque seria potencialmente fatal para o jovem chanceler.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.