Descrição de chapéu The New York Times

Em 2017, porta-voz da Notre-Dame alertou para necessidade de restauração

Vazamentos, erosão e estruturas apoiadas por vigas ou amarradas com cordas foram alguns problemas relatados

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Aurelien Breeden
Paris | The New York Times

[A Catedral de Notre-Dame foi atingida por um incêndio de grandes proporções nesta segunda-feira (15). Este texto foi originalmente publicado no New York Times em setembro de 2017.]

Gárgulas quebradas e balaustradas caídas trocadas por canos plásticos e tábuas de madeira. Arcobotantes escurecidos pela poluição e erodidos pela água da chuva. Torrinhas apoiadas por vigas e amarradas com cordas.

Pouco dessa deterioração é visível para os milhões de turistas espantados que visitam a Catedral de Notre-Dame em Paris todos os anos, muitos deles ocupados demais em admirar a frente intrincadamente esculpida para perceber o desgaste.

Estátua de são João é retirada em meio a obras de restauração da Notre-Dame, em Paris - Philippe Wojazer - 11.abr.1/Reuters

Mas numa tarde recente André Finot, o porta-voz da catedral, mostrou a decadência. Um pedaço de calcário se desfez ao toque do dedo.

"Em toda parte a pedra está erodida, e quanto mais o vento sopra mais desses pedacinhos caem", disse

Finot, pisando habilmente sobre pedaços de pedra espalhados na passarela sobre o telhado da catedral. "Está saindo do controle em todo lugar."

Esta não é a primeira vez —nem será a última —  que a catedral, uma joia da arquitetura gótica medieval, precisou de uma extensa reforma. Mas especialistas dizem que Notre-Dame, embora não corra o risco de desmoronamento súbito, atingiu um ponto de inflexão —e um bastante caro.

Para pagar a conta  — estimada em 150 milhões de euros, ou mais de R$ 650 milhões  — , eles esperam capitalizar não apenas o patriotismo arquitetônico dos franceses, mas também a francofilia de doadores americanos.

"Há uma necessidade urgente e real de obras de restauração", disse Michel Picaud, chefe da recém-criada fundação Amigos de Notre-Dame de Paris, que pretende angariar doações nos EUA. 

Notre-Dame de Paris, que fica no centro da capital, está na lista de afazeres de muita gente, incluindo gente como Melania Trump e Beyoncé. Faz parte de uma "ligação sentimental" entre a França e os EUA, forjada através de alianças em tempo de guerra, valores comuns e um fascínio recíproco pelas respectivas culturas, afirmou Picaud.

Construída nos séculos 12 e 13, Notre-Dame recebeu uma de suas mais significativas reformas entre 1844 e 1864, quando os arquitetos Jean-Baptiste-Antoine Lassus e Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc refizeram a agulha e os arcobotantes e acrescentaram vários elementos arquitetônicos.

Essa restauração se seguiu a décadas de negligência e danos parciais pelas mãos dos revolucionários franceses, e foi instigada em parte pela publicação por Victor Hugo em 1831 do romance "Notre-Dame de Paris", que chamou a atenção para a situação decrépita do edifício. 

"Certamente a Catedral de Notre-Dame de Paris é até hoje um edifício majestoso e sublime", escreveu Hugo no livro. "Mas apesar de permanecer nobre conforme envelhece só podemos lamentar, só podemos sentir indignação diante das inúmeras degradações e mutilações infligidas ao monumento venerável, tanto pela ação do tempo quanto pela mão do homem."

As palavras soam verdadeiras hoje. "Aqui estamos a 150 anos ou mais de quando ele escreveu isso, o chamado às armas para Notre-Dame 150 anos atrás, e funciona novamente hoje", disse Andrew Tallon, professor-associado de arquitetura e história da arte no Vassar College (estado de Nova York, EUA). 

Notre-Dame, disse ele, enfrenta hoje uma "situação muito excitante  — senão assustadora — , em que precisa de toda a ajuda".

Mas a maioria dos turistas não diria isso, parados numa tarde recente em filas sinuosas para visitar a catedral, tirando selfies e olhando para o alto de suas duas torres. Cerca de 13 milhões de pessoas visitam a catedral de Notre-Dame todos os anos --aproximadamente 30 mil por dia.

"Não parece que precise de obras", disse Liz Bronze, 25, que veio de Londres com uma amiga. "O edifício parece lindo como está." 

À primeira vista, parece. Os vitrais da nave foram substituídos nos anos 1960, com um resultado colorido e vibrante. A fachada branca frontal ficou brilhante nos anos 2000 após uma década de limpeza da pedra coberta de poluição. Vários sinos foram substituídos em 2013, com grande alarde, antes do 850º aniversário da catedral.

"Quando você a olha de frente, não há problema", disse Picaud, diretor da fundação. "Mas é quando você vai aos bastidores que as coisas começam a decair."

A água vaza habitualmente de rachaduras na agulha coberta de chumbo, enfraquecendo sua estrutura de madeira. A chuva, parcialmente ácida, está lentamente erodindo os arcobotantes e seus pináculos decorativos, construídos com calcário delicado.

As gárgulas caíram ao chão e foram trocadas por canos de PVC. Em um pequeno gramado atrás da catedral, a alvenaria que se rompeu ou foi retirada como medida de precaução ao longo dos anos foi empilhada cuidadosamente.

Philippe Villeneuve, o arquiteto-chefe encarregado da renovação da catedral, explicou que Notre-Dame é complicada de restaurar porque na arquitetura gótica "os elementos todos têm papéis estruturais dinâmicos". 

Os pináculos, por exemplo, ajudam a ancorar e estabilizar os arcobotantes, que suportam o peso da catedral. As faces retorcidas e zombeteiras das gárgulas servem tanto para decorar quanto para esgotar a água da chuva.

"Se você retirar um desses elementos, há um desequilíbrio em algum lugar", disse Villeneuve. "O prédio inteiro não vai desmoronar se você perder três torrinhas, mas ficará desequilibrado."

Para aumentar as dificuldades da renovação de um edifício tão complexo, as dezenas de tentativas de reforma anteriores usaram pedras, cimentos ou técnicas diferentes para manter a catedral em forma. Nem todo o trabalho resistiu à prova do tempo. 

Villeneuve disse que é importante usar materiais que combinem estreitamente com a alvenaria original  —e não exagerar.

"A ideia não é substituir cada pedra. Não quero fazer uma cirurgia plástica nesta catedral", disse ele, prometendo manter suas "rugas" seculares. 

O trabalho de restauro na agulha deverá começar no final do ano [2017], e haverá outros. Mas a conta é alta. 

A fundação Amigos de Notre-Dame avalia que precisará de quase US$ 40 milhões para reparos urgentes, e espera levantar mais de US$ 110 milhões na próxima década para uma restauração completa.

O Estado francês, que é o proprietário da catedral, já dedica até 2 milhões de euros por ano para manutenção (quase R$ 9 milhões). Recentemente ele prometeu dobrar essa quantia nos próximos dez anos, segundo Picaud, o chefe da fundação.

Os funcionários da catedral também estão armando um enorme esforço para angariar fundos privados, especialmente nos EUA. 

Essa iniciativa foi promovida por uma relação existente com o Vassar College, incluindo Tallon, que em 2013 foi coautor de um livro sobre Notre-Dame que se tornou a base para uma exposição permanente no deambulatório da catedral.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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