Descrição de chapéu The New York Times

Responsáveis avaliaram mal capacidade de incêndio se alastrar por Notre-Dame

Rapidez com que o fogo poderia se espalhar pela catedral não foi considerada corretamente

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Katrin Bennhold James Glantz
Paris | The New York Times

​O arquiteto que projetou o sistema de segurança anti-incêndio de Notre-Dame admitiu que os responsáveis avaliaram incorretamente a rapidez com que um incêndio poderia começar e se alastrar pela catedral.

O resultado foi um incêndio muito mais devastador do que haviam previsto.

O sistema era baseado na premissa de que as vigas de carvalho antigo do sótão da catedral queimariam lentamente, deixando tempo suficiente para o incêndio ser combatido, disse Benjamin Mouton, o arquiteto responsável pelas proteções contra fogo.

Diferentemente do que ocorre em locais sensíveis nos Estados Unidos, os alarmes anti-incêndio de Notre-Dame não notificaram o corpo de bombeiros imediatamente. 

Em vez disso, um guarda na catedral precisou primeiro subir ao sótão por uma escada íngreme, algo que, segundo Mouton, levaria seis minutos para uma pessoa em ótima forma física.

Apenas depois de ser detectado fogo é que o corpo de bombeiros poderia ser notificado e posto em ação.

Ou seja, mesmo que a resposta tenha ocorrido sem falha alguma, houve uma demora de cerca de 20 minutos entre o momento que o alarme anti-incêndio tocou e quando os bombeiros chegaram e conseguiram subir até o sótão levando centenas de quilos de mangueiras e equipamentos, para começarem a combater o incêndio.

Essa demora acabou tendo efeitos avassaladores.

“Fiquei atônito com a rapidez com que as vigas de carvalho de Notre-Dame queimaram”, disse Mouton.

“Carvalho tão antigo não queima facilmente, como se fosse um fósforo. É absolutamente incompreensível.”

Mas especialistas em segurança anti-icêndios disseram que Mouton e sua equipe subestimaram o risco e que a resposta que projetaram foi lenta demais para combater o incêndio em tempo.

“Não faz sentido”, comentou Jonathan Barnett, especialista em segurança anti-incêndios da Basic Expert, na Austrália.

“Vinte minutos é um tempo enorme para se esperar antes de receber ajuda. Depois que as vigas pesadas começam a queimar, não dá mais para apagar o fogo. Não faço ideia por que incluíram essa demora no plano.”

François Chatillon, arquiteto envolvido em muitas restaurações de monumentos históricos franceses, também destacou que o risco intenso de incêndio nas vigas de carvalho sob o telhado de chumbo de Notre-Dame era do conhecimento geral.

Uma vez iniciado um incêndio, ele disse, “é como jogar um fósforo acesso dentro de uma caixa de fósforos. É impossível apagar.”

Para ele, o surpreendente não foi que Notre-Dame ardeu em chamas esta semana, mas “que isso não tenha acontecido antes”.

Mouton e sua equipe não foram os únicos responsáveis por todas as decisões tomadas para garantir a segurança de um monumento tão precioso quanto Notre-Dame.

Os planos deles precisaram ser aprovados por uma cadeia de comando no Ministério de Cultura.

Mesmo assim, especialistas em prevenção de incêndios disseram que dois dos principais responsáveis pelo projeto, Mouton e um ex-comandante dos bombeiros, o tenente-coronel Régis Prunet, parecem ter errado nos cálculos do que seria preciso para proteger uma construção tão incomum, complexa e insubstituível contra a possibilidade de um incêndio.

Cientistas consultados pelo The New York Times disseram que a dinâmica do fogo indica que, embora as vigas densas possam levar tempo para ser completamente consumidas pelo fogo, um incêndio naturalmente se alastraria muito rapidamente pelas vigas originais de Notre-Dame. Para eles, foi um erro presumir outra coisa.

Mouton foi o arquiteto responsável por Notre-Dame entre 2000 e 2013. Como tal, ele comandou uma revisão das medidas de prevenção de incêndio na catedral.

“A questão da segurança contra incêndios foi aventada assim que cheguei”, ele comentou. “Eu comandei essa questão do começo ao fim.”

Prunet, o ex-comandante de bombeiros, tornou-se assessor de segurança anti-incêndios no Ministério de Cultura e cooperou com Mouton e sua equipe.

Os dois enfrentaram uma tarefa monumental. Não havia um plano real de proteção contra incêndio na catedral, disse Prunet em entrevista separada, nem sequer um plano para evacuar turistas ou fiéis no caso de um incêndio.

Foi um milagre nada ter acontecido antes, ele disse, e “uma ironia enorme” ter acontecido tão pouco tempo depois de o plano ter sido posto em ação.

Tanto Mouton quanto Prunet disseram que tiveram liberdade para projetar o sistema anti-incêndio mais eficaz. Dinheiro não seria problema.

Mas, apesar de não terem sido poupadas despesas, houve uma abordagem conservadora à preservação da estrutura histórica de madeira em sua forma não adulterada.

Os arquitetos estavam determinados a não alterar o sótão com o acréscimo de medidas protetoras como paredes anti-incêndio ou sistemas de sprinklers.

Para especialistas, a torre agulha da catedral poderia ter sido poupada se os responsáveis tivessem se disposto a fazer concessões, abrindo mão de manter a catedral em seu estado original e optando por um meio termo entre o que era possível 850 anos atrás e o que o bom senso impõe hoje.

“Era muito complicado em Notre-Dame porque as vigas de carvalho estavam entrelaçadas, formando uma estrutura que chamamos de floresta”, disse Prunet.

Mas, segundo Muton, a razão principal por que foi feita a opção de não erguer muros anti-incêndio foi porque isso poderia “mutilar” a estrutura.

“É verdade” que a ideia foi aventada na época, ele disse, “mas foi descartada.”

“Isso modificaria a aparência, mas também os elementos”, disse Mouton, “porque, para erguer uma partição, seria preciso cortar a madeira. Seria uma mutilação.”

Prunet explicou que não foram instalados sprinklers “porque eles afogariam a estrutura inteira”.

Em vez disso, a equipe apostou na prevenção e detecção. Foi uma escolha consciente.

Dois guardas ficavam no local dia e noite para monitorar a estrutura delicada do teto. Detectores de calor e fumaça foram instalados em toda a catedral. Um funcionário subia ao sótão três vezes por dia para checar o bom funcionamento do sistema.

Mouton disse que testou o tempo levado por um guarda para investigar um alerta de incêndio, mandando um dos guardas correr até o alto do sótão.

“Leva algum tempo, incluindo para uma pessoa em ótima forma física”, ele disse. “A solução me pareceu razoável, considerando que as vigas eram de carvalho antigo e não queimariam tão rapidamente.”

Não apenas a premissa, mas também o sistema parece ter falhado, a começar com a resposta ao primeiro alarme que soou às 18h20.

Não vendo nenhum sinal de fogo, o guarda deu o sinal de que tudo estava bem e desceu.

Mas, quando um alarme dispara, é imperativo identificar qual alarme foi e por que disparou, nem que seja para verificar que foi um erro de funcionamento ou porque um inseto entrou no equipamento, disse Glenn Corbett, professor de ciência do fogo na Faculdade John Jay de Justiça Criminal, em Nova York.

“Quando o primeiro alarme disparou, isso não foi investigado corretamente”, disse Corbett. “Esse foi provavelmente o maior erro que cometeram.”

Quando o segundo alarme tocou, às 18h43, e um guarda voltou a subir a escada, o incêndio já era uma conflagração.

O corpo de bombeiros foi chamado finalmente às 18h51.

“Poderíamos ter evitado tudo isso com um sistema de detecção mais moderno”, disse Guillaume Poitrinal, presidente da Fondation du Patrimoine, que promove a conservação do patrimônio arquitetônico francês.

A tecnologia de detenção precoce era um sistema de detecção de fumaça aspirante fornecido pela Siemens em 2013, mas a empresa disse que não assinou um contrato de serviço com Notre-Dame e que não poderia comentar possíveis questões operacionais.

Um porta-voz do Corpo de Bombeiros de Paris confirmou que os alarmes anti-incêndio na França nunca alertam os bombeiros automaticamente.

“Podem ocorrer alarmes falsos. É por isso que os bombeiros pedem que alguém vá verificar”, disse o porta-voz Gabriel Plus. Disse que a medida é conhecida como “remoção da dúvida”.

Mas especialistas externos sugeriram que, no caso de Notre-Dame, as opções feitas no projeto de proteção contra-incêndio não deixaram tempo suficiente.

Poderia ter havido outra solução: a presença permanente de bombeiros na catedral. Plus explicou que edifícios que correm um “risco significativo” no caso de incêndio às vezes recebem essa presença.

Entre eles estão o Louvre e as sedes do Tribunal de Paris, da Assembleia Nacional e da Biblioteca Nacional.

A catedral de Notre-Dame, ele disse, não se enquadrava nessa categoria.

​Mounton reconheceu que a presença de bombeiros de prontidão teria sido a única maneira confiável de proteger a catedral contra incêndios, mas disso que isso não e justificaria “quando ocorrem incêndios em toda parte em Paris e nos subúrbios”.

Ciente do que ele sabe, ele criaria um sistema diferente, se fosse hoje?

“O sistema de detecção seria o mesmo”, ele respondeu, “mas o sistema de resposta teria mudado.”

“É claro que são os primeiros minutos que valem”, ele disse. “Depois do fato, sempre vemos que fizemos errado e que poderíamos ter feito melhor.”

Tradução de Clara Allain

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