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Irã eleva risco de guerra para buscar apoio da Europa e da Rússia

Sufocado economicamente, regime só tem a carta do perigo de um conflito para chamar atenção

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São Paulo

A derrubada de um drone americano por forças iranianas é um ato de guerra, independentemente do ângulo pelo qual se veja o ato. Por Washington, uma provocação porque a aeronave estaria em céus internacionais. Por Teerã, pela violação de seu espaço aéreo.

No cipoal de fios desencapados que é o Oriente Médio, basta um erro de cálculo para que o curto-circuito aconteça. A ação iraniana foi um passo arriscado para chamar a atenção dos atores que podem evitar um conflito aberto com os Estados Unidos: Europa e Rússia.

O regime iraniano está sufocado pelas sanções econômicas retomadas pelos americanos desde que Donald Trump deixou em 2018 o pacto nuclear costurado por seu antecessor, Barack Obama. O republicano, assim como seu aliado Israel, vê o texto como uma peça de leniência política por não tratar de temas mais amplos de segurança regional e basicamente dobrar-se à chantagem atômica do Irã.

Russos e europeus discordam, considerando o pacto uma forma de estender a mão ao regime teocrático e afastá-lo de tentações belicosas. Mas há dificuldades colocadas. Os primeiros são aliados de Teerã, mas com limites: cooperaram para salvar a ditadura de Bashar al-Assad na Síria a partir de 2015, mas Moscou se nega a fornecer sistemas antiaéreos avançados aos iranianos para não melindrar sua relação com Israel. A parceria é tática, mas não estratégica, já que historicamente a Rússia e a antiga Pérsia disputam a influência nas regiões muçulmanas do Cáucaso.

O presidente Vladimir Putin soube até aqui se aproveitar de erros americanos no Oriente Médio para ganhar espaço no vácuo. Foi assim que retomou o status de Moscou na região, após a intervenção na guerra civil síria. Também sofre sanções ocidentais, o que em tese o coloca solidário a Teerã, mas o que os aiatolás parecem estar fazendo é apostar na elevação da tensão militar ao ponto de exigir uma posição mais forte do Kremlin no embate com os EUA. Isso parece incerto, no mínimo.

O drone MQ-4C Triton, da Marinha americana; EUA dizem que este foi o modleo derrubado pelo Irã, que fala em outro aparelho - 21.mai.13/Reuters


Em relação aos europeus, a questão é complexa porque as sanções americanas impedem empresas do continente de investir no Irã ou comprar petróleo do país, sob pena de retaliação, basicamente asfixiando a economia local. Desde que Trump assumiu, tudo o que Teerã faz é pedir que a Europa convença Washington a voltar aos termos do acordo.

Não deu certo. Assim, restou aos aiatolás apelar ao que melhor sabem fazer: retórica agressiva contra o Ocidente. Como no caso russo, contudo, é bastante improvável que algum governo ocidental tenha capacidade dissuasória sobre Trump caso o americano resolva partir para as vias de fato. Algo que, é bom notar, nem tampouco é ao gosto do presidente americano, que sistematicamente fala grosso enquanto busca retrair o poderio de seu país de campos de batalha no exterior.

Teerã trabalha bem com essa variável, mas pode sempre haver um ponto de não retorno. Os fios desencapados estão todos aí: petroleiros atacados no Golfo Pérsico, os rebeldes xiitas do Iêmen disparando novos mísseis contra Riad, um drone derrubado. Mas a vertente econômica da disputa parece ter fracassado para os iranianos, então a aposta militar é o que sobra, até porque o momento regional até lhes é favorável devido a problemas com os aliados dos EUA na região.

 

A Arábia Saudita, maior rival do Irã até pela primazia no islamismo, já que é o centro do ramo majoritário sunita enquanto Teerã comanda os minoritários xiitas, está sob forte pressão internacional devido à sua campanha militar contra os aliados do Irã no Iêmen. Além disso, o herdeiro do trono e real chefe do país, príncipe Mohammad bin Salman, é acusado pessoalmente por abusos contra os direitos humanos e pela morte de um jornalista crítico da monarquia na Turquia.

O assassinato de Jamal Khashoggi em outubro passado, ocorrido num consulado saudita em Istambul, indispôs de vez os turcos com os sauditas e abriu uma rixa no campo sunita do islamismo. Hoje, Turquia e Qatar se opõem a um bloco composto por Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e o Egito. Militarmente, se enfrentam por meio de apoio a grupos rivais na guerra civil da Líbia e estiveram em campos opostos em vários momentos do conflito que destroçou a Síria.

A Turquia também não está num momento confortável em sua posição de aliada do Ocidente —é o único país islâmico na Otan, aliança militar liderada pelos EUA. Desde que o presidente Recep Tayyip Erdogan sufocou um golpe militar em 2016 e acusou Washington de proteger o suposto mentor da ação, Ancara vem se distanciando dos EUA e se aproximando da Rússia de Putin. Os países trabalham juntos para tentar solucionar a crise síria, e Moscou vendeu um poderoso sistema antiaéreo, o S-400, aos turcos.

Os americanos protestaram e congelaram a participação da Turquia no programa de seu caça F-35. Os turcos fazem partes da estrutura do avião e encomendaram cem unidades do modelo. A resposta de Ancara ao veto americano foi o de apresentar uma maquete do que seria seu novo avião de combate, muitíssimo similar ao jato americano. Foi só propaganda, mas deu a ideia do esgarçamento das relações.

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