Trump sanciona medida que pune abusos em Hong Kong

Forma de pressão política, legislação é vista como interferência por Pequim

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Loja da Louis Vouitton em frente a agência bancárias blindada após protestos em Hong Kong

Loja da Louis Vouitton em frente a agência bancárias blindada após protestos em Hong Kong Igor Gielow/Folhapress

Hong Kong

O presidente Donald Trump sancionou nesta quarta-feira (27) a lei aprovada pelo Congresso americano que prevê punições a autoridades chinesas e de Hong Kong envolvidas com abusos na repressão aos atos que abalam a antiga colônia britânica há quase seis meses.

O movimento é o mais forte apoio, na crise atual, aos manifestantes contrários a mudanças no status liberal que a região chinesa tem desde que foi devolvida a Pequim em 1997.

“Eu assinei em respeito ao presidente Xi [Jinping], à China e ao povo de Hong Kong”, disse Trump num comunicado. Antes, em entrevista, havia dito que “fico com Hong Kong, fico com a liberdade”.

O presidente americano não tinha opção, já que a lei era à prova de veto por ter sido aprovada com maioria nas duas Casas do Congresso.

Na prática, a medida é uma forma de pressão política, pois pode afetar a possibilidade de americanos fazerem negócios na cidade. Além disso, ela só pode apontar culpados de forma discricionária, como políticos, por ser difícil identificar quem fez a repressão na ponta.

China e Hong Kong já haviam se manifestado contra a lei, que Pequim considera uma interferência em assuntos internos no momento em que negocia com Washington um acordo para pôr fim à guerra comercial dos dois países.

Neste momento, a economia está no centro da discussão de valores em Hong Kong.

Numa esquina da movimentada avenida Des Voeux, no centro financeiro, operários fixam placas de aço lacrando as vitrines de agência do Bank of Communications.

A seu lado, segue com paredes de vidro o americano Citibank. Do outro lado da rua, brilham luzes de uma filial da Louis Vuitton, mas os clientes rareiam.

De certa forma, a cena resume o paradoxo econômico central na discussão sobre os protestos.

O banco estatal foi vandalizado por ativistas contrários à lei que permitiria a extradição de honcongueses para responder à Justiça comunista chinesa. Virou alvo de protestos, como outros ativos do regime, entre eles a agência de notícias Xinhua.

A presença continental em Hong Kong é maciça. Segundo a consultoria Natixis Asia Research, 64% do investimento direto estrangeiro na China e 65% do que o regime investe fora passam pelos mecanismos liberalizados da cidade.

A dependência de Pequim vai além. A Bolsa local fez 73% dos IPOs (ofertas iniciais de ações) de empresas chinesas em 2018 —foi a campeã mundial com 16% de todos os IPOs.

Pequim até criou 12 zonas econômicas especiais para tentar tirar influência da rebelde cidade-Estado, mas não deu certo. Dos US$ 64 bilhões levantados por empresas chinesas em 2018, apenas US$ 20 bilhões vieram de centros como Xangai ou Xenzhen —contra US$ 35 bi de Hong Kong.

Bancos chineses, como o Bank of Communications, têm 9% do PIB (Produto Interno Bruto) da China em ativos na antiga colônia britânica. Nada menos que US$ 1,1 trilhão (R$ 4,62 trilhões).

“Aqui é um lugar com liberdade de movimento. Capitais, bens, pessoas. Isso dá segurança jurídica. Se acabar, vai todo mundo para Singapura fazer negócios, porque nenhuma dessas liberdades é encontrada nas outras cidades chinesas”, diz o americano Joe Mullhouse, que trabalha para investidores do continente. 

Políticos chineses deixam a simbiose de lado e focam o fato de que, desde 1997, a participação de Hong Kong no PIB do país caiu de 18% para 3%. “Mas, na prática, é o pulmão de Pequim”, escreveu o cientista político Brian Fong, da Universidade de Hong Kong.

Essa é uma explicação para a cautela do governo de Xi Jinping em lidar com a balbúrdia na ilha. A reação do público à presença de instituições como o Communications mostra o quão delicada é a questão.

Outro motivo está ao lado, na intocada agência do Citibank. Empresa americanas têm 434 escritórios regionais e 290 quartéis-generais asiáticos na cidade. Seu consulado tem status de embaixada.

Gostamos de ver o Ocidente presente, é um aliado, mesmo que não seja um amigo. A presença das empresas mostra o quão Hong Kong importa”, diz o deputado Eddie Chu, um dos mais influentes da oposição local a Pequim.

Num momento de disputa aberta entre Ocidente e China, é de todo interesse de americanos e aliados uma presença robusta na linha de frente.

Naturalmente, tudo isso é o cenário atual. Uma desaceleração controlada da China pode fazer Hong Kong obsoleta com o tempo. Mas isso não está colocado agora.

Estudo da Capital Consultancy sugere dificuldades, a depender do desfecho da guerra comercial entre Xi e Donald Trump: Pequim poderá chegar a 2030 com crescimento magro de 2% anuais.

Soa alarmista, até porque o país tem gorduras de US$ 2 trilhões (quase R$ 9 trilhões). Mas há sinais: em 2018, pela primeira vez em 20 anos, caiu a venda de carros no país.

Por fim, temperando o cozido, como dizem os chineses, está a Louis Vuitton. Com perda de clientes estimada em 25% do faturamento local no ano, é parte de um dos setores afetados, o de luxo. 

A economia honconguesa vive sua primeira recessão desde a ressaca da crise global, em 2009. Caiu 3,2% no terceiro trimestre em comparação ao anterior, e deve fechar 2019 com queda de 1,3%.

O turismo , que alimenta as reservas hoje em US$ 140 bilhões, sofre. Segundo o Escritório de Turismo da região, os primeiros 15 dias de outubro tiveram 50% a menos visitantes do que em 2018.

Na chamada semana dourada de feriados chineses (1º a 7 de outubro), Hong Kong não chegou nem ao ranking de dez primeiros colocados como destino turístico para moradores da China continental. Em 2018, foi o terceiro.

O comércio no total caiu 18% em setembro sobre o mesmo mês do ano passado. Na chamada “rua do ginseng e do ninho de pássaro”, especialidades vendidas por comerciantes da Bonham Strand, o clima é de desânimo.

“Ninguém veio na semana dourada, e meus estoques estão altos”, diz o lojista Pak, que estuda cortar parte dos empregados.

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