Descrição de chapéu The New York Times

Moradores de Hong Kong reclamam de turismo chinês após inauguração de ponte

População local reclama que turistas da parte continental compram tudo, até absorventes

Amy Qin Tiffany May
Hong Kong | The New York Times

Deveria ser uma "ponte do povo" --um catalisador dos esforços da China para aproximar Hong Kong e Macau do continente. Para os moradores do tranquilo subúrbio de Tung Chung, em Hong Kong, porém, a comemoração inicial após a inauguração da maior ponte marítima do mundo, no mês passado, rapidamente deu lugar à frustração.

É um primeiro sinal de que será preciso mais que uma megaestrutura de 55 quilômetros para superar o ressentimento que separa os moradores de Hong Kong dos chineses continentais.

Quase 1 milhão de turistas da China continental atravessou a ponte para Hong Kong no mês desde a inauguração. A maioria desses turistas foi despejada de ônibus em Tung Chung, uma cidade principalmente residencial próxima ao porto, com população aproximada de 45 mil pessoas, para uma rápida parada de compras antes de voltar para casa.

O repentino influxo de moradores do continente provocou uma série de reclamações entre os moradores locais. As queixas foram de que os turistas compraram todos os alimentos prontos para bebês e óleos medicinais na farmácia local. Eles acamparam em suas portas e perambularam sem rumo no shopping center. Deixaram lixo por toda parte. As filas ficaram longas e os níveis de ruído cresceram. 

Eles trouxeram até sua própria comida e salgadinhos, resmungaram os residentes, sinal de que esse "pessoal da ponte", como os descreveu uma moradora, são "turistas de baixa renda".

"Não me importo com turistas do exterior ou mesmo da China continental", disse Erica Wong, 46, nativa de Hong Kong e moradora em Tung Chung. "Mas não esse tipo de turista, você sabe do que estou falando."

As tensões atingiram o auge no início deste mês, quando ativistas locais apareceram no Citygate Outlets, um shopping que se tornou ponto de encontro de turistas em Tung Chung.

Os ativistas tentaram denunciar os grupos turísticos sem autorização cercando os chefes de grupos e pedindo para ver suas licenças. Usando megafones, eles pediram que turistas idosos que descansavam sentados nos degraus de lojas se levantassem.

Discussões aos gritos surgiram entre os ativistas e um grupo local pró- Pequim que também apareceu. Duas pessoas foram presas. "Há muitos turistas do continente invadindo nosso estilo de vida e nosso espaço, e não podemos tolerar isso", disse Roy Tam, ativista local que ajudou a organizar os protestos.

"Eles estão entrando em nossas lojas e comprando leite em pó, remédios e até absorventes femininos. Como puderam comprar essas coisas em Hong Kong? Eles deveriam comprá-las em suas próprias cidades."

Nem todos os moradores ficaram à vontade com o modo como trataram os turistas. Siu Wai-hay, 72, balançou a cabeça para os ativistas, dizendo que não deviam humilhar os visitantes. "Somos todos chineses de pele amarela. Por que vocês estão discriminando seu próprio povo?", perguntou ele, sugerindo que colocassem mais cadeiras para os turistas.

Mas as tensões em Tung Chung são só a última expressão das preocupações em Hong Kong sobre a crescente influência do continente na cidade semiautônoma. Grande parte da irritação foi dirigida ao governo de Pequim, mas ao longo dos anos não faltaram reclamações sobre os chineses do continente. 

Famílias de classe média e moradores mais jovens, em particular, sentiram o aperto quando os chineses continentais despejaram dinheiro em Hong Kong, fazendo disparar os preços e os aluguéis das moradias.

Para aumentar o ressentimento, segundo especialistas, há uma sensação geral de que a visão exposta originalmente aos moradores de Hong Kong em 1997, quando a ex-colônia britânica foi transferida para o domínio chinês, está rapidamente desaparecendo."

Antes de 1997, a população de Hong Kong acreditava que éramos mais avançados em termos de desenvolvimento econômico e que a China se adaptaria para ser mais como nós ", disse Ray Yep, professor de política na Universidade da Cidade de Hong Kong.

"Mas ninguém esperava que a China crescesse tão depressa, e agora a coisa se inverteu. Percebemos que se quisermos atrair a China somos nós que teremos de fazer ajustes."

A crescente hostilidade entre os moradores locais e os chineses continentais resultou em confrontos pela cidade, especialmente nos campus universitários e em cidades de fronteira como Tung Chung.

Muitos chineses continentais em Hong Kong disseram que se esforçam para falar inglês, em vez de mandarim, por acreditar que os falantes de mandarim são maltratados pelos locais.

Alguns, como Liu Chang, 34, que se mudou do continente para Hong Kong com sua família há dois anos, dizem simpatizar com os locais.

Liu lembrou que visitou a cidade fronteiriça de Sheung Shui, que em 2012 foi o cenário de fortes protestos por uma disputa por recursos --conduzidos pelos muitos negociantes paralelos da cidade, que escapam dos impostos comprando produtos para vender do outro lado da fronteira. 

Ver esses comerciantes, o lixo no chão e as malas bloqueando o caminho, disse Liu, a ajudou a compreender por que muitos moradores de Hong Kong têm uma opinião negativa sobre os chineses do continente. "Isso realmente impactou suas vidas, eu percebi claramente, por isso entendo de onde eles vêm", disse ela. 

Mas para alguns chineses continentais a reação só reforçou a visão de que os moradores de Hong Kong não são gratos o suficiente pelo reforço econômico que o continente deu à ilha ao longo dos anos.

Os turistas do continente representaram 75% de todo o turismo em Hong Kong no ano passado, segundo a Associação de Viagens de Hong Kong. "Estamos esquecendo que a riqueza de Hong Kong não caiu do céu", disse Timothy Chui, diretor da associação. 

Em Tung Chung, muitos turistas usam pacotes diários, pagando às operadoras do continente entre US$ 14 e US$ 72 por uma passagem de ônibus que atravessa a ponte e faz escalas para compras antes de voltar ao continente à noite.

He Shun, aposentado, pagou US$ 70 só para ver a nova ponte. Como outros em seu grupo, ele levou bolachas e frutas para não gastar em restaurantes. "Não estamos aqui para comprar nada, só para ver a ponte e passear", disse ele.

Nos últimos dias, o governo local agiu para desviar os turistas de Tung Chung para outras partes da cidade. As autoridades turísticas da cidade de Guangzhou, no sul da China, emitiram um "aviso urgente" nesta semana de que vão reprimir guias turísticos não registrados que organizam viagens a Hong Kong. O aviso também disse aos grupos registrados que evitem partir nos fins de semana, se possível. 

Especialistas dizem que as medidas causam um alívio temporário, mas pouco fazem para diluir a crescente sensação de impotência entre muitos moradores de Hong Kong. "No fundo, sabemos que a integração de Hong Kong com a China é importante no sentido econômico", disse o professor Yep.

"Vai acontecer de qualquer modo --somos um governo local, não podemos evitar a China." "Por outro lado, somos frustrados de várias maneiras", acrescentou ele. "Por isso tentamos encontrar um campo médio."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves  

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