Na Bolívia, La Paz tem dia de protestos e Santa Cruz de la Sierra volta à normalidade

Leia depoimentos de repórteres da Folha enviadas ao país

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La Paz e Santa Cruz de la Sierra

Nesta quinta (14), dois dias após a senadora Jeanine Añez se proclamar presidente, a Bolívia ainda lidava com o impacto das manifestações e da instabilidade política que tomaram conta do país desde as eleições de 20 de outubro deste ano. 

Leia os relatos das repórteres da Folha Sylvia Colombo e Flávia Mantovani, enviadas a diferentes partes da Bolívia. 

Movimentação era tranquila na tarde desta quinta (14) na praça 24 de Setembro, em Santa Cruz de la Sierra
Movimentação era tranquila na tarde desta quinta (14) na praça 24 de Setembro, em Santa Cruz de la Sierra - Bruno Santos/Folhapress

Reportagem só conseguiu sair de La Paz depois de três tentativas

Sylvia Colombo, de La Paz

A reportagem da Folha precisou de três tentativas para conseguir deixar La Paz na noite de quarta (13).

A primeira, por volta da meia-noite, foi acompanhando um grupo de diplomatas e familiares de um país estrangeiro cujo governo pediu que seus cidadãos deixassem a Bolívia.

Eles embarcaram em vans, com crianças a bordo, em direção ao aeroporto, que fica na cidade vizinha de El Alto, reduto de apoiadores do ex-presidente Evo Morales.

Mas a viagem foi abortada porque as vias de acesso estavam interrompidas.

Na segunda tentativa, a reportagem foi em outro carro, que precisou dar meia-volta quando foi atingido por pedras.

Na terceira vez, a Folha conseguiu chegar ao aeroporto por uma via alternativa —e talvez utilizando uma das ruas mais íngremes existentes no planeta.

O acesso conseguiu evitar os vigilantes de El Alto, mas deve ter acabado com os pneus do sr. Roger, o taxista, que minimizou o perigo da empreitada. “Hoje em dia essas coisas estão fáceis de enfrentar, porque só usam bala de borracha. Antigamente, em protestos de indígenas aqui em El Alto, a resposta era tiro de verdade e não tinha conversa.”

O aeroporto ficou cercado durante toda a madrugada por manifestantes que gritavam “El Alto não dorme” e “El Alto não descansa”. 

Eles levantaram barricadas com fogo, impedindo a passagem dos carros comuns, táxis e ônibus. Uma ameaça de bomba fechou o teleférico e acabou com um dos últimos acessos à região, que foi cercada pelo Exército.

Os mobilizados esperavam na calçada que os carros diminuíssem a velocidade, para fazer uma curva ou checar um caminho, e o abordavam com paus e pedras, gritando que os que estavam a bordo deveriam voltar a La Paz. 

Vida volta ao normal em Santa Cruz com comércio aberto e ruas tranquilas

Flávia Mantovani, de Santa Cruz de la Sierra

"Se fué el dictador” (o ditador se foi). Desde a chegada ao aeroporto de Santa Cruz de la Sierra, foi essa a frase mais ouvida pela reportagem da Folha, vinda da boca de taxistas, atendentes de loja e moradores da cidade que é o bastião da oposição ao ex-presidente Evo Morales.

Mesmo quem reclama das perdas financeiras durante a greve geral local, que durou 21 dias, acha que valeu a pena o sacrifício por contribuir para a renúncia de Evo. 

“Conheço taxistas que venderam refrigerante e picolé na rua para ter renda e não furar a greve”, diz um deles.

Na verdade, não havia muita opção: o comitê que organizou a paralisação —cujo líder é Luis Fernando Camacho, conhecido como o “Bolsonaro boliviano”— colocou bloqueios nas ruas e em portas de lojas, e só os poucos que tinham autorização por escrito podiam circular. 

Finda a greve, a sensação é de uma normalidade que em nada lembra cenas de conflito em La Paz e Cochabamba. 

Os voos chegaram no horário, havia táxis no aeroporto, o trajeto até o hotel foi feito rapidamente e sem bloqueios nas vias, as lojas do centro estavam abertas e as ruas, cheias de gente voltando do trabalho ou passeando na praça principal, que lembra uma cidade do interior no Brasil. 

Nos arredores de Santa Cruz, alguns povoados ainda têm enfrentamentos. Duas pessoas morreram na madrugada de quinta (14) em redutos evistas na região. 

“Quem ainda gosta dele é esse pessoal de pollera, sabe?”, diz um motorista de Uber, referindo-se à saia típica das indígenas. “Toda essa gente a quem ele prometeu tudo.”

Ele, que chama Evo de “narcotraficante e assassino”, diz que o movimento caiu porque os clientes têm menos dinheiro após tantos dias sem trabalhar. “O importante é que o ditador se foi.”

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