Quando anunciou na terça-feira (28) seu plano para resolver o conflito entre israelenses e palestinos, o presidente Donald Trump declarou com confiança que países árabes exerceriam um papel crucial no êxito do plano.
Mas nenhum dos aliados árabes dos EUA endossou o plano formalmente ou assumiu qualquer compromisso concreto de apoiá-lo, levando a dúvidas sobre até que ponto eles realmente ajudarão a colocá-lo em prática.
Trump anunciou o plano na Casa Branca ao lado do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu. Descreveu o plano como sendo tanto necessário para a segurança de Israel quanto uma oportunidade para os palestinos terem autonomia e fazerem sua economia crescer.
Há “muitos, muitos países que querem participar disso”, disse Trump a Netanyahu, prevendo que “vocês receberão apoio tremendo dos países vizinhos e outros”.
Mas faltaram indicações claras desse apoio.
Embora três embaixadores árabes estivessem presentes no anúncio –os de Omã, do Bahrein e dos Emirados Árabes Unidos—, disse Trump, não havia palestinos presentes.
“Vocês não conseguiram encontrar um único palestino para comparecer?”, indagou Daoud Kuttab, jornalista palestino e colunista do site de jornalismo Al-Monitor.
Ele destacou que apesar de Egito e Jordânia terem tratados de paz com Israel e de Trump ter escolhido a Arábia Saudita para a primeira viagem ao exterior de sua Presidência, “nenhum deles compareceu”.
Durante décadas a causa palestina foi algo raro: uma questão que unia os árabes em todo o Oriente Médio. Mas ela perdeu importância nos últimos anos, à medida que o processo de paz foi ficando paralisado.
Alguns líderes árabes voltaram o foco de sua atenção para a segurança e os problemas econômicos de seus próprios países. Outros, incluindo países do Golfo Pérsico como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, acabaram enxergando o Irã como a maior ameaça à região e Israel como potencial aliado contra o Irã.
Mesmo assim, apesar de tudo o que mudou, líderes árabes se abstiveram de apoiar publicamente o plano de Trump.
No discurso que deu na terça-feira (28) na Casa Branca, Trump agradeceu a Omã, Bahrein e Emirados Árabes Unidos “pelo trabalho incrível que vêm fazendo em nos ajudar tanto” e destacou que seus embaixadores estavam presentes. Mas nem mesmo esses países endossaram o plano formalmente.
Alguns outros países adotaram uma postura nitidamente comedida.
A chancelaria do Egito, o primeiro país árabe a selar um tratado de paz com Israel, louvou os esforços de Trump para chegar a um acordo, mas a linguagem usada em sua declaração se mantém dentro dos limites da política egípcia de longa data em relação ao conflito.
O Egito, segundo a declaração, “aprecia os esforços contínuos” da administração Trump para pôr fim ao conflito. Ele incentiva as duas partes a retomar discussões que possam em um momento futuro devolver aos palestinos “seus plenos direitos legítimos, por meio do estabelecimento de um estado independente e soberano”.
A declaração cuidadosamente articulada constitui uma expressão clara de apoio ao presidente americano, embora não do plano, da parte do líder autoritário do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, que Trump descreveu certa vez como “meu ditador favorito”.
A administração Trump está mediando atualmente uma disputa envolvendo o Egito, sediando negociações com representantes de Egito, Etiópia e Sudão sobre uma barragem contenciosa de US$ 4 bilhões que a Etiópia está construindo.
A Jordânia, outro aliado dos EUA que fez as pazes com o Estado judaico, na prática ignorou o plano de Trump e reafirmou seu engajamento com muitos das reivindicações palestinas que a proposta da Casa Branca ignorou.
Entre elas: as fronteiras gerais de um Estado palestino com sua capital em Jerusalém Oriental.
Em declaração à imprensa, o ministro do Exterior Ayman Safadi disse que a Jordânia vai continuar a trabalhar com países árabes e a comunidade internacional “para que se alcance uma paz justa e duradoura que satisfaça todos os direitos legítimos do povo palestino”.
Também a Arábia Saudita elogiou os esforços de Trump, mas não endossou seu plano.
Enquanto aliados dos EUA reagiram cautelosamente à proposta, adversários derramaram escárnio sobre o país por seu apoio a Israel.
O partido político e organização militante Hizbullah, no Líbano, descreveu o plano de Trump como “o pacto da vergonha” e apontou um dedo acusador para os países árabes que se aliaram aos Estados Unidos.
“Este acordo não teria acontecido não fosse pela cumplicidade e traição de uma série de regimes árabes envolvidos secretamente e publicamente nesta conspiração”, disse a entidade em comunicado.
A proposta de Trump foi recebida em boa parte do mundo árabe com fúria, humilhação ou resignação. A hostilidade em relação a americanos e israelenses parece estar no mesmo nível que o sentimento de desilusão de alguns árabes em relação a seus próprios líderes.
“As farsas históricas se repetem”, disse no Twitter o veterano ativista dos direitos humanos Gamal Eid, no Cairo. “Da miserável Declaração de Balfour de 1917 à farsa da Declaração de Trump de 2020. E os líderes árabes ou são inúteis ou estão aplaudindo.”
Nabil Fahmy, um ex-ministro do Exterior egípcio, disse temer que a proposta de Trump não apenas não traga paz à região como afunde de vez as chances de um acordo duradouro.
“Para apresentar a proposta desse modo, é preciso querer que ela seja rejeitada”, explicou. “E se você rejeita esse acordo, está destruindo os princípios do processo de paz e qualquer possibilidade de avanço. É simplesmente espantoso.”
Para muitos, a proposta de Trump assinalou mais um marco funesto naquilo que muitos árabes veem como sendo o abandono americano da causa palestina, que vem ocorrendo há décadas.
Alguns dos comentários também refletiam uma tristeza maior e mais profunda, um sentimento de que uma causa que durante décadas uniu o Oriente Médio está desaparecendo aos poucos, perdendo sua relevância, e que os árabes comuns estão simplesmente perdendo o interesse nela.
Para alguns, os árabes jovens estão preocupados apenas com a violência e turbulência política que se seguiram aos levantes de 2011 em vários países, ou então que eles próprios foram silenciados.
“Se os governos da região estivessem representando a vontade de suas populações, talvez as vozes árabes falassem mais alto”, comentou Timothy E. Kaldas, analista no Cairo do Instituto Tahrir de Política do Oriente Médio.
“Mas, com a repressão extraordinária vista na região, com regimes não interessados em travar diálogos críticos em seus próprios países, é muito difícil visualizar o que os povos desses países poderiam fazer de fato.”
PRINCIPAIS PONTOS DO PLANO DE PAZ
- Possibilitar a criação de um Estado palestino com mais do dobro do tamanho do território atual, mas sem Exército e Força Aérea e sob controle de Israel a oeste do rio Jordão
- Estabelecer Jerusalém como capital “indivisível” de Israel, com a capital palestina ocupando partes do leste da cidade, onde os EUA abririam uma embaixada
- Reconhecer os assentamentos israelenses na Cisjordânia e o vale do rio Jordão como parte de Israel; nem palestinos nem israelenses serão forçados a deixar suas casas
- Congelar futuras ocupações de território palestino durante quatro anos, enquanto ocorrem as negociações da criação do Estado da Palestina
- Recusar o direito de retorno de palestinos refugiados a regiões perdidas para Israel em conflitos anteriores; eles poderão viver no futuro Estado da Palestina, integrar-se nos países em que vivem atualmente ou migrar para um novo país
- Investimentos de US$ 50 bilhões por parte dos EUA no novo Estado palestino, que criaria 1 milhão de novos empregos e reduziria a pobreza pela metade
- Reconhecimento de Israel como Estado judeu
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