EUA divulgam exercício de guerra nuclear limitada com a Rússia

Publicidade é raríssima, e ocorre depois de bomba para esse tipo de combate ser acionada

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São Paulo

Os Estados Unidos simularam uma guerra nuclear limitada com a Rússia durante um exercício militar na semana passada. Em um movimento raríssimo, o teste foi divulgado pelo Pentágono e teve a participação do secretário de Defesa, Mark Esper.

É comum que potências nucleares façam esse tipo de exercício, mas muito inusual que jornalistas sejam informados sobre detalhes da simulação. Foi o que ocorreu na sexta (21).

Um míssil Trident desarmado é lançado em teste de submarino da mesma classe do USS Tennessee
Um míssil Trident desarmado é lançado em teste de submarino da mesma classe do USS Tennessee - Ronald Gutridge - 5.abr.2018/Marinha dos EUA/Reuters

Sem ter o nome revelado, uma autoridade do Pentágono disse que “o cenário incluiu uma contingência europeia na qual você está lutando uma guerra com a Rússia, e ela decide usar uma arma nuclear de potência limitada contra uma instalação em território da Otan [a aliança militar ocidental]”.

“Aí você entra na conversa que teria com o secretário de Defesa, e daí com o presidente, para decidir como responder. Nós simulamos responder com uma arma nuclear”, disse, mas uma “resposta limitada”. Esper fez o papel de si mesmo no jogo de guerra, num centro de comando em Nebraska.

Os russos reagiram à divulgação, e diversos parlamentares fizeram o papel de porta-voz da insatisfação do Kremlin. “O objetivo é acostumar a população com uma resolução inconcebível de um conflito”, disse à agência RIA-Novosti Alexander Cherin, do comitê de defesa da Duma (Câmara baixa do Parlamento).

A divulgação do exercício, informada em primeira mão pela revista técnica americana National Defense, ocorreu poucas semanas depois de os EUA divulgarem que tinham tornado operacional uma bomba nuclear de baixa potência —exatamente o tipo de arma do cenário desenhado pelo Pentágono.

No começo do ano, a W76-2 foi instalada em mísseis Trident e colocada em ação no submarino USS Tennessee, 1 dos 14 barcos de propulsão nuclear que lançam esse tipo de arma.

Ela tem uma potência equivalente a 1/3 da bomba de Hiroshima, ou 5 kilotons —as bombas usualmente transportadas por essas embarcações têm até 455 kilotons.

A minibomba foi desenvolvida a partir de um pedido do presidente Donald Trump, que considerou seu uso na Revisão da Postura Nuclear, publicada em 2018. Desde 2019, estima-se que 50 delas foram construídas, basicamente fazendo um “downgrade” de ogivas já existentes.

Enquanto os EUA dizem que isso só visa dissuadir Moscou de usar tais armas, o consenso entre especialistas em proliferação nuclear é que elas facilitam a ideia do uso de bombas atômicas.

Apesar de o risco maior envolver os russos, especialistas apontam que tal armamento pode ser considerado para uso contra adversários como o Irã ou a Coreia do Norte, já que a nova doutrina americana prevê a aplicação se houver ataques convencionais contra “alvos estratégicos” do país ou aliados.

Para pesquisadores de entidades como a FAS (sigla inglesa para Federação dos Cientistas Americanos), não há como uma guerra nuclear ser limitada. Os danos, mesmo de bombas de baixa potência, são enormes.

E, por óbvio, há o risco de tal embate escalar para uma guerra total, com o uso de armas de grande potência, com 1 megaton ou mais, que em última instância podem levar ao fim da civilização.

Isso não parece importar para o governo Trump. Mesmo admitindo que os russos tenham tais bombas em seu arsenal e que sua doutrina sugira o uso delas, são os americanos que assumiram a frente das provocações.

Há outros motivos. O pesquisador Hans Kristensen, da FAS, escreveu que esta é uma época em que orçamentos militares são detalhados no Congresso americano, e o Pentágono “tem de tentar justificar uma nova arma nuclear de baixa potência e lançada por um míssil de cruzeiro naval”.

Já o deputado russo Alexei Tchepa lembrou na Duma que a divulgação é “uma boa campanha de relações públicas para pressionar os europeus a contribuir mais com a Otan”.

Notoriamente, Trump quer que os países da aliança atinjam a meta de gastar 2% de seu Produto Interno Bruto com defesa —apenas 7 de 29 membros do grupo o fazem.

Este é um ano complexo no campo da segurança nuclear. Em 2019, os EUA deixaram um pacto vital da Guerra Fria que limitava o estacionamento de mísseis de alcance intermediário com capacidade nuclear na Europa —ato contínuo, testaram novas armas do tipo.

Washington acusou a Rússia de ter violado o acordo, o que o Kremlin nega. Ambos os países têm até o fim do ano para renovar ou não o último grande acordo de limitação de armas nucleares, o Novo Start, que trata justamente das ogivas em mísseis de longo alcance.

Hoje, a Rússia tem 1.650 ogivas nucleares prontas para uso, e os EUA, 1.750, segundo a FAS. Juntos, os países respondem por 92% do arsenal nuclear do mundo, herança do tempo em que soviéticos e americanos praticavam a MAD (acrônimo inglês para Destruição Mutuamente Garantida e “louco”, na mesma língua).

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