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Crescem críticas a 'lei do coronavírus' de premiê da Hungria

Presidente da Comissão Europeia diz estar 'particularmente preocupada', e líderes de 13 países pedem respeito à democracia

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Bruxelas

“Estou particularmente preocupada com a situação da Hungria”, disse nesta quinta (2) Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia (Poder Executivo da UE), três dias depois de o governo húngaro conquistar poder para legislar por decreto por tempo indeterminado.

A Comissão vem sendo criticada por outros líderes europeus e organizações de direitos civis por não agir para barrar medidas do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, que ameaçam a democracia no país.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, durante entrevista coletiva em Bruxelas
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, durante entrevista coletiva em Bruxelas - François Lenoir/AFP

Von der Leyen vinha dizendo que medidas de emergência deveriam ser proporcionais e temporárias, sem citar o governo húngaro, mas subiu o tom em apresentação de programa para evitar desemprego causado pelo coronavírus. “Algumas medidas podem ter ido longe demais”, afirmou, citando em seguida a Hungria.

Poucas horas depois, o presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, divulgou pronunciamento em que cobra da Comissão uma posição sobre se a lei aprovada na Assembleia húngara fere ou não a democracia.

Sassoli é do Partido Democrático (centro-esquerda), corrente oposta à do primeiro-ministro húngaro, mas Orbán foi criticado por líderes de várias tendências políticas, incluindo o bloco de centro-direita de que faz parte seu partido, o ultranacionalista Fidesz.

O polonês Donald Tusk, ex-presidente do Conselho Europeu e líder do PPE (Partido do Povo Europeu), mandou uma carta aos membros da coligação afirmando que “usar a pandemia para manter estado permanente de emergência é politicamente perigoso e moralmente inaceitável”.

Também identificado com o PPE, o primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, acusou a Hungria de oportunismo autoritário. O ex-premiê sueco Carl Bildt escreveu que a lei “faz lembrar períodos negros da história europeia”, e o alemão Norbert Rottgen, correligionário de Angela Merkel, disse que a medida “elimina a oposição”.

O Fidesz, partido de Orbán, está suspenso desde o ano passado do bloco de centro-direita, por criticar a União Europeia e ameaçar a democracia. Desde o começo deste ano, parlamentares do grupo defendem que ele seja expulso, embora analistas temam que isso leve à formação de um novo bloco no Parlamento Europeu, de extrema direita.

Nesta quarta, líderes de 13 países (Alemanha, França, Espanha, Itália, Portugal, Holanda, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, Suécia, Irlanda, Grécia e Luxemburgo) assinaram uma declaração que não cita a Hungria, mas condena o uso de medidas de emergência para restringir a liberdade de imprensa e de opinião.

A lei aprovada na Hungria prevê prisão de até cinco anos a quem divulgar informação que “dificulte o combate à pandemia de coronavírus”. Para membros da mídia independente do país, o objetivo de Viktor Orbán é amordaçar os veículos que ainda resistem à pressão do governo.

Os 13 líderes também pedem que o próximo Orçamento europeu tenha regras mais duras de respeito ao Estado de Direito. Nesta quinta, Letônia, Lituânia, Estônia e Eslováquia pediram mais fiscalização de risco à democracia durante a pandemia.

​Partidários do premiê húngaro dizem que a lei não afronta a democracia e é necessária para combater a pandemia de coronavírus. “Leiam o texto. Não há base para tantas mentiras e exageros”, disse ao jornal americano Politico o eurodeputado Tamás Deutsch, um dos fundadores do Fidesz.

Mas, na mesma noite em que a lei de emergência foi aprovada, o governo encaminhou 15 decretos, nenhum relacionado ao coronavírus, segundo o Hungarian Spectrum, site independente fundado pela professora de história da Europa Oriental de Yale Eva Balogh.

Entre as normas baixadas na segunda-feira está a que proíbe a mudança de sexo e a que determina a construção de museus à custa da cidade de Budapeste (governada pela oposição).

Na quarta, porém, Orbán teve que rever outro decreto, pelo qual qualquer proposta de governantes municipais, eleitos em outubro do ano passado, terão que ser aprovadas por comitês liderados por membros do Fidesz.

Até as 19h (horário do Brasil) desta quinta, o país registrava 585 casos confirmados de coronavírus e 15 mortos, um dos mais baixos índices da Europa. Escolas, restaurantes e a maioria das lojas foram fechados, e eventos, proibidos no dia 13. A entrada na Hungria está fechada para estrangeiros desde o dia 17. ​

O líder húngaro ultranacionalista é visto pelo presidente brasileiro Jair Bolsonaro como aliado ideológico. Antes da disseminação do coronavírus, o brasileiro planejava uma viagem oficial à Hungria neste ano.

Em 2019, o deputado Eduardo Bolsonaro se reuniu com o premiê húngaro na Europa.

DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS

A declaração de Von der Leyen é um “típico exemplo de dois pesos e duas medidas políticas”, afirmou o secretário de Estado da Hungria, Zoltán Kovács.

Em vídeo publicado em sua rede social nesta quinta, Kovács disse que “os poderes que a lei de emergência não são maiores que os que o presidente [da França, Emmanuel] Macron tem em tempos normais”, e que acha estranho que a Hungria seja criticada “quando vemos o avanço do coronavírus em países da Europa Ocidental e do sul da Europa, por erros que eles cometeram”.

O governo da Hungria também divulgou uma nota em resposta ao comunicado de líderes de 13 países, sobre o risco de medidas de emergência para a democracia e a liberdade de imprensa.

O governo do premiê Viktor Orbán afirma que “concorda totalmente” que “mesmo nestes tempos desafiadores é preciso defender os valores de liberdade, democracia e Estado de Direito e o respeito pelos direitos humanos”.

A nota também critica o fato de que o comunicado dos líderes não foi aberto à assinatura de todos os Estados membros da União Europeia: “Os valores da UE não devem ser usados para criar divisões”.


A TRAJETÓRIA DE VIKTOR ORBÁN

1987
Forma-se em direito em Budapeste

1989
Ganha uma bolsa da fundação do bilionário George Soros para estudar filosofia política na Universidade de Oxford. Atualmente, Orbán critica duramente o trabalho filantrópico de Soros

1990
Eleito para a Assembleia Nacional pela primeira vez, logo após a saída das tropas soviéticas da Hungria

1993
Torna-se líder do Fidesz (Federação dos Jovens Democratas), partido que ajudou a fundar

1998
Conquista o cargo de primeiro-ministro pela primeira vez e cumpre o mandato até 2002

2010
O Fidesz vence as eleições e Orbán reconquista o cargo de premiê, com ampla maioria no Parlamento

2012
Consegue aprovar uma nova Constituição, que inclui temas de comportamento, reduz a independência do Judiciário e limita a liberdade de imprensa

2013
Aumenta impostos sobre bancos e algumas indústrias, e força empresas a reduzir tarifas de água, energia e gás para os consumidores, o que aumenta sua popularidade

2014
Seu partido vence as eleições e, assim, ele conquista o terceiro mandato como premiê. Após a vitória, toma novas medidas para sufocar financeiramente a imprensa e as ONGs

2015
Nega-se a adotar cotas para receber refugiados, como outros países da UE fizeram, e constrói cercas de arame farpado na fronteira com a Sérvia

2018
Com uma campanha fortemente anti-imigração, seu partido vence as eleições, e Orbán conquista o quarto mandato

2020
Por 137 votos a 52, obtém na Assembleia Nacional direito de governar por decreto por tempo indeterminado, sob justificativa de combater a pandemia de coronavírus

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