Projeto de fotos faz uruguaios abraçarem desaparecidos da ditadura

Imagens do Silêncio traz registros dos cartazes tradicionalmente levados na Marcha do Silêncio

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Belo Horizonte

Enquanto esperava em frente a um fundo para ser fotografada, a advogada Mariana Mota, 55, ouviu uma gravação contando quem tinha sido a uruguaia Beatriz Hernández Hobbas. Nos braços, segurava uma imagem da jovem, desaparecida na Argentina em 1977.

O processo faz parte do projeto Imagens do Silêncio, criado em 2014 para marcar os 20 anos da Marcha do Silêncio, celebrado no ano seguinte. À época, o trabalho consistia na recompilação e edição de fotos dos atos desde a realização da primeira edição, em 1996.

A advogada Mariana Mota, 55, segura foto da uruguaia Beatriz Hernández Hobbas, desaparecida na Argentina, em 1977 - Imagens do Silêncio/Divulgação

No ano passado, na contagem regressiva de 196 dias até a 25ª edição, os organizadores da marcha começaram a publicar uma série de fotos com personalidades uruguaias segurando cartazes com nomes e imagens dos 196 desaparecidos —os mesmos levados à frente dos tradicionais atos do dia 20 de maio.

A lista dos que seguram as fotos é diversa, com músicos, atores, jornalistas, ativistas e religiosos, entre outros. A estreia foi com o técnico da seleção uruguaia de futebol, Óscar Tabárez, com a imagem do estudante Juan Pablo Ibarburu.

“A ideia era fazer com que qualquer pessoa da nossa sociedade se sentisse identificada com pelo menos um dos retratados”, diz o fotógrafo Ricardo Gómez.

Além dele, a equipe inclui outros três fotógrafos (Annabella Balduvino, Federico Panizza e Pablo Porciúncula), a vídeojornalista Elena Boffetta e a produtora Soledad Acuña.

O retratado só conhece o personagem da imagem que vai segurar depois de chegar ao espaço —ele ouve uma gravação que conta a história de quem desapareceu: onde nasceu, com o que trabalhava, como era a família e as circunstâncias da sua prisão e desaparecimento.

“O que buscávamos era captar o abraço, o encontro do referente com o desaparecido, não com o cartaz de papel e madeira, mas sim com a pessoa que ele representa”, explica Gómez.

Mariana Mota se apresentou no projeto como advogada. No ano passado, ela deixou mais de 20 anos de carreira como juíza para assumir um cargo no conselho da Instituição Nacional de Direitos Humanos e Defesa do Povo, encarregado da busca por desaparecidos, a pedido do grupo de mães e familiares.

Em 2010, Mota teve uma decisão histórica nos tribunais uruguaios. Condenou o ex-presidente Juan María Bordaberry a 30 anos de prisão por nove desaparecimentos, dois homicídios (desaparecidos encontrados depois da ditadura) e atentado à Constituição, ocorridos entre 1973 e 1976.

Como civil, o ex-presidente estava fora da lei de caducidade, que previa prescrição aos crimes da ditadura cometidos por militares e policiais.

Bordaberry chegou a ser preso, por outra decisão (que imputava a ele as mortes de Zelmar Michelini e Gutiérrez Ruiz, políticos uruguaios assassinados na Argentina), mas por questões de saúde ficou em regime domiciliar.

Dois anos depois da decisão, Mota se juntou aos familiares na Marcha do Silêncio. Uma foto sua acabou abrindo uma investigação interna sobre a imparcialidade da juíza, e o caso levou um tempo até ser arquivado. Em 2013, Mariana foi transferida a um juizado civil.

“A reclamação por justiça não indica nada a nenhuma causa com que eu trabalhava, porque é uma reclamação genérica, ampla”, diz ela. “Acho que mesmo que eu não tivesse ido à Marcha, ainda teria ocorrido a transferência. O problema não era o que eu fazia fora do juizado, mas dentro dele.”

A causa julgada por ela, avalia Mota, abriu as portas para que outras investigações do mesmo período viessem à tona, mostrando a repressão sistemática instaurada na ditadura. Mas também trouxe freios, chicanas e recursos eficientes para evitar a conclusão dos processos.

“A justiça nunca é vingança. É estabelecer quem atuou de acordo com o direito e quem atuou fora dele”, afirma Mota. “Se isso demorou tanto, é porque o Estado foi omisso por muitos anos.”

Enquanto isso, familiares e projetos como o Imagens do Silêncio tentam manter viva a memória dos desaparecidos e de que houve terrorismo de Estado no país. Neste ano, mais um nome, o 197º, foi adicionado à lista de desaparecidos.

“A memória é importante em todo o mundo e a falta dela, sempre intencional, faz com que nós, humanos, cometamos os mesmos erros e horrores”, diz Gómez.

Onde encontrar o projeto

Instagram: imagenes.del.silencio https://bit.ly/33aqjc3
Twitter: Imágenes del Silencio https://bit.ly/36urRA2
Facebook: Imágenes del Silencio https://bit.ly/2qhCXY9

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