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E se todos nós formos para a China?

País asiático tem encontrado na América Latina economias complementares, petróleo e alimentos

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Esteban Caballero Carrizosa
Latinoamérica21

“O verdadeiro desafio para os Estados Unidos é se perguntar se estão preparados para viver com outro país (China), com uma história diferente, uma cultura diferente, talvez um sistema diferente, mas sem qualquer desejo de competir com os Estados Unidos pelo domínio global. Os americanos estão prontos para viver conosco em paz?” (embaixador da China nos EUA, Cui Tiankai). Essa é a pergunta que o embaixador faz ao final de sua entrevista com a MSNBC, em um momento de crescente tensão entre os dois países. Não houve resposta para a pergunta do embaixador, mas ela permaneceu no ar, reverberando em diferentes cantos do mundo. Entre eles, a América Latina.

A tensão é multifacetada. Muitos pensam que isso se deve principalmente à conjuntura pré-eleitoral nos Estados Unidos. No roteiro de Trump, é sempre importante ter um inimigo. Em 2016 foi o muro para deter a invasão dos hispânicos, agora são os chineses.

Sem dúvida, este fator pré-eleitoral está aumentando as tensões em um jogo muito perigoso para a paz e a segurança mundial. A questão é avaliar o quanto disso irá desaparecer se o candidato democrata Joe Biden vencer em novembro e se, com esse resultado, as armas seriam embainhadas.

Embora as pesquisas apontem para a possibilidade de Biden vencer, nenhum tomador de decisão de política externa pode descartar ainda a reeleição de Donald Trump. Entretanto, mesmo diante de uma eventual vitória democrata, muitas das críticas à situação dos direitos humanos, à espionagem industrial, às ambições territoriais no Mar do Sul da China, ao ataque às liberdades em Hong Kong e à evidente demonstração de nova influência chinesa no mundo continuarão afetando a política externa dos EUA. E como consequência, a opinião do país sobre as relações da China com a América Latina.

Há várias emendas e ações legislativas bipartidárias no Congresso que indicam que a tensão com a China é mais profunda. A emenda à Lei Política para Hong Kong de 1992, agora intitulada Lei sobre os Direitos Humanos em Hong Kong. Igualmente, o apoio à Lei sobre os Direitos Humanos dos Uyghur ou as precauções tomadas em torno dos Institutos Confúcio.

Por outro lado, o conflito tem a ver com um reajuste clássico no equilíbrio de poder que continuará alimentando respostas e contrarespostas políticas. O fenômeno da ascensão de uma nova potência econômica em escala global afetará necessariamente a presença e as ações das outras grandes potências, sejam elas os Estados Unidos ou a União Europeia.

A China é um país de 1,4 bilhão de pessoas, em um vasto território, mas com uma área cultivável que cobre apenas 12%. Sua economia deve prover para essa imensa população e manter a promessa de progresso e bem-estar.

A magnitude do desafio é tal que somente com uma expansão de sua área de influência ela pode permanecer flutuando. A atual instauração da nova Rota da Seda (One Belt, One Road Initiative) é sintomática dessa grande China que quer assegurar seus vasos comunicantes com o mundo através de uma rede de portos, telecomunicações e outras infraestruturas para fomentar o comércio e assegurar insumos e mercados a fim de continuar crescendo e avançando. Na América Latina, a China tem encontrado economias complementares, fontes de minerais e metais, petróleo e alimentos.

A questão é que, enquanto a China se esforça para dar um caráter exclusivamente econômico a esta inserção, seus movimentos despertam as sensibilidades geopolíticas. O fato de a China ter assinado um rascunho de acordo econômico e de segurança com o Irã é um exemplo. Apontando seu total desacordo com a estratégia estadunidense de exercer a máxima pressão sobre Teerã. Por outro lado, o fato de que na América Latina o principal beneficiário do crédito e financiamento chinês é a Venezuela também aguça as tensões.

O primeiro-ministro de Singapura escreveu na Foreign Affairs que, para os países do sudeste asiático, seria um sério problema ter que escolher entre os Estados Unidos e a China, intercedendo por uma melhor relação e pela criação de uma estrutura de cooperação e competição a fim de impedir o deslize em direção a uma competição acirrada.

Algo semelhante, embora talvez não tão urgente ou grave, deve ser proposto na América Latina. A China já é o maior credor da América Latina, superando o número total de empréstimos concedidos pelo BID, o Banco Mundial e o CAF.

O intercâmbio comercial aumentou substancialmente, atingindo aproximadamente US$ 300 bilhões. A China aumentou seu investimento estrangeiro direto no período de 2012 a 2017 para US$ 65 bilhões. Esta é uma das razões pelas quais o governo de Trump está propondo como presidente do BID Mauricio Claver-Carone, um cubano-americano conservador.

Na realidade, a região tem duas opções: ou trata da questão China-EUA em um ambiente cada vez mais caótico e imprevisível, como está acontecendo atualmente com a administração Trump, ou tratará dela em um ambiente mais estruturado e com a vantagem de poder se engajar em um diálogo mais razoável com uma administração democrata. Mas, em ambos os casos, a questão terá de passar para outro nível na política externa dos países latino-americanos.

Para isso, a América Latina terá que reconhecer algumas pautas que nos parecem ser de fundamental importância. Por um lado, ter uma maior coordenação regional em termos da posição dos países sobre como encarar uma estrutura de cooperação e competição entre as duas grandes potências. Atualmente, não existe essa coordenação e existem diferenças políticas evidentes. Por que a Colômbia e o Brasil apoiam uma presidência americana no BID, enquanto outros estão procurando alternativas?

Por outro lado, existe uma desconfiança saudável em relação às intenções de Xi Jinping. A negociação para minimizar os custos e maximizar os benefícios da relação com a China é a ordem do dia. Isso significa impedir que a relação comercial e o financiamento prolonguem a primarização da economia latino-americana, abrindo as portas para um maior valor agregado na cadeia de suprimentos. Exercer uma maior pressão para que os créditos chineses não venham como pacotes vinculados, nos quais os fornecedores chineses são os únicos beneficiários dos investimentos.

Finalmente, e muito importante, proporíamos um aspecto bastante político. O embaixador chinês nos EUA falou em compartilhar o mundo com um país diferente em termos de história, cultura e "sistema". Nesse sentido, a América Latina deveria compartilhar o mundo com a China, expressando claramente sua diferença. Que no mundo não há apenas comércio, mas também democracia, liberdade, direitos.

A região obviamente tem interesse em aprofundar as relações, mas, no que diz respeito aos princípios, ela deveria estar do lado oposto dos "sistemas" autoritários, como o chinês. A região não é o grande emblema do Estado democrático e representativo de direito, mas hoje em dia, salvo as conhecidas exceções, a região pode interceder pela necessidade de manter a vigência de consensos baseados nos direitos humanos, com democracia, liberdades públicas, justiça social e pluralismo.

Cientista político. Antigo diretor regional para a América Latina e o Caribe do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Pesquisador membro do Centro de Estudos Latino-Americanos e Latinos (CLALS) da American University, Washington D.C.

www.latinoamerica21.com, um projeto plural que dissemina diferentes visões da América Latina

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