Grande explosão atinge Beirute e deixa ao menos 78 mortos; veja vídeo

De acordo com premiê, 2.750 toneladas de nitrato de amônio em armazém na zona portuária teriam provocado incidente

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São Paulo, Dubai e Beirute | Reuters e AFP

Uma grande explosão atingiu na tarde desta terça (4) a cidade de Beirute, capital do Líbano, levantando bolas de fogo e colunas de fumaça gigantescas e afetando construções a quilômetros de distância.

O ministro da Saúde, Hamad Hassan, disse que o incidente deixou ao menos 78 mortos, além de quase 4.000 feridos.

Paredes de prédios foram destruídas, janelas quebraram, carros foram virados de cabeça para baixo e destroços bloquearam várias ruas, forçando feridos a caminhar em meio à fumaça até hospitais.

Segundo testemunhas, o estampido da explosão foi ouvido até na cidade costeira de Larnaca, no Chipre, a cerca de 200 km da costa libanesa.

De acordo com o premiê do Líbano, Hassan Diab, em declaração dada na noite de terça (horário do Brasil), o incidente foi causado por 2.750 toneladas de nitrato de amônio.

"É inadmissível que um carregamento de nitrato de amônio, estimado em 2.750 toneladas, esteja em um armazém há seis anos, sem medidas preventivas. Isso é inaceitável e não podemos permanecer calados."

A substância é comumente usada como fertilizante, mas também na confecção de artefatos explosivos e pirotécnicos, segundo Adriano Andricopulo, professor de Química da USP.

"O nitrato de amônio é barato e estável em condições controladas e não queima espontaneamente", diz Andricopulo, acrescentando que ele deve ser armazenado em temperatura ambiente.

De acordo com o professor, há risco de explosão se a substância entrar em contato com altas temperaturas, fogo, combustível ou alguma fonte de ignição, por exemplo.

Mais cedo, o ministro do Interior, Mohamed Fehmi, havia dito que o local da explosão, na zona portuária da capital, era um armazém que concentrava grande quantidade do material. Ainda não se sabe, porém, se o evento foi proposital e se outras explosões ocorreram, como especulou-se após as primeiras informações.

Enquanto o presidente Michael Aoun convocou uma reunião de emergência do Conselho de Defesa, que declarou Beirute uma "zona de desastre", o premiê Diab decretou um dia de luto em todo o país, a ocorrer nesta quarta (5). Em discurso na TV, disse que os responsáveis pela explosão sofrerão consequências.

O Hizbullah, partido xiita ligado ao Irã, por sua vez, deixou de lado as rivalidades históricas e pediu união para enfrentar o que classificou como catástrofe, quadro que pôde ser visto na situação das vítimas.

Georges Kettaneh, presidente da Cruz Vermelha Libanesa, disse à TV libanesa LBC que muitas pessoas continuavam presas em casas atingidas pelo fogo. Alguns eram resgatados por barcos.

Segundo o canal, um dos hospitais da cidade tratava mais de 500 feridos e não tinha capacidade para receber mais ninguém. Dezenas deles precisam de cirurgias.

Na frente de outro centro médico, dezenas de vítimas, incluindo crianças, algumas cobertas de sangue, esperavam para serem atendidas, segundo a agência de notícias AFP. O panorama fez com que muitas pessoas fossem transportadas para fora da capital em busca de tratamento.

A área portuária foi isolada pelas forças de segurança, que só permitem a passagem de agentes da defesa civil, ambulâncias e caminhões de bombeiros. Nas proximidades do porto, a destruição é enorme.

A mídia local transmitiu imagens de pessoas presas a escombros, algumas cobertas de sangue. "Os prédios estão tremendo", publicou no Twitter um morador da cidade, dizendo que "todas as janelas do apartamento explodiram".

"Vi uma bola de fogo e fumaça sobre a cidade. As pessoas gritavam e corriam, sangrando. Varandas foram arrancadas dos prédios. Vidros de prédios caíram nas ruas", disse outra testemunha à Reuters.​

De acordo com o Itamaraty, até agora não houve relatos de brasileiros mortos ou gravemente feridos. O Líbano tem uma grande comunidade com laços com o Brasil: há mais descendentes e parentes de libaneses em solo brasileiro (entre 7 e 10 milhões) do que libaneses no país de origem (7 milhões).

A fragata brasileira Independência, nau capitânia da Unifil (Força Interina das Nações Unidas no Líbano), com 200 marinheiros, não estava no porto na hora da explosão, mas no Mediterrâneo, patrulhando a região. Soldados de outro navio da Unifil, no entanto, ficaram gravemente feridos e levados a hospitais.

Uma fonte do governo de Israel, rival do Líbano, negou à agência de notícias Reuters qualquer envolvimento com a explosão, e o chanceler isralense, Gabi Ashkenazi, reforçou a versão, ao afirmar a uma TV local que o incidente foi provavelmente causado por um incêndio acidental.

O ministro da Defesa israelense, Benny Gantz, ofereceu ajuda humanitária por meio de canais diplomáticos, assim como o presidente da França, Emmanuel Macron, que expressou, em mensagem publicada em árabe no Twitter, solidariedade ao povo libanês.

Os EUA, por um lado, foram protocolares: o Pentágono declarou que o país está preocupado com as mortes, e o Departamento de Estado ofereceu “toda a assistência possível” aos libaneses.

Já o presidente Donald Trump, do outro, disse que a explosão se parece com um "ataque terrível" e que generais americanos disseram que "algum tipo de bomba" provocou o incidente.

A embaixada dos EUA em Beirute alertou os moradores da cidade sobre relatos de gases tóxicos liberados pela explosão, pedindo às pessoas que permaneçam em ambientes fechados e usem máscaras.

Rival tanto dos EUA quanto do Líbano, o Irã, por meio do ministro das Relações Exteriores, Mohammad Javad Zarif, afirmou que o país está pronto para ajudar como for necessário.

Por fim, o presidente Jair Bolsonaro publicou uma mensagem de solidariedade em suas redes sociais. "Profundamente triste com as cenas da explosão em Beirute. O Brasil abriga a maior comunidade de libaneses do mundo e, deste modo, sentimos essa tragédia como se fosse em nosso território. Manifesto minha solidariedade às famílias das vítimas fatais e aos feridos", escreveu.

Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, afirmou ter encaminhado uma mensagem ao embaixador do Líbano no país, Joseph Sayah. "Em nome da Câmara dos Deputados, reafirmo nossa solidariedade ao querido povo do Líbano e transmito nossas mais sentidas condolências pelas muitas vidas perdidas", disse ele em seu perfil no Twitter.

O Líbano atravessa sua pior crise econômica em décadas, marcada por depreciação monetária sem precedentes, hiperinflação, demissões em massa e restrições bancárias drásticas, que alimentam há vários meses o descontentamento social.

Julgamento

A TV Al Arabiya inicialmente noticiou que ocorreram explosões por toda a cidade e que uma delas teria ocorrido próximo à residência do ex-premiê Saad Hariri.

A informação não foi confirmada oficialmente, e o próprio Saad postou uma foto em uma rede social logo após a explosão, indicando que não ficou ferido.

A afirmação da Al Arabiya imediatamente levantou suspeitas de que o incidente poderia estar ligado à divulgação, prevista para sexta, do veredito do julgamento de quatro homens acusados de terem assassinado o também ex-primeiro-ministro libanês Rafik Hariri —pai de Saad— em 2005.

Ao longo do dia, porém, as suspeitas de ligação entre a explosão e o julgamento diminuíram.

Os réus, todos membros do movimento xiita Hizbullah, estão sendo julgados à revelia pelo Tribunal Especial para o Líbano (TEL), com sede em Haia (Holanda), encarregado de proferir a sentença 15 anos após o atentado com um carro-bomba, em Beirute, que matou 22 pessoas e deixou 256 feridos.

O assassinato de Hariri, pelo qual quatro generais foram inicialmente acusados, desencadeou uma onda de protestos que forçou a retirada das tropas sírias do país, após 30 anos no Líbano. O Hizbullah, que nega envolvimento no caso, opõe-se a entregar os suspeitos, apesar de vários mandados de prisão do TEL.

Hariri tem ligações históricas com a Arábia Saudita e era considerado um dos principais líderes políticos sunitas do Líbano, enquanto o Hizbullah representa parte da comunidade xiita.

Por isso, o assassinato "tinha um objetivo político", afirmou a acusação durante o julgamento, lembrando que o ex-premiê "era visto como uma grave ameaça aos pró-sírios e aos partidários do Hizbullah".

Segundo analistas, o tribunal, estabelecido em 2007 após resolução do Conselho de Segurança da ONU a pedido do Líbano, tem sido questionado e representou um custo de vários milhões de dólares para o país.

Se forem considerados culpados, os acusados poderão ser condenados a prisão perpétua. Saad, filho de Hariri e que renunciou ao cargo de premiê em 2019, disse em um comunicado divulgado na semana passada que "não havia perdido a esperança na Justiça internacional e na revelação da verdade".

Diab, o atual premiê, alertou que as autoridades "devem estar preparadas para enfrentar consequências" do julgamento. Analistas avaliam que a divulgação do veredito pode fazer ressurgir tensões no país.

O primeiro suspeito, Salim Ayyash, 50, é acusado de homicídio doloso e de ter liderado a equipe que cometeu o ataque. Outros dois homens —Hussein Oneisi, 46, e Asad Sabra, 43— estão sendo julgados por produzirem um vídeo que reivindicava a autoria do crime em nome de um grupo fictício.

O último acusado, Hassan Habib Merhi, 52, enfrenta várias acusações, incluindo cumplicidade em ato terrorista e conspiração para cometê-lo. Mustafa Badreddin, o principal suspeito e apresentado como o "cérebro" do atentado, não pode ser julgado porque morreu alguns anos após os eventos.

Xiitas e sunitas

Desde o fim da guerra civil, em 1990, o Líbano se equilibra em delicada partilha de poder que segue linhas sectárias —o presidente é cristão, o premiê é muçulmano sunita e o presidente do Parlamento é xiita.

A origem da divisão entre xiitas e sunitas, duas grandes correntes da religião muçulmana, remonta à morte de Maomé, em 632, que não deixou nenhum herdeiro.

Os dois grupos discordam sobre quem deveria ter dado continuidade à liderança do profeta: sunitas preferiam que o líder da comunidade fosse escolhido entre seus seguidores, enquanto xiitas defendiam alguém com laços de sangue com Maomé —especificamente Ali, seu primo e genro.

Os sunitas venceram a disputa e elegeram Abu Bakr, primeiro califa do islã.

A predominância dos sunitas nas dinastias posteriores do império islâmico levou xiitas a se identificarem permanentemente como oposição ao poder estabelecido, também fixando posição minoritária na comunidade muçulmana. Hoje, sunitas se concentram na Arábia Saudita, no Egito e na Síria, entre outros países, e os xiitas, no Irã e no Iraque.

No Líbano, a população é dividida entre os dois ramos e os cristãos: cerca de 30,6% são sunitas, 30,5% são xiitas e 33,7% são cristãos, de acordo com informações de 2018 registradas em um banco de dados da CIA, a agência de inteligência do governo dos EUA.

Colaborou Igor Gielow e Diana Lott

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