Covid-19 barra judeus ultraortodoxos e cria impasse na fronteira da Ucrânia

Hassídicos querem cumprir peregrinação anual até túmulo de fundador e acusam Israel de omissão

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Bruxelas

Quase 2.000 peregrinos judeus ultraortodoxos estão há dias parados numa terra de ninguém, a zona neutra entre as fronteiras da Belarus e da Ucrânia, no leste europeu.

Seguidores do rabino Nachman (1872-1910), fundador do movimento hassídico de Breslov, os peregrinos querem chegar à cidade ucraniana de Uman, onde seu líder está enterrado, antes do Rosh Hashanah (Ano Novo judaico, que em 2020 começa ao anoitecer de sexta, 18, e se encerra no pôr do sol de domingo).

A cidade recebe nessa época cerca de 30 mil seguidores, para os quais recitar determinados trechos do Livro dos Salmos ao lado do túmulo de Nachman confere uma graça especial.

Neste ano, porém, as fronteiras da Ucrânia foram fechadas em 29 de agosto, a pedido do centro de controle de coronavírus do próprio governo israelense, que teme que as viagens agravem a crise de Covid-19, criando um impasse que ganhou contornos religiosos e políticos.

judeus ultraortodoxos aguardam em frente a guardas ucranianos
Na zona entre as fronteiras da Belarus e da Ucrânia, fechadas por causa do coronavírus, judeus ultraortodoxos aguardam que os deixem fazer peregrinação até túmulo de rabino - Tut.by/AFP

A Belarus permitiu que eles saíssem, a Ucrânia não os deixa entrar, e os hassídicos afirmam que não vão a lugar nenhum enquanto não puderem percorrer os cerca de 200 km que os separam de seu destino, em Uman.

Em maior número que as poucas cabanas de camping disponíveis, os peregrinos dormem ao abrigo de seus tradicionais casacos e chapéus pretos, numa época em que a temperatura pode cair a 10 ºC durante a noite.

"Principalmente oramos e oramos para entrar”, disse à JTA (agência noticiosa judaica) o israelense Avremi Vitman. Enquanto isso, guardas de capacetes e coletes à prova de balas se enfileram à frente da barricada que os impede de cruzer a fronteira.

Os peregrinos acendem fogueiras e empilham malas e pacotes para bloquear o vento, mostram vídeos do governo ucraniano. Entre as barreiras, meninos brincam de pega-pega. Segundo os religiosos, outras 4.000 pessoas deveriam chegar da capital bielorrussa, Minsk, e de Pinsk.

Em Gomel, a cerca de 30 km na zona neutra de fronteira, a Cruz Vermelha montou uma tenda para abrigar crianças e velhos do vento noturno gelado e distribui chá e cobertores.

Os judeus hassídicos dizem que estão dispostos a fazer testes de coronavírus e respeitar o distanciamento social e reclamam de discriminação religiosa. “Não somos diferentes de nenhum outro turista, mas estamos sendo tratados de maneira muito diferente”, disse Vitman.

Cerca de 1.500 peregrinos estrangeiros conseguiram chegar a Uman antes do fechamento da fronteira. Outros 300 judeus, a maioria israelense, moram na cidade, de 82 mil habitantes.

Segundo a agência de notícias AFP, uma operação foi montada na cidade para cumprir medidas de controle do coronavírus.

Os peregrinos se aproximam da tumba um por um para beijá-la, e fiéis em coletes amarelos a desinfetam imediatamente depois. Há medições de temperatura e avisos pedindo que os religiosos usem máscaras.

Em redes sociais, ativistas hassídicos criticaram o governo israelense de omissão e acusaram políticos não ortodoxos de apoiarem o pedido de fechamento de fronteiras.

Ucrânia e Israel rebatem dizendo que avisaram que a ida a Uman seria impossível neste ano.

“Quem decidiu viajar mesmo sabendo que a fronteira está fechada pode assumir a responsabilidade pela situação em que colocou seus filhos e outras pessoas”, declarou um deputado israelense de origem marroquina, Yakov Margi.

A Belarus aqueceu a polêmica, ao classificar de “absolutamente desumana” a decisão de barrar os peregrinos. O Ministério das Relações Exteriores da ditadura afirmou em comunicado que a Ucrânia deveria “respeitar os direitos humanos fundamentais” e “as normas democráticas universalmente reconhecidas”.

O ditador bielorrusso, Aleksandr Lukachenko, pediu ao governo ucraniano que organize um “corredor verde” para os hassídicos e se ofereceu para levá-los até Ulman e trazê-los de volta.

A Ucrânia acusou Belarus de “exacerbar as tensões” e encorajar mais peregrinos a irem para a fronteira.

“Pedimos às autoridades bielorrussas que parem de dar declarações falsas que passam a impressão de que a fronteira da Ucrânia pode ser aberta para estrangeiros”, declarou o governo ucraniano.

Os países estão em conflito desde a contestada eleição presidencial bielorrussa, em 9 de agosto. Kiev chamou de volta temporariamente seu embaixador e disse que o pleito foi "duvidosamente" organizado.

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