Descrição de chapéu Eleições EUA 2020

Discurso de Trump da lei e da ordem surte pouco efeito em subúrbios da Carolina do Norte

Narrativa martelada por presidente não impulsiona republicano no estado mais volátil da eleição dos EUA

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Raleigh (Carolina do Norte)

Emma Roy sabe que está na mira de Donald Trump. A aposentada de 71 anos vive em um dos subúrbios da Carolina do Norte, considerado um dos estados mais voláteis da disputa à Casa Branca e importante campo de batalha entre o presidente americano e seu adversário, Joe Biden.

Eleitora moderada, diz que poderia votar em republicanos, mas não concorda com a condução de Trump diante da pandemia e se incomoda com a retórica agressiva do presidente. Sobre Emma, a ideia de que os subúrbios serão tomados pela violência, caso Biden seja eleito, não tem efeito.

"Trump só está tentando unir sua base, fazendo as pessoas terem medo ao pensar que, se ele não for reeleito, ninguém estará protegido. Mas não acho que isso seja verdade", afirmou, enquanto se preparava para fazer compras em uma loja de departamento, na sexta-feira (18). "Se me sinto segura? Claro que sim."

O presidente dos EUA, Donald Trump, durante evento de campanha em Fayetteville, na Carolina do Norte
O presidente dos EUA, Donald Trump, durante evento de campanha em Fayetteville, na Carolina do Norte - Tom Brenner - 19.set.20/Reuters

A região em torno de Fayetteville, onde Emma vive, interessa à retórica do medo vociferada por Trump. Em 2016, o presidente venceu Hillary Clinton na Carolina do Norte por pouco mais de três pontos percentuais, e boa parte de seus votos saiu de áreas ao redor da cidade, além de condados a leste e a oeste do estado.

Nos últimos anos, suas áreas urbanas têm ficado mais progressistas, e as rurais, mais conservadoras, delegando aos subúrbios a chave da eleição no estado —numa alegoria perfeita do que acontece em grande parte do país.

Trump sabe que não vai ganhar o apoio de eleitores jovens e negros das regiões mais centrais e urbanas, como as que ficam perto da 
capital Raleigh, a aposta dos democratas para virar o estado neste ano.

Com a narrativa, o republicano tenta assustar moderados, principalmente mulheres brancas e mais velhas que, como Emma, podem variar o voto entre os partidos. A estratégia, no entanto, não tem tido êxito nem mesmo entre algumas das eleitoras que escolheram Trump em 2016 e prometem repetir o voto agora.

A enfermeira Brigid, 44, por exemplo, que não quis dar o sobrenome, defende o presidente, mas por outros motivos. Disse que ele faz o que pode diante da pandemia que já matou mais de 200 mil nos EUA e que democratas e 
republicanos deveriam se unir para tirar o país da crise.

Aos 44 anos, Brigid destaca que o fato de Trump não ter trajetória política e ser "um homem de negócios" é a principal influência de seu voto no republicano, mas não dá importância ao discurso da lei e da ordem. "É só conversa. Ignoro isso. O mundo não vai queimar se qualquer um dos dois, Trump ou Biden, for eleito."

Pesquisa da Reuters/Ipsos divulgada no meio de setembro reflete a ineficácia da retórica do medo nos subúrbios dos EUA. Segundo o levantamento, somente 11% dos moradores brancos dessas regiões dizem que a agitação civil e uma condução firme contra o crime são fatores fundamentais para a escolha do candidato —o número chegava a 15% no início do mês.

A preocupação sobre como o novo presidente vai lidar com a pandemia, por sua vez, lidera a influência de voto dos que vivem nos subúrbios, com 27%, seguida por 25% que querem alguém que restaure a confiança do governo americano e 19% que esperam força na condução da economia.

A ideia de que os democratas são anarquistas que vão abolir os subúrbios —região em volta das grandes cidades— é repetida por Trump como ataque à oposição desde maio, no início dos protestos antirracismo e contra a violência policial, apoiados por Biden, que condenou atos de violência nas manifestações.

Na convenção do Partido Republicano, no mês passado, a mensagem foi cristalizada com uma fala forte do presidente, que chamou o adversário de "destruidor da grandeza americana" e deu voz a Mark e Patricia McCloskey, casal que saiu armado de casa e ameaçou manifestantes antirracismo no Missouri.

"Não cometa erros. Onde quer que você viva, sua família não estará segura sob o governo de esquerda radical democrata", disse Patricia na noite de abertura do evento.

Wynton Mann, um homem negro de 50 anos que vive a cerca de 20 km da capital da Carolina do Norte, não concorda com essa percepção e soma-se àqueles que não têm medo do futuro da vizinhança.

Recentemente, Mann reabriu o pequeno café que administra em um centro comercial em Cary, subúrbio de Raleigh, e retomou as aulas de culinárias que ministra, seguindo regras de distanciamento social.

Com doutorado em educação e admirador do republicano John McCain, que perdeu a disputa à Casa Branca para Barack Obama em 2008, ele diz não se animar muito com Biden, mas votaria “em qualquer um menos Trump”. “Escolhi Biden porque Trump não mostra nenhuma liderança. É um presidente que diz que ama os EUA, mas, na verdade, odeia os americanos. Dessa vez é uma escolha fácil para mim.”

Mann afirma que só não votou em McCain em 2008 porque o republicano escolheu uma super conservadora, a ex-governadora do Alasca Sarah Palin, como vice, "e estragou tudo".

Wynton Mann, 50, dono de um café em centro comercial de Cary, subúrbio de Raleigh, na Carolina do Norte
Wynton Mann, 50, dono de um café em centro comercial de Cary, subúrbio de Raleigh, na Carolina do Norte - Marina Dias/Folhapress

Agora, acrescenta, não há espaço para dúvidas, e eleitores negros e jovens não podem cometer o mesmo erro de 2016, quando não se mobilizaram por Hillary —o voto nos EUA não é obrigatório. "Não importa o que aconteça, mesmo se não gosta do Biden, você precisa votar nele, é o jeito de tirar Trump."

Segundo o site Five Thirty Eight, que compila as principais pesquisas americanas, o democrata está sete pontos à frente do presidente na média nacional, 50,4% a 43,2%, mas essa vantagem cai para menos de dois pontos na Carolina do Norte —47,5% a 46,3%.

Mann é o tipo de eleitor no qual a campanha de Biden investe para virar o estado a partir de Raleigh e seu entorno mais urbano, diverso e com mais pessoas com nível superior, devido às universidades da região. Uma delas é a Wesleyan College, no condado de Nash, onde Trump venceu por apenas 0,2% em 2016, a menor diferença na Carolina do Norte.

Jovem, negro e aluno da universidade, Kendall Harris, 19, vai votar pela primeira vez em novembro. Ele admite que não conhece muito bem as propostas de Biden nem a história de sua vice, a senadora negra Kamala Harris. Mas o sentimento anti-Trump o motiva. “Vou 
de Biden, porque não quero que Trump continue presidente. E é isso. Não gosto 
da maneira que ele governa 
e como trata os protestos.”

Já Key Strickland, 18, também aluna da Wesleyan, registrou-se para estrear nas urnas, mas está indecisa. “Acho que Trump fez um bom trabalho ao fechar o país para a entrada de [pessoas de] outros países, e isso segurou um pouco a transmissão do coronavírus. Sobre Biden, não sei muita coisa, mas ele tem boas propostas para a saúde, o que é importante com a pandemia. Vou pesquisar mais antes de decidir.”

A Carolina do Norte tem 15 dos 270 votos que um candidato precisa para vencer a disputa no Colégio Eleitoral —sistema de voto indireto que escolhe o presidente dos EUA.

Em uma eleição disputada, qualquer mudança em regiões específicas pode ser suficiente para desequilibrar a corrida, mas é preciso saber quem conseguirá mobilizar mais gente às urnas diante das mudanças demográficas que têm redefinido a política americana.​

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