A Constituição dos EUA, tida como modelo democrático, tem sérias deficiências, ao menos sobre a forma de escolher o presidente do país.
Por exemplo: se nenhum candidato obtém a maioria dos votos dos delegados ao Colégio Eleitoral, quem decide o vencedor é a Câmara dos Representantes. Mas não pelo sistema “uma pessoa-um voto”. Cada estado tem um voto, decidido pela bancada estadual dos deputados.
Assim, a Califórnia, com 40 milhões de habitantes, tem um voto, e Wyoming, com população de 590 mil, também. Se houver empate no Colégio Eleitoral neste ano, quem escolherá o presidente será a Câmara, a ser inteiramente renovada no dia 3.
Pela composição atual, Trump seria reeleito, embora os democratas de Joe Biden tenham 232 dos 435 assentos da Casa, e os republicanos, 197.
Isso porque os republicanos têm a maioria dos integrantes de 26 das 50 bancadas estaduais.
Pode ocorrer que na eleição desta terça os democratas continuem com mais cadeiras, mas os republicanos mantenham a maioria das bancadas e, em caso de empate, consigam reeleger Donald Trump.
O vice-presidente, numa situação dessas, será escolhido pelo Senado, e, ali sim, cada senador terá um voto. Atualmente, o Partido Republicano tem a maioria, mas, segundo o site especializado FiveThirtyEight, que faz a média das principais pesquisas de intenção de voto do país, os democratas têm chance maior de conquistar o controle da Casa neste ano.
Se essas hipóteses ocorrerem, poderia haver uma composição bizarra com Trump presidente, e Kamala Harris, vice.
A chance de a Câmara resolver o pleito de 2020 é muito pequena. Teria de haver um empate na composição do Colégio Eleitoral, o que só ocorreu uma vez. Foi em 1800, quando Thomas Jefferson e Aaron Burr, do mesmo partido, tiveram o mesmo número de votos dos delegados do Colégio: 73.
O mais curioso é que o adversário de Jefferson era John Adams, que teve 65 votos. Na eleição popular, que só foi realizada em seis dos 16 estados da época, Jefferson ganhou 61% dos votos, e Adams, 38%.
A Constituição determinava que os delegados ao Colégio deveriam votar em dois nomes para presidente. O mais votado seria o presidente, o segundo, o vice.
O Partido Democrata-Republicano, de Jefferson e Burr, recomendou aos seus delegados que votassem nos dois, mas alguns poucos deveriam votar em John Jay ou Charles Pinckney, da mesma legenda, o que resultaria em Jefferson presidente e Burr vice.
Por erro ou desígnio (o episódio foi objeto de poucos estudos históricos), alguns delegados não fizeram o combinado, e Jefferson e Burr acabaram empatados.
Os integrantes do Partido Federalista, de John Adams, que era o presidente e concorria à reeleição, preferiam Burr. Jefferson era o grande inimigo de Adams.
Os federalistas tinham a maioria de oito bancadas estaduais na Câmara e também o único deputado do estado da Geórgia, que, no entanto, era aliado de Jefferson. A bancada de Vermont era dividida ao meio e se absteve.
Durante uma semana, em fevereiro de 1801, foram realizadas 35 votações que terminaram empatadas. Só na 36ª, graças à interferência de Alexander Hamilton, importante líder dos federalistas, é que Jefferson foi eleito, com dez votos.
Em 1804 foi aprovada a 12ª Emenda constitucional, que determinou que os delegados votassem separadamente para presidente e vice.
Em 1825, pela segunda e última vez até agora, a Câmara escolheu o presidente porque nenhum dos quatro candidatos obteve maioria. Então, John Q. Adams teve a preferência de 13 das 24 bancadas, embora seu adversário principal, Andrew Jackson, tivesse tido mais votos populares (41% contra 30%) e de delegados ao Colégio (99 a 84). Escolha nada democrática.
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