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Eleições EUA 2020

Grandes cidades, mais atingidas pelo coronavírus, são ilhas de apoio a Biden nos EUA

Eleição consolida a fratura entre centros urbanos e interior, favorecendo extremismo de Trump

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São Paulo

Uma análise do mapa eleitoral norte-americano mostra a consolidação de uma tendência de divisão do país em dois eleitorados básicos: os que vivem em grandes áreas metropolitanas e os moradores da dita América profunda.

Os primeiros, mais instruídos e que incluem um número maior de minorias, tendem a votar em democratas. Os segundos, em republicanos.

Biden e Trump em eventos no final da campanha eleitoral deste ano, na Florida e em Wisconsin, respectivamente
Biden e Trump em eventos no final da campanha eleitoral deste ano, na Flórida e em Wisconsin, respectivamente - Jim Watson - 29.out.2020 e Mandel Ngan - 30.out.2020/AFP

Em 2016, Donald Trump subverteu um pouco essa lógica ao apelar às faixas intermediárias em grandes cidades empobrecidas nas ondas de desindustrialização do século 21. Venceu a democrata Hillary Clinton por míseros 10.704 votos, ou 0,23 ponto percentual em Michigan, por exemplo.

A virada registrada a partir na manhã desta quarta-feira em favor de Joe Biden no estado pode ter em seu favor um fator único neste 2020: a pandemia do novo coronavírus.

As regiões metropolitanas, de forma geral, foram muito mais afetadas pela Covid-19 do que as áreas rurais. Um estudo do economista Jed Kolko, feito em abril para a revista The Atlantic, mostrou isso exatamente em Michigan.

Ainda no começo da pandemia, cidades grandes da região tinham uma incidência de 4.780 casos da doença por milhão de habitantes. Cidades medianas viam o índice cair para 1.000 casos e zonas rurais e pequenos centros urbanos, para 346.

Uma olhada no mapa eleitoral de Michigan nesta manhã mostra um mar vermelho (cor dos republicanos) pontuado por ilhas azuis (cor dos democratas) justamente nessas cidades.

O problema desta leitura específica é que grandes centros de Michigan, como a capital Detroit, já haviam votado maciçamente nos democratas em 2016. Houve aumento de apoio a Biden em relação a Hillary, mas nada impressionante.

Trump ganhou lá comendo pelas bordas —é notável como o pequeno condado de Antrim inverteu sua lógica de votação (62% a 32% pró-Trump em 2016, agora 62% a 36% pró-Biden). A região, com 23 mil habitantes, não teve nenhuma morte por Covid-19 registrada ainda.

O estado está sofrendo o pico da pandemia neste início de novembro, com recordistas 6.634 infecções. Com a resposta tíbia de Trump ao problema, é possível especular sobre um espraiamento da opinião negativa sobre o presidente.

Os EUA, maior economia do mundo, são o país com pior situação no mundo na pandemia, com 9,7 milhões de casos e quase 240 mil mortos.

Apenas um cruzamento de todo o mapa epidemiológico americano com os resultados finais da votação poderá precisar a questão.

Houve também alguns precedentes de perda de tração de Trump em áreas urbanas nos últimos meses.

Em Wisconsin, por exemplo, outro estado-chave que Biden parece ter recapturado no chamado Cinturão da Ferrugem, a eleição para juiz da suprema corte local neste ano havia ungido um democrata no primeiro semestre.

Assim, o padrão de ilhas urbanas democratas entre o campo republicano, por grosseiro que seja, é visível em todo o país e aprofunda o que já havia sido registrado em 2016.

Há algumas novidades decorrentes da mudança demográfica americana. O Arizona, por exemplo, historicamente era uma região republicana que viu, nos últimos 20 anos, sua população majoritariamente branca envelhecer —hispânicos e, menor medida, negros ganharam espaço na base da pirâmide etária.

Biden capitalizou a ascensão desse estrato e venceu no estado, com votação expressiva justamente nos centros urbanos que concentram esses novos trabalhadores: Tucson e Phoenix.

A polarização extremada é um fenômeno que ganhou corpo nos EUA desde que o presidente Richard Nixon lançou o conceito de guerra cultural, nos anos 1960 e 1970, mas foi a partir do grande drama eleitoral de 2000 que ela virou uma constante na paisagem eleitoral.

Após a vitória de George W. Bush na contestada eleição daquele ano, contudo, a tensão foi suavizada e o republicano reelegeu-se com facilidade quatro anos depois —ainda surfando a liderança da chamada guerra ao terror.

O democrata Barack Obama venceu com relativa folga em 2008 e 2012, apesar de ser alvo óbvio do crescente movimento de radicalização à direita entre os republicanos. Trump, ao conseguir a indicação e a vitória em 2016, amplificou a política de divisão interna do país.

As próximas horas (ou dias) dirão se Biden, como os resultados desta manhã sugerem, conseguiu uma vitória sobre tal tática.

Mesmo que ganhe, não foi uma vitória clara. O fracasso de Biden em angariar apoios de minorias como os hispânicos na Flórida mostra que o jogo está distante de acabar, e que há permeabilidade de grupos antes considerados mais facilmente cooptáveis pelos democratas.

Do outro lado, a estratégia, no longo prazo, está dada: a fratura dos EUA manterá uma parte significativa do eleitorado vulnerável ao discurso dos extremos esposado por Trump e seus seguidores.

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