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O que há por trás da onda de protestos após impeachment do presidente do Peru

País sul-americano viveu sexto dia de manifestações neste sábado (14); houve confrontos entre manifestantes e polícia, com dois mortos

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O Peru voltou a viver um dia de protestos neste sábado (14), quando milhares de pessoas saíram às ruas de Lima e de outras cidades do país para expressar o descontentamento com o impeachment de Martín Vizcarra. Foi o sexto dia consecutivo de manifestações.

Pela primeira vez, houve mortos. Várias pessoas também ficaram feridas. O primeiro morto é um homem de cerca de 22 anos que foi ferido por arma de fogo e deu entrada no hospital Guillermo Almenara, em Lima, segundo informaram as autoridades peruanas no Twitter.

A segunda vítima é um homem de 24 anos, que apresentou ferimentos por arma de fogo no tórax na altura do coração e foi internado no hospital Grau de Lima sem sinais vitais. Protestos atraíram multidões no sábado como parte da segunda passeata nacional organizada após a destituição de Vizcarra.

A primeira aconteceu na última quinta-feira (12) e foi considerada uma das maiores dos últimos 20 anos no país sul-americano, segundo a imprensa local. As manifestações tiveram início depois que o Congresso peruano destituiu Vizcarra por "incapacidade moral permanente", em meio a acusações de corrupção contra ele, substituindo-o pelo presidente do Parlamento, Manuel Merino.

A polêmica decisão —que ocorre poucos meses antes das eleições presidenciais, marcadas para abril de 2021— gerou grande descontentamento. Conflitos violentos entre forças de segurança e manifestantes foram registrados na quinta-feira e no sábado. A polícia peruana disse na sexta-feira que 11 policiais e 16 civis ficaram feridos durante as manifestações de quinta-feira.

A Coordenação Nacional de Direitos Humanos (CNDDHH), entidade que reúne 82 organizações peruanas, denunciou que, na quinta, as forças de segurança usaram balas de borracha e gás lacrimogêneo indiscriminadamente contra manifestantes que tentaram se aproximar da sede do Congresso em Lima.

Enquanto isso, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) expressaram preocupação com a conduta da polícia.

Organizações como a CNDDHH e o Instituto de Defesa Legal (IDL) denunciam que os parlamentares que apoiaram o afastamento de Vizcarra na última segunda-feira haviam cometido um "golpe" legislativo.

No entanto, os parlamentares que votaram a favor da destituição do ex-presidente (105 de um total de 130), e o próprio Manuel Merino, defendem a constitucionalidade da medida e pedem calma à população.

Muitos dos manifestantes que saíram para protestar empunhavam placas com dizeres como "Merino Out" e "Merino não nos representa" e, embora nem todos apoiem Vizcarra, a maioria se opõe à medida que o Congresso tomou contra ele.

Manuel Merino, à direita, recebe a faixa presidencial de seu vice, Luis Alberto Valdez, durante a cerimônia de posse, em Lima
Manuel Merino, à direita, recebe a faixa presidencial de seu vice, Luis Alberto Valdez, durante a cerimônia de posse, em Lima - 10.nov.20/AFP

Hugo Velasco, um jovem que participou dos protestos, afirmou à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC, que embora "não defenda" Vizcarra e seja "a favor de investigar as acusações" contra ele, considera que "destitui-lo foi imprudente porque traz mais crise do que já existia".

No entanto, disse acreditar que o impeachment "foi resultado de um processo constitucional", mas que "o descontentamento do povo nos faz chamá-lo de golpe".

Na terça-feira, o CNDDHH divulgou um comunicado intitulado "não ao golpe". "Rejeitamos o golpe de estado e esta vacância presidencial que distorce o artigo 113 da Constituição (...) e deixa o país em uma situação de incerteza, quando enfrentamos a maior crise sanitária, econômica e social", diz o comunicado.

O IDL também emitiu uma declaração condenando "o golpe de Estado realizado pelo Congresso contra a ordem constitucional". Carlos Rivera, advogado do IDL, explicou à BBC News Mundo que se questiona "por que o Congresso interpreta arbitrariamente o conteúdo da causa da 'incapacidade moral'" para a qual Vizcarra foi destituído e que aprovou o impeachment "apesar de existir um processo pendente no Tribunal Constitucional (equivalente ao Supremo Tribunal Federal no Brasil)".

O artigo 113 da Constituição peruana —promulgada em 1993— estabelece o impeachment de um presidente por "incapacidade moral ou física permanente (do presidente), declarada pelo Congresso".

Mas, de acordo com Rivera e outros especialistas, o significado de "incapacidade moral" não está claro na lei. Justamente por causa dessa falta de clareza, após uma primeira tentativa de impeachment em setembro, o governo de Vizcarra entrou com uma ação jurisdicional no TC para esclarecer o significado de "incapacidade moral". O TC convocou uma audiência pública para o próximo dia 18 de novembro para ouvir os argumentos das partes envolvidas.

'Transparente e constitucional'

Enquanto isso, o Congresso divulgou um comunicado na terça (10) em que assegurou que "a luta contra a corrupção, no âmbito do que a Constituição determina, é o que levou ao impeachment de Martín Vizcarra".

O próprio Merino disse na quinta-feira em entrevista a jornalistas que "um personagem que não resiste a qualquer confiança não pode continuar a exercer o poder" e que "foram expostas graves irregularidades e queixas" contra Vizcarra, que nega todas as acusações contra ele.

Merino acrescentou que a sucessão foi realizada "da forma mais transparente e constitucional".

"O que o Peru fez é um ato de absoluta responsabilidade, sem compromissos políticos, que foi realizado com nove bancadas de diferentes cargos políticos (...) Acredito que a decisão do Parlamento deve ser respeitada", acrescentou. No entanto, de acordo com a sondagem da Ipsos-El Comercio no fim de outubro, 78% da população acreditava que Vizcarra deveria continuar no cargo.

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