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Se Trump vencer, há o risco de uma deriva autoritária

Caso republicano se reeleja nos EUA, o perigo de um futuro de fantasias autoritárias pode se tornar realidade

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Federico Finchelstein

Professor de história na New School, em Nova York, e doutor pela Universidade Cornell. É autor de obras sobre fascismo, populismo, ditaduras e o Holocausto

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Em um contexto de crise mundial, Jorge Luis Borges se perguntava, em 1939, quais seriam os efeitos de uma vitória de Hitler. Sua resposta não deixava qualquer dúvida sobre as dimensões do mal que se avizinhava.]

“É possível que uma derrota alemã seja a ruína da Alemanha”, argumentou o grande escritor, mas acrescentou que “é indiscutível que sua vitória seria a ruína e o envilecimento do planeta”.

Borges, que naquele período se apresentava como um intelectual argentino e latino-americano comprometido com o antifascismo e com o mundo em que vivia, não temeu embarcar em um exercício de previsão sobre os efeitos de uma vitória de Hitler.

Guardadas as distâncias necessárias, nesta época de racismo, autoritarismo e crise planetária é necessário perguntar o que acontecerá com a democracia dos Estados Unidos no futuro próximo, e que efeitos isso terá sobre o planeta.

Apesar das pesquisas negativas, dos fracassos e das mentiras constantes, continua a ser possível imaginar que Donald Trump vença a eleição presidencial dos Estados Unidos.

O presidente Donald Trump, que tenta a reeleição nos EUA, conversa com simpatizantes em Arlington (Virgínia) no dia do pleito
O presidente Donald Trump, que tenta a reeleição nos EUA, conversa com simpatizantes em Arlington (Virgínia) no dia do pleito - Tom Brenner - 3.nov.2020/Reuters

E se bem seja evidente que os efeitos não serão os mesmos que Borges imaginava para Hitler (a ruína de seu país e o triunfo absoluto do ódio e da intolerância), uma vitória de Trump legitimaria um aumento de seu autoritarismo e de sua xenofobia.

Em lugar de fazer um exercício de história contrafactual, ao estilo do excelente esforço de Philip Roth no romance “Complô Contra a América”, transformado em uma série também muito boa pela HBO, sobre os efeitos totalitários do triunfo de forças pró-fascistas em Washington –um exercício que a nós, historiadores profissionais, é proibido–, é necessário considerar as continuidades e as rupturas entre o passado, o presente e o futuro.

Em termos de continuidade, claro, um triunfo do presidente republicano animará e continuará a justificar seus aliados internacionais, como Narendra Modi, na Índia, Jair Messias Bolsonaro, no Brasil, e Viktor Orban, na Hungria.

O governo dos Estados Unidos continuará a felicitar seus líderes e a consolidar seus ataques aos meios de imprensa independentes, às minorias e ao sistema democrático constitucional em seu todo.

Da mesma forma, o trumpismo, que aumentou a repressão, a desinformação, a verticalização e o racismo, em tempos eleitorais continuará a ser um modelo a seguir para os populistas de extrema direita que desejem chegar ao poder em países como Itália, Colômbia, Bolívia ou Espanha.

Também persistirá a negação do papel da ciência na gestão da enfermidade, o que sem dúvida continuará a elevar o total de mortes causadas pelo coronavírus. E, por fim, continuarão os escândalos e a corrupção, que se veriam referendados pelo voto.

Em termos de rupturas, muitos analistas e especialistas em ditaduras e populismo, entre os quais me incluo, cogitam a possibilidade, ainda que remota, de um veto fujimorista no Peru (autogolpe), ação de Maduro na Venezuela (com a eliminação progressiva dos últimos vestígios de democracia), ou um perigo fascista diferente mas aparentado aos do passado.

Ou seja, a destruição da democracia por dentro e a instauração de formas autocráticas com traços ditatoriais, no sentido de atacar e fechar instituições, dissolvendo os “checks and balances” (contrapesos e salvaguardas) da democracia.

Isso resultaria na eliminação dessa grande fonte de democracia que é a esfera pública americana, com suas discussões, suas publicações, sua mídia independente e seu jornalismo de investigação, e suas universidades, livros e aceitação e promoção da diferença.

Isso tudo seria eliminado pelo fascismo, pela intolerância, e pela mistura muito americana de fanatismo religioso e idealização dos milionários e do consumo em si. Em termos concretos, foi essa ideia dos Estados Unidos que conduziu Trump à Casa Branca.

A hipótese de ficção de Roth sobre uma degradação quase absoluta da democracia e da cultura democrática dos Estados Unidos não pode ser descartada de antemão, tampouco.

Borges escreveria em seguida sobre a desolação de um futuro no qual Hitler e o legado de suas câmaras de gás seriam parte da vida cotidiana.

Tanto Borges quanto Roth adotaram uma perspectiva antifascista para chamar a atenção sobre os perigos de futuros totalitários e de histórias contrafactuais, e também quanto a isso vemos semelhanças em nosso presente.

Enfrentando Trump temos Joe Biden e Kamala Harris, e com eles uma coalizão de esquerda, centro e direita (que inclui muitos republicanos). Essa coalizão tenta defender a democracia contra seus inimigos.

Biden mesmo afirma que decidiu ser candidato tão logo Trump afirmou que havia “boas pessoas” entre os neonazistas na infame marcha de Charlottesville, Virgínia, em 2017.

Em termos concretos, a atual eleição americana e seus efeitos mundiais não estão tão distanciados do mundo da ficção com que escritores como Roth e Borges nos presentearam a fim de nos sobressaltar um pouco, mas também para nos fazer pensar sobre os futuros que a intolerância e a inação, bem como a apatia, própria e alheia, podem nos apresentar.

Do lado de Trump há o perigo de um futuro de fantasias autoritárias que pode se tornar realidade; do outro, a promessa de uma recuperação e de uma reafirmação da democracia.

www.latinoamerica21.com, um projeto plural que difunde diferentes visões sobre a América Latina.

Tradução de Paulo Migliacci

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