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O trumpismo foi uma anomalia?

Os historiadores do futuro terão muito a dizer sobre como o trumpismo foi rejeitado no final de 2020

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Federico Finchelstein

Professor de história na New School, em Nova York, e doutor pela Universidade Cornell. É autor de obras sobre fascismo, populismo, ditaduras e o Holocausto

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Os desafios enfrentados pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, são imensos e, em muitos aspectos, sem precedentes.

Os historiadores do futuro terão muito a dizer sobre como o trumpismo, uma forma extrema de populismo de direita, aproximou o populismo do fascismo e da ditadura, mas também como e por que ele foi rejeitado no final de 2020.

Biden foi votado por um número recorde de estadunidenses, mais de 81 milhões de cidadãos, unidos por sua rejeição ao trumpismo.

Para citar o escritor Jorge Luis Borges, eles não estavam unidos pelo amor, mas pelo medo. A questão atual que se aplica ao presente dos Estados Unidos e ao futuro de países como o Brasil ou a Hungria é: será que a política só pode ser feita com medo do passado imperfeito?

Por um lado, Biden está enfrentando uma crise econômica e de saúde sem precedentes. Por outro lado, o presidente eleito tem que resolver uma crise política que, de certa forma, já foi vista no passado.

Como reconstruir a democracia e gerar apoio em uma frente eleitoral popular que o elegeu por não ter sido Trump?

O presidente dos EUA, Donald Trump, que perdeu a eleição deste ano para Joe Biden, caminha na Casa Branca
O presidente dos EUA, Donald Trump, que perdeu a eleição deste ano para Joe Biden, caminha na Casa Branca - Andrew Caballero-Reynolds - 12.dez.2020/AFP

Para Biden, ser honesto, não ser racista e discriminatório ou simplesmente evitar o escândalo permanente, a mentira constante e a manipulação total do cenário da mídia eletrônica (Twitter em particular) e a demonização da mídia não será suficiente.

Biden precisa expandir a democracia, melhorar as condições de vida, saúde e educação, para representar seus eleitores e não voltar à inércia do passado.

Em muitos casos, o antitrumpista advertiu sobre o perigo ditatorial e o risco do fascismo representado pelo trumpismo, mas muitas vezes a crítica propôs um mito alternativo, uma versão idealizada do excepcionalismo histórico, a ideia de uma normalidade antes do Trump que nunca foi tão normal.

Mas um cordão sanitário, como demonstrado, por exemplo, pelo caso da França com as candidaturas de Le Pen, não é suficiente para manter o apoio a longo prazo.

A era pré-Trump também teve elitismo, um papel predominante para a tecnocracia, a repressão policial de Bill Clinton e a desregulamentação de Wall Street e dos bancos, ou a falta de ação ou mesmo a adoção de medidas às vezes regressivas tomadas pelo governo Barack Obama com respeito aos imigrantes, o descontrole com armas, a continuação da repressão policial e as taxas pantagruelescas de encarceramento de minorias, o confinamento da educação pública e tantos outros problemas que alienaram muitos cidadãos do Partido Democrata.

Se você pensar no trumpismo como um mero parêntesis, a nova administração Biden verá um declínio no grande apoio que obteve. Se ele não apoiar o trabalho da Justiça na investigação das possíveis ações criminais do líder que está saindo, a mesma coisa pode acontecer.

O mesmo se aplica a sua futura política externa e sua relação com os líderes democráticos e autoritários.

Uma aproximação com a Comunidade Europeia é previsível, mas o que acontecerá com os cúmplices de Trump a nível global? Qual será sua política em relação ao trumpismo tropical de Jair Bolsonaro no Brasil? Quais serão suas ações em relação à ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela ou no reino da Arábia Saudita?

Não fazer nada não é uma opção viável. Mas há sempre a possibilidade de que Trump não desapareça de cena, lembrando a maioria dos cidadãos das falhas de seu governo.

Apoiadores do presidente Donald Trump protestam em Miami contra o resultado da eleição presidencial deste ano
Apoiadores do presidente Donald Trump protestam em Miami contra o resultado da eleição presidencial deste ano - Marco Bello - 5.dez.2020/Reuters

Apenas um presidente norte-americano, Grover Cleveland, perdeu sua reeleição (em 1888) e retornou à asa Branca após quatro anos. Ele derrotou o presidente Harrison, que o havia derrotado. Mas, ao contrário de Trump, Cleveland ganhou a maioria do voto popular em suas três eleições presidenciais, enquanto Trump foi sempre um presidente rejeitado pela maioria.

Em qualquer caso, Trump pode dar a Biden alguns meses, um respiro, para não começar a fazer o que é necessário.

O próprio fato de que, neste momento, Trump, e em menor grau o Partido Republicano, está negando resultados democráticos deveria ser um aviso contra a urgência de declarar os últimos quatro anos um parêntesis em uma democracia que, de outra forma, seria saudável. A democracia americana deve ser melhorada e ampliada em termos sociais, econômicos e políticos.

Após o fim das ditaduras latino-americanas da Guerra Fria, como havia acontecido na Europa após o fim dos regimes fascistas em 1945, essas posições apresentadas por muitos, inclusive por intelectuais de alto nível, provaram ser mal orientadas e ingênuas, pois várias formas de autoritarismo e xenofobia continuaram a surgir em ambos os lados do Atlântico.

Pensar no fascismo ou no autoritarismo populista como uma aberração, e não como expressões de fortes tendências locais e globais, pode apresentar uma forte barreira ao trabalho de reconstrução democrática necessário para desarraigá-los.

A história estadunidense, como qualquer outra história, apresenta padrões de continuidade e mudança nacional e global. Recordar nossas histórias de democracia e daqueles que procuram minimizá-la ou destruí-la é uma tarefa fundamental na defesa da democracia e na mudança de nós mesmos.

www.latinoamerica21.com, uma mídia pluralista comprometida com a disseminação de informações críticas e verdadeiras sobre a América Latina.

Tradução de Maria Isabel Santos Lima

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