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Militares bloqueiam Facebook em Mianmar em meio ao crescimento da oposição ao golpe

Redes sociais têm sido o canal de organização dos opositores no país com histórico de reações violentas a protestos

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Rangoon (Mianmar) | AFP e Reuters

As principais empresas de telecomunicações de Mianmar começaram a bloquear o acesso ao Facebook no país nesta quinta-feira (4) obedecendo ordens dos militares que tomaram o poder após o golpe de Estado contra o governo civil aplicado na segunda (1º).

De acordo com uma carta do Ministério das Comunicações e Informação tornada pública, a plataforma, assim como Messenger, Instagram e WhatsApp, deve permanecer bloqueada até pelo menos o próximo domingo (7) por uma questão de "estabilidade".

"Atualmente, as pessoas que estão perturbando a estabilidade do país estão espalhando notícias falsas e desinformação e causando mal-entendidos entre as pessoas usando o Facebook", argumentou a pasta, uma das 24 cujos ministros foram exonerados e substituídos por militares.

Policiais em formação se preparam para protestos contra militares em Rangoon, em Mianmar - 4.fev.21/Reuters

Ao menos duas empresas, a estatal MPT e a norueguesa Telenor Asa, confirmaram a interrupção do acesso às redes sociais determinada pelo regime. Os militares também anunciaram que vão bloquear serviços de VPN, provedores de internet privados que podem ajudar a driblar as proibições.

A Telenor expressou "grande preocupação" com a ordem dos militares que, segundo a empresa, foi enviada a todas as operadoras de telefonia móvel e provedores de serviços de internet nesta quarta-feira (3).

Clientes da Telenor que tentarem acessar os sites e aplicativos bloqueados serão direcionados a uma página que afirma que a proibição é decorrente de uma determinação das autoridades.

"Embora a diretiva tenha base legal na lei de Mianmar, a Telenor não acredita que o pedido seja baseado na necessidade e na proporcionalidade, de acordo com a lei internacional de direitos humanos", informou a empresa.

Andy Stone, porta-voz do Facebook, pediu que as autoridades do país "restaurem a conectividade para que as pessoas em Mianmar possam se comunicar com suas famílias e amigos e acessar informações importantes".

A empresa de Mark Zuckerberg disse que está tratando a situação em Mianmar como uma emergência e adotando medidas temporárias para se proteger contra danos, como a remoção de conteúdo que elogia ou apoia o golpe militar.

As redes sociais, nas quais vêm crescendo o engajamento nas campanhas de desobediência civil, têm sido o principal canal de oposição ao golpe no país que possui um histórico de reações violentas a protestos de rua.

Em 1988, milhares de manifestantes desarmados foram mortos pelas Forças Armadas durante a repressão a grupos que pediam o fim do regime militar —o país viveu sob ditadura de 1962 a 2011.

Nesta quinta, contudo, as duas maiores cidades do país foram palcos de pequenas manifestações contra os militares. Em Rangoon, um grupo com pouco mais de dez pessoas protestou e se dispersou rapidamente.

Em Mandalay, cerca de 20 pessoas utilizaram cartazes para pedir a libertação dos líderes civis. O ato foi transmitido pelo Facebook que, em algumas regiões, ainda pode ser acessado. De acordo com grupos de ativistas, três pessoas foram presas durante os protestos, e o número total de detidos desde a tomada de poder é de ao menos 147.

Antes desta quinta, os protestos haviam se limitado a panelaços e buzinaços. "Estamos acostumados a fazer o máximo de barulho possível para expulsar os espíritos malignos de casas e vilas. Aqui os demônios são os militares", disse à agência de notícias AFP Thinzar Shunlei Yi, que criou um grupo de desobediência civil após o golpe.

A participação mais significativa do movimento de resistência está concentrada na classe de profissionais da saúde. Médicos, enfermeiros e outros funcionários de mais de 70 hospitais públicos e departamentos médicos de 30 cidades pararam de trabalhar. ​

Em resposta, o Exército anunciou nesta quinta-feira que as pessoas poderiam receber tratamento em hospitais militares, embora os grevistas não tenham se recusado a atender casos de emergência.

Muitos dos que continuam em atividade têm usado fitas vermelhas nos uniformes para marcar a oposição ao regime militar usando a cor da Liga Nacional pela Democracia (LND), partido que obteve vitória esmagadora contra a legenda apoiada pelos militares na eleição de novembro.

Entre as lideranças civis detidas pelos militares estão a conselheira de Estado e ganhadora do Nobel da Paz, Aung San Suu Kyi, e o presidente Win Myint. As acusações contra ambos foram formalizadas nesta quarta-feira (3).

Suu Kyi, que já passou 15 anos em prisão domiciliar entre 1989 e 2010, pode ser condenada a mais três anos de pena por importação ilegal e uso sem autorização de seis walkie-talkies —uma acusação considerada obscura pela comunidade internacional.

Myint, por sua vez, foi indiciado por crimes contra a lei de gestão de desastres devido a uma suposta violação dos protocolos de combate à propagação do coronavírus. Com 53 milhões de habitantes, Mianmar registrou pouco mais de 140 mil casos e 3.160 mortes por Covid-19, de acordo com dados compilados pela Universidade Johns Hopkins.

A LND, partido da conselheira e do presidente, obteve 83% dos votos e conquistou 396 dos 476 assentos no Parlamento de Mianmar. Os militares, entretanto, alegam que houve fraudes no pleito e que, por isso, assumiram o controle do país. O regime diz que o poder será transferido após a "realização de eleições livres e justas".

O chefe das Forças Armadas, general Min Aung Hlaing, que agora lidera o país, disse a um grupo de empresários que, para coordenar o novo pleito, poderia se manter no poder por seis meses após do fim do estado de emergência de um ano.

"O Exército teve que assumir o comando por várias razões, mas não irá além do caminho democrático", disse ele ao jornal People Media, alinhado aos militares.

Também nesta quarta, cerca de dez parlamentares eleitos em 8 de novembro fizeram uma sessão simbólica nos alojamentos em que estão abrigados desde a tomada de poder, concretizada no mesmo dia em que ocorreria a primeira reunião da nova legislatura.

O golpe recebeu duras críticas da comunidade internacional. Líderes políticos de diversas nacionalidades pediram o restabelecimento do governo democraticamente eleito e a libertação de todos os presos civis.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, prometeu uma mobilização para fazer pressão internacional e “garantir que esse golpe fracasse”.

“Vamos fazer tudo o que podemos para mobilizar todos os atores-chaves e a comunidade internacional para colocar pressão suficiente sobre Mianmar para garantir que esse golpe fracasse”, afirmou Guterres durante uma entrevista transmitida pelo jornal The Washington Post.

Nesta quinta, o Conselho de Segurança da ONU pediu pela libertação dos detidos. Em um comunicado assinado pelos 15 países que integram a cúpula, eles “enfatizaram a necessidade de defender as instituições e processos democráticos, abster-se da violência e respeitar plenamente os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

São membros permanentes da cúpula EUA, Rússia, França, Reino Unido e China. O teor do texto foi mais suave do que o rascunho original feito pelo Reino Unido e não fez menção a um golpe —aparentemente para ganhar o apoio da China e da Rússia, que tradicionalmente protegem Mianmar, de uma ação significativa do conselho.

A China também tem grandes interesses econômicos em Mianmar e laços com os militares.

O presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou nesta quinta, em seu primeiro grande discurso sobre política externa, que os militares deveriam abrir mão do poder. "Não pode haver dúvida, em uma democracia, a força nunca deve buscar se sobrepor à vontade do povo ou tentar apagar o resultado de uma eleição crível", disse o democrata.

"Os militares mianmarenses devem renunciar ao poder que tomaram e libertar defensores, ativistas e autoridades detidos, retirar as restrições em telecomunicações e evitar a violência."

O governo americano determinou na terça (2) que considera a tomada de poder em Mianmar um golpe de Estado, o que, na prática, implica em restrições à assistência que os EUA oferecem ao país.

O Ministério das Relações Exteriores do Brasil, por sua vez, não menciona golpe militar nem fala em presos políticos em nota divulgada sobre o tema.


Cronologia da história política de Mianmar

  • 1948: Ex-colônia britânica, Mianmar se torna um país independente
  • 1962: General Ne Win abole a Constituição de 1947 e instaura um regime militar
  • 1974: Começa a vigorar a primeira Constituição pós-independência
  • 1988: Repressão violenta a protestos contra o regime militar gera críticas internacionais
  • 1990: Liga Nacional pela Democracia (LND), de oposição ao regime, vence primeira eleição multipartidária em 30 anos e é impedida de assumir o poder
  • 1991: Aung San Suu Kyi, da LND, ganha o Nobel da Paz
  • 1997: EUA e UE impõe sanções contra Mianmar por violações de direitos humanos e desrespeito aos resultados das eleições
  • 2008: Assembleia aprova nova Constituição
  • 2011: Thein Sein, general reformado, é eleito presidente e o regime militar é dissolvido
  • 2015: LND conquista maioria nas duas Casas do Parlamento
  • 2016: Htin Kyaw é eleito o primeiro presidente civil desde o golpe de 1962 e Suu Kyi assume como Conselheira de Estado, cargo equivalente ao de primeiro-ministro
  • 2018: Kyaw renuncia e Win Myint assume a Presidência
  • 2020: Em eleições parlamentares, LND recebe 83% dos votos e derrota partido pró-militar
  • 2021: Militares alegam fraude no pleito, prendem lideranças da LND, e assumem o poder com novo golpe de Estado
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