Desavenças sobre reabertura de escolas geram conflitos internos em San Francisco

Cidade na Califórnia vive série de brigas entre membros do conselho escolar, prefeita e pais de alunos

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Thomas Fuller Kate Taylor
San Francisco | The New York Times

A pandemia trouxe frustrações dolorosas para pais, educadores e estudantes em todos os Estados Unidos. Mas é possível que nenhuma cidade americana se compare a San Francisco no grau de disputas internas, indignação pública e indecisão dos esforços para reabrir as escolas.

Em fevereiro, a prefeitura de San Francisco processou o sistema escolar da cidade, cujas escolas vêm funcionando exclusivamente a distância há um ano, e o conselho de educação, acusando-os de estarem violando leis da Califórnia por não retomarem o ensino presencial.

Pouco depois disso, dois pais enfurecidos com a decisão do conselho de educação de trocar os nomes de 44 escolas, apesar de mantê-las fechadas, lançaram uma campanha pelo afastamento de três membros do conselho. Cerca de 9.000 pessoas entraram para a lista de mala direta da campanha, e a expectativa é a de que esta comece a colher assinaturas em breve.

Fachada da Abraham Lincoln High School, uma das escolas fechadas que serão renomeadas em San Francisco, na Califórnia
Fachada da Abraham Lincoln High School, uma das escolas fechadas que serão renomeadas em San Francisco, na Califórnia - Justin Sullivan/Getty Images - 17.dez.20/AFP

Então críticos da entidade descobriram tuítes de quatro anos atrás escritos pela vice-presidente do conselho em que ela acusou asiático-americanos de se aproximarem de americanos brancos para conseguirem avançar sem confrontar o racismo. Os posts comparavam os asiático-americanos a escravos que se beneficiam por trabalhar dentro da casa do senhor de escravos. Mais de um terço dos alunos do distrito é formado por americanos de origem asiática.

O tumulto virou uma guerra declarada. Em questão de dias, legisladores estaduais, a prefeita e dois membros do próprio conselho de educação se uniram ao coro rapidamente crescente pedindo a renúncia da vice-presidente, Alison Collins. Ela está se recusando a renunciar, mas na quinta (25) o conselho votou por cinco a dois para destituí-la da vice-presidência e de seus papéis em comitês. O conselho de educação ficou amargamente dividido. Em meio ao caos, uma coisa continuou clara: o mais provável é que a maioria dos alunos de escolas públicas da cidade provavelmente não voltará às aulas presenciais neste ano letivo.

O distrito determinou prazos que vão do meio ao final de abril para que os alunos do ensino primário e alguns estudantes mais velhos que têm necessidades específicas comecem a voltar às aulas presenciais.

Mas ainda não há planos para trazer de volta a maioria dos alunos do ensino secundário. Ao mesmo tempo, todos os 10 mil professores e funcionários de escolas do distrito foram convidados a receber a vacina contra a Covid. “A prioridade número um deste conselho de educação deveria ser chamar os alunos de todas as séries de volta às escolas no menor prazo possível”, opinou Dennis Herrera, advogado da prefeitura de San Francisco. Seu pedido de um mandado judicial para forçar o distrito escolar a propor um plano para a reabertura das escolas foi rejeitado por um juiz na quinta-feira.

“Em vez disso somos sujeitos a um drama político aqui em San Francisco que está convertendo o distrito escolar em alvo de chacota em todo o país.” Críticos da política liberal à moda de San Francisco apontam há muito tempo para uma desconexão entre o discurso elevado de políticos eleitos sobre justiça social e a realidade de uma cidade onde a riqueza fabulosa convive lado a lado com a miséria e o desespero, exemplificados pelos sem-teto, dependentes de drogas e doentes mentais nas ruas da cidade.

No campo da educação, a pandemia reforçou a visão de uma cidade dividida por renda e raça. Um terço dos alunos da cidade, muitos dos quais brancos, estuda em escolas particulares —um dos índices mais altos de qualquer cidade grande nos Estados Unidos. Muitos desses alunos de escolas particulares estão tendo aulas presenciais há meses, enquanto os alunos de escolas públicas, desproporcionalmente negros, latinos e asiático-americanos, estão há um ano tendo aulas virtuais.

Dados divulgados pelo distrito escolar sugerem que o ensino à distância ampliou as disparidades raciais em matéria de aproveitamento escolar. A frequência às aulas vem caindo entre alunos afro-americanos e originários das Ilhas do Pacífico, além de entre alunos sem-teto.

Para intensificar seus problemas, o distrito escolar enfrenta um déficit orçamentário grande e, agora, com a queda no número de matrículas, corre o risco de perder ainda mais verbas. Dados do distrito indicam uma queda de cerca de 10% no número de matrículas em pré-escolas no ano letivo de 2021-22.

Já no verão americano passado [junho a setembro], estava claro que o distrito escolar não pretendia reabrir as escolas. Quando o superintendente de escolas, Vincent Matthews, propôs a utilização de recursos de doações para contratar um consultor para ajudar a traçar um plano para a reabertura das escolas, o conselho de educação votou contra, em parte porque o consultor tinha vínculos com as escolas do tipo “charter” [unidades que recebem fundos públicos mas operam de forma autônoma].

Assim, as escolas permaneceram fechadas durante todo o outono [setembro a dezembro], apesar de San Francisco apresentar um dos índices de coronavírus mais baixos do país. Mas o conselho de educação levou adiante um plano de mudar os nomes de 44 escolas cujos nomes foram vistos como tendo ligações com escravidão, genocídio ou outras injustiças.

O plano foi criticado pelo descuido no processo de pesquisa, que levou, entre outras coisas, Paul Revere [homenageado como um dos patriotas da guerra pela independência americana] a ser falsamente acusado de haver tentado colonizar o povo Penobscot. A prefeita London Breed considerou ofensiva a ênfase do conselho em mudar os nomes das escolas ao mesmo tempo em que permanecem fechadas.

No início de fevereiro, pouco após a votação final pela adoção de novos nomes para as escolas, o conselho abordou outra questão polêmica, votando por mudar de modo permanente o processo de admissões à Lowell High School, a escola pública elitista da cidade. Em vez de as admissões serem baseadas nas notas e nos resultados de alunos em provas, seria adotado um processo de sorteio.

Como ocorre com escolas secundárias seletivas de cidades como Nova York e Boston, a escola Lowell é fonte de orgulho e também desavenças em San Francisco. Seus alunos são na maioria brancos e asiático-americanos, com alunos negros e latinos subrepresentados, apesar de esforços para diversificar a escola.

No ano passado, o conselho de educação votou por mudar o processo de admissão na Lowell para sorteio por um ano. Dados divulgados nesta semana indicam que a parcela de alunos negros e latinos entre os admitidos subiu consideravelmente. Pouco após a votação para a escola Lowell, Siva Raj e Autumn Looijen, um casal que se disse indignado com a decisão do conselho de dedicar tempo ao processo de rebatizar as escolas em vez de focar a reabertura, lançaram uma campanha para afastar Alison Collins, além de Gabriela López, a presidente do conselho, e Faauuga Moliga, um terceiro membro do conselho.

Um dia depois do lançamento público da campanha, o conselho suspendeu a mudança de nomes das escolas. Em 18 de março, uma moderadora voluntária da página no Facebook do grupo que luta pela destituição dos membros, Diane Yap, que estudou no colégio Lowell, descobriu os tuítes de Collins. Na mesma noite o grupo divulgou a descoberta no Twitter.

No tópico de 4 de dezembro de 2016, Collins, que é negra, escreveu que queria “combater o racismo antinegros na comunidade asiático-americana” da escola de sua filha, onde a maioria dos alunos tinha ascendência asiática. Ela reclamou do que via como a recusa de muitos asiático-americanos em enfrentar o racismo. “Muitos asiático-americanos acham que se beneficiam da visão mentirosa de que eles seriam uma ‘minoria modelo’”, escreveu ela, aludindo ao estereótipo de que os asiático-americanos seriam pessoas que não contestam as regras e se esforçam para ser os melhores. “Eles usam o pensamento supremacista branco para serem assimilados e ‘avançar na vida’.”

Os tuítes foram ressuscitados dois dias após a chacina em spas de Atlanta, em que seis das oito vítimas foram mulheres de origem asiática, aprofundando o medo de violência contra asiáticos. Em questão de horas, surgiram pedidos pela renúncia de Collins.

Collin divulgou comunicado dizendo que suas palavras foram tiradas de contexto. “Sinto muito pela dor que minhas palavras possam ter provocado e peço desculpas sem reservas”, disse ela. Numa reunião na semana passada, Collins disse que vai continuar seu trabalho no conselho.

Com as vozes embargadas, alunos e pais asiático-americanos na reunião fizeram críticas fortes a Collins e a outros membros do conselho. “Este conselho está virando um estudo de caso de hipocrisia e ativismo superficial e performativo”, disse uma pessoa que se identificou como estudante do distrito.

Tradução de Clara Allain

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