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Após chacina na Geórgia, asiático-americanos exigem ação séria contra preconceito

Problema foi agravado após Donald Trump culpar a China pelo coronavírus

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John Eligon Thomas Fuller Jill Cowan
The New York Times

Vídeos de ataques chocantes na rua. Insultos gritados por políticos. Pichações difamatórias rabiscadas na fachada de estabelecimentos comerciais.

Ao longo do ano passado, americanos de origem asiática vêm alertando para a discriminação crescente que eles têm sofrido e testemunhado, alimentada em parte pelo discurso racista do ex-presidente Donald Trump e as alegações falsas feitas por ele e outros representantes públicos sobre o coronavírus.

Celebridades, ativistas e influencers nas redes sociais vêm implorando às pessoas que combatam o ódio contra americanos de origem asiática e vindos das ilhas do Pacífico.

Então veio a chacina de oito pessoas na Geórgia mortas a tiros, seis delas mulheres de origem asiática.

.Protesto em Washington após massacre na Geórgia pede fim do ódio contra asiáticos
Protesto em Washington após massacre na Geórgia pede fim do ódio contra asiáticos - Shuran Huang - 17.mar.21/The New York Times

Em meio a medo, tristeza e dor, a matança provocou outra emoção entre alguns asiático-americanos: indignação com a omissão de longa data do país em levar a sério a discriminação contra eles.

Alguns estudiosos e ativistas disseram que o massacre da terça-feira não chegou a surpreender, depois de autoridades públicas e a cultura popular virem há anos minimizando os perigos do viés e dos estereótipos anti-asiáticos.

Embora os americanos de origem asiática, assim como outros grupos minoritários, tenham suportado uma história longa de violência mortal, as ameaças e a discriminação das quais continuam a ser alvos muitas vezes são desprezadas, vistas como nada mais que insultos inofensivos.

Em muitos casos, diziam alguns, as pessoas relutam até mesmo a reconhecer que ataques a asiático-americanos possam ter motivação racista. Foi o que aconteceu na quarta-feira, quando um agente da lei na Geórgia parece ter rejeitado o viés racial como motivação da chacina.

Ele disse que o suspeito, Robert Aaron Long, um homem branco, teve “um dia realmente ruim”. O funcionário citou a declaração de Long de que sua motivação teria sido compulsão sexual, e não racismo.

Mesmo quando a violência anti-asiáticos é reconhecida como tal, dizem especialistas, ela às vezes é minimizada, vista como nada mais que um incidente isolado, e não como parte fundamental da história dos americanos de origem asiática.

“Existe uma tendência a não acreditar que a violência contra asiático-americanos seja real”, comentou a advogada Angela Hsu, 52, de um subúrbio de Atlanta. “É quase como se fosse preciso algo realmente brutal para fazer as pessoas acreditarem que existe discriminação contra pessoas de origem asiática.”

Ativistas dizem que sem uma compreensão maior dos perigos que os asiático-americanos enfrentam, e sem aceitar que eles sejam reais, é difícil mobilizar uma campanha nacional –envolvendo a polícia, a Justiça, a mídia e o público— para combater o racismo contra pessoas de origem asiática.

Muitos agora esperam que a tragédia na Geórgia leve a um esforço mais assertivo e palpável para combater o ódio contra suas comunidades. Angela Hsu, por exemplo, que preside a Associação de Advogados de Origem Asiática e Pacífica da Geórgia, pediu que os investigadores encarem com ceticismo a alegação de Long de que o massacre foi motivado por compulsão sexual.

Homenagens foram colocadas em frente a local de ataque em Atlanta, na Geórgia - Shannon Stapleton/Reuters

“A verdade pode ser muito mais complicada que isso”, disse ela, acrescentando que é importante identificar o papel que a questão racial pode ter desempenhado. “Trata-se de uma oportunidade de discutir a questão mais ampla, que não é debatida suficientemente.”

As percepções de discriminação anti-asiáticos são influenciadas por fatores complexos. Há uma diversidade enorme do que significa ser asiático-americano. Essa população abrange pessoas cujas famílias vivem nos EUA há gerações e pessoas vindas de dezenas de países e sob muitas circunstâncias diferentes, incluindo como refugiadas.

Elas têm níveis diversos de instrução e de domínio da língua inglesa e podem situar-se em pontos diferentes do espectro político americano, às vezes dependendo da questão em pauta. Alguns deles, especialmente os imigrantes de primeira geração, têm menos tendência a denunciar o racismo. Seus filhos podem se mostrar mais propensos a pôr a boca no trombone.

Muitas pessoas na América desconhecem a história dos asiático-americanos, que não é ensinada suficientemente nas escolas, diz Erika Lee, professora de história e estudos asiático-americanos na Universidade de Minnesota. Poucas pessoas sabem, por exemplo, sobre o linchamento de 18 chineses em Los Angeles em 1871 ou a remoção forçada de chineses por multidões enfurecidas em Seattle em 1886.

“Nem sei dizer quantas vezes, mesmo depois de muitos anos lecionando, já ouvi meus alunos dizerem em sala de aula: ‘Eu não sabia que isso tinha acontecido’”, diz ela. Há também o estereótipo de que todas as pessoas de origem asiática são econômica e educacionalmente bem-sucedidas, que só pode levar à suposição incorreta de que a discriminação que enfrentam não deve ser tão grave assim.

É verdade que alguns dos asiático-americanos sujeitos à violência pior têm sido pessoas socioeconomicamente marginalizadas. Elas tendem a ser invisíveis para boa parte da sociedade. Esse fato apenas alimenta o pouco-caso amplo com que é vista a violência antiasiática, afirma Chris J. Lee, 33, fundador do site Plan A Magazine, que trata de cultura e política asiático-americana.

“O tipo de pessoa que é assassinada, como pessoas que trabalham em casas de massagem ou asiáticos mais velhos que ganham a vida catando latas –nenhum de nós as conhece realmente”, disse ele.

A marginalização dos asiático-americanos tem raízes profundas.

Imigrantes chineses que construíram ferrovias e trabalharam no garimpo de ouro no século 19 foram enviados para as Chinatowns de San Francisco e outras cidades, rejeitados pelas instituições financeiras e frequentemente abandonados para sobreviver com seus próprios esforços.

Manifestantes participam de vigília em homenagem às vítimas de chacina no estado da Geórgia
Manifestantes participam de vigília em homenagem às vítimas de chacina no estado da Geórgia - Alex Wong - 17.mar.21/Getty Images/AFP

A imigração adicional da China foi limitada pela Lei de Exclusão Chinesa de 1882, a primeira lei de imigração tendo como alvo imigrantes de classe trabalhadora de um país específico. Ela foi seguida em 1917 pela lei de imigração mais restritiva da história do país, que impediu a entrada de imigrantes de uma zona que ia de Istambul até além de Jacarta, quase eliminando a entrada de qualquer pessoa vinda de uma das regiões mais populosas do planeta –o subcontinente asiático meridional e o sudeste da Ásia.

Japoneses residentes nos EUA foram mantidos fora de bairros brancos durante décadas, por meio de pactos inscritos nos títulos de propriedade de imóveis. Dezenas de milhares de cidadãos americanos de origem japonesa foram encarcerados em campos de detenção durante a Segunda Guerra Mundial.

Quando as leis de imigração foram liberalizadas, na década de 1960, imigrantes da Ásia puderam ingressar nos EUA em número sem precedentes. Na esteira dos ataques contra idosos em bairros asiáticos na Califórnia, alguns líderes comunitários vêm pedindo uma presença policial maior. Outros dizem que simplesmente aumentar a presença de policiais não é a solução.

Alguns estão pressionando o governador Gavin Newsom a nomear um asiático-americano para secretário da Justiça da Califórnia. Em entrevista coletiva na quarta-feira, o deputado estadual da Califórnia David Chiu disse que a presença de um asiático-americano como representante principal da lei no estado é necessária para construir confiança, “especialmente em vista das relações que têm sido tensas entre a lei e as comunidades imigrantes e comunidades não brancas”.

Na área de Atlanta, onde a comunidade asiática vem crescendo nos últimos anos e ganhado mais influência política, a chacina reacendeu ansiedades que poderiam estar se acalmando para algumas pessoas, agora que o fim da pandemia está em vista. Quando a pandemia começou, Hsu, a advogada, disse que quase esperava que as pessoas a xingassem aos gritos porque ela tem origem chinesa.

Nas últimas semanas, contou, ela foi baixando a guarda.

“Estamos saindo da pandemia, temos um presidente novo, não estamos mais ouvindo falar em ‘Kung Flu’ [kung gripe] e ‘vírus da China’ o tempo todo”, diz ela, aludindo a termos difamatórios usados por Trump para descrever a Covid. “Tinha me convencido de que já era possível sair de casa em segurança.”

Tradução de Clara Allain

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