Descrição de chapéu The New York Times terrorismo

França prepara museu sobre devastação causada pelo terrorismo

Local pretende expor sofrimento coletivo em um país que ainda luta com o trauma

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Paris | The New York Times

Nenhum outro país da Europa ocidental sofreu tanto com o terrorismo quanto a França na última década. Com mais de 50 atentados que mataram quase 300 pessoas —incluindo dezenas de crianças e adolescentes—, o país suportou alguns dos piores ataques no continente.

Agora a França pretende expor esse sofrimento coletivo com um novo museu que acompanhará o avanço do terrorismo ao longo do tempo, incluindo os ataques à Redação da revista humorística Charlie Hebdo e à casa de shows Bataclan em Paris, que abalaram profundamente o país nos últimos anos.

A medida é ousada, já que a França ainda luta com o trauma desses ataques, com vítimas cujas feridas físicas e psicológicas continuam abertas. Só no último outono no hemisfério Norte, primavera no Brasil, houve uma série de novos ataques, incluindo a decapitação de Samuel Paty, um professor de história que mostrou desenhos do profeta Maomé em uma aula sobre a livre expressão.

Além do número de mortos, quase mil pessoas ficaram feridas em atentados desde 2012.

Mulher reza em frente a memorial improvisado em homenagem às vítimas dos ataques de novembro de 2015, em Paris
Mulher reza em frente a memorial improvisado em homenagem às vítimas dos ataques de novembro de 2015, em Paris - Jeff Pachoud - 14.nov.15/AFP

Mas os organizadores do projeto dizem que o museu é necessário para ajudar a população francesa a enfrentar e compreender uma praga com que ela ainda conviverá durante algum tempo.

"O próprio fato de estarmos criando um memorial enquanto o fenômeno do terrorismo provavelmente não vai desaparecer nos próximos anos é uma maneira de mostrar nossa capacidade de dar um passo atrás", disse em entrevista Henry Rousso, historiador francês que está supervisionando o projeto.

"É uma forma de resistência por meio da cultura, do conhecimento e da transmissão de experiências", disse Rousso, que ajudou a criar o Museu Memorial de Caen, sobre os desembarques na Normandia na Segunda Guerra, e o Memorial da Shoah em Paris, em homenagem às vítimas do Holocausto.

O presidente francês, Emmanuel Macron, prometeu em setembro de 2018 criar um museu para colocar as vítimas dos ataques terroristas "no centro de nossas memórias". O novo local deve ser inaugurado na região de Paris em 2027 e visa mostrar como a França e outros países afetados pelo terrorismo reagiram aos ataques nos últimos 50 anos, com ênfase especial para a resiliência de sua população.

Rousso disse que os autores dos ataques também serão mostrados no museu. Respondendo a perguntas sobre se isso não os glorificaria inadvertidamente, ele disse que também é importante representá-los. "É um museu histórico. Quando fazemos um sobre o nazismo, temos de mencionar Himmler e Hitler."

Gérôme Truc, sociólogo do Centro Nacional de Pesquisa Científica, que está ajudando a criar o museu, chamou as preocupações sobre glorificar os terroristas de "distração". Rousso e Truc disseram que estão atentos para como os terroristas serão apresentados no museu, notando que as imagens poderão se concentrar neles algemados no tribunal, e não posando com armas.

Christophe Naudin, pesquisador de história que estava no Bataclan em 13 de novembro de 2015, quando atiradores invadiram o lugar e mataram 90 pessoas —ao todo 131 morreram naquele dia em Paris—, disse que é a favor de mencionar os nomes dos terroristas no novo museu, mas com cautela. "Sei que algumas vítimas se recusam a dizer ou vê-los", disse Naudin, que escreveu um livro sobre sua experiência. "Eu prefiro evitar ver suas fotos. Conheço muitas vítimas que não conseguiriam suportar isso."

No último outono, a França foi atingida por uma série de ataques terroristas mortais que ocorreram ao mesmo tempo que o julgamento das 14 pessoas que ajudaram no ataque ao Charlie Hebdo em 2015, em que uma dúzia de pessoas que trabalhavam para a revista humorística foram assassinadas. Além da decapitação de Paty em outubro, três pessoas foram mortas em uma igreja em Nice naquele mês.

Rousso disse que, ao contrário do memorial ao 11 de Setembro em Nova York, o museu francês não será dedicado a um atentado em particular. Ele apresentará exposições, conferências e filmes sobre ataques em todo o mundo. Uma retrospectiva histórica do terrorismo na França, remontando ao complô contra Napoleão Bonaparte, também fará parte da exposição permanente.

O local exato do museu deverá ser decidido até a próxima primavera no hemisfério Norte, outono no Brasil.

Um memorial às vítimas do terrorismo existe em Paris desde 1998, nos jardins dos Invalides, onde fica a tumba de Napoleão —uma fonte e uma estátua de bronze de uma mulher decapitada de olhos escuros e vazios, com sua cabeça nas mãos.

Ao contrário dos espelhos d'água que marcam os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 em Nova York, o memorial de Paris não é muito conhecido ou visitado, exceto por autoridades ao comemorar o dia nacional de lembrança das vítimas do terrorismo na França, 11 de março. "A nação não esquece", escreveu Macron no Twitter após depositar uma coroa de flores junto da estátua na comemoração deste ano.

O memorial foi inaugurado em uma época em que a mentalidade da França sobre o terrorismo era muito diferente. Françoise Rudetzki, fundadora da associação das primeiras vítimas, a SOS Attacks, que encomendou a estátua, disse que "nos anos 1980 as pessoas olhavam para mim de um modo estranho, dizendo-me que logo iríamos acabar com o terrorismo".

Hoje há um amplo reconhecimento de que ele veio para ficar, disse Rudetzki, que também é membro do comitê assessor do memorial e foi ferida em um ataque a bomba terrorista em 1983 que a deixou com as pernas paralisadas. "O terrorismo faz parte de nossas sociedades", disse Rousso. "Criar um museu não é uma maneira de pôr o assunto para trás. É uma forma de fazer as pessoas compreendê-lo."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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