A pandemia de coronavírus terminou em Israel. E o novo normal é um velho conhecido. Depois de mais de um ano com a Covid-19 monopolizando o noticiário, que vinha trazendo imagens das ruas vazias em meio a severos lockdowns e da campanha de vacinação estrelada pelo primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, voltamos a ver, nos últimos dias, cenas de enfrentamento violento envolvendo israelenses e palestinos.
Como de praxe, nada que envolve esse conflito é formado apenas por uma camada. A mais nova escalada de tensão inclui fatores que vão desde disputas jurídicas opondo um punhado de famílias a traumas sociais históricos não cicatrizados. No entanto, só explodiu agora por estarmos diante de uma situação de tempestade perfeita.
Começando pela própria superação da pandemia. Nesta semana, Israel registrou, pela primeira vez desde o início da crise do coronavírus, menos de mil novos casos, e o número segue caindo. Com a maior parte da população imunizada, máscaras deixaram de ser obrigatórias em áreas abertas, manifestações públicas e encontros religiosos voltaram a ser permitidos, e a população criou coragem para sair de casa.
O verão aproxima-se no hemisfério norte. Os dias mais longos e quentes e o fim do ano letivo também contribuem para que uma massa de jovens ocupe a cidade e ali se mantenha. O momento acabou coincidindo com o mês do ramadã, no qual a população muçulmana se faz mais visível para a sociedade israelense, de maioria judaica.
As celebrações misturam cunho religioso e político, despertam medo e levantam desconfianças da polícia, que intensifica sua presença, principalmente em Jerusalém, onde está localizada a mesquita de Al-Aqsa, no que é visto como uma afronta.
Do lado judaico, na segunda-feira (10) foi celebrado o Dia de Jerusalém, que no linguajar oficial israelense marca a sua “reunificação”. É a forma pela qual o Estado se refere à conquista da porção oriental da cidade, onde está localizado o Monte do Templo, local mais sagrado do judaísmo, ocorrida em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias.
Nesse dia, milhares de jovens judeus religiosos nacionalistas adentram um território por onde normalmente não circulam, habitado principalmente por árabes palestinos. Cantando, dançando e portando bandeiras de Israel, num gesto que também é visto como provocação.
A despeito de evocar a “reunificação”, a demonstração revela, por outro lado, que a cidade se mantém profundamente dividida e é de onde se irradiam conflitos envolvendo não apenas israelenses e palestinos, mas também judeus e muçulmanos que vivem bem longe dali.
Soma-se a isso a frustração dos setores sociais de parte a parte que anseiam por mudanças. Por um lado, o prolongamento do mandato de Binyamin Netanyahu, há 12 anos no poder, e o impasse na formação do novo governo israelense, após quatro eleições em menos de dois anos, e, por outro, o adiamento das eleições legislativas palestinas, anunciadas pelo presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, após mais de 15 anos, levam outros atores políticos a disputarem o espaço.
A grande tragédia é que o trabalho conjunto de árabes e judeus nos hospitais do país foi fundamental para o sucesso na gestão da crise do coronavírus. Os esforços conjuntos para a mobilização da população levantaram sopros de esperança nos setores sociais comprometidos com a democracia. Resta saber se o pragmatismo dos vínculos entre árabes e judeus reforçados no último ano e que derrotaram a Covid-19 será suficiente para derrotar também o crescimento do radicalismo e os projetos nacionalistas excludentes.
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