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Após superar pandemia, Israel volta ao velho normal com novos confrontos

Crise atual vai de disputas jurídicas opondo famílias a traumas sociais históricos não cicatrizados

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Daniel Douek

Cientista social, é mestre em letras pelo Programa de Estudos Judaicos e Árabes da USP e diretor do Instituto Brasil-Israel

A pandemia de coronavírus terminou em Israel. E o novo normal é um velho conhecido. Depois de mais de um ano com a Covid-19 monopolizando o noticiário, que vinha trazendo imagens das ruas vazias em meio a severos lockdowns e da campanha de vacinação estrelada pelo primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, voltamos a ver, nos últimos dias, cenas de enfrentamento violento envolvendo israelenses e palestinos.

Como de praxe, nada que envolve esse conflito é formado apenas por uma camada. A mais nova escalada de tensão inclui fatores que vão desde disputas jurídicas opondo um punhado de famílias a traumas sociais históricos não cicatrizados. No entanto, só explodiu agora por estarmos diante de uma situação de tempestade perfeita.

Fogo causado por ataques aéreos israelenses em resposta a foguetes lançados pelo Hamas - Said Khatib/AFP

Começando pela própria superação da pandemia. Nesta semana, Israel registrou, pela primeira vez desde o início da crise do coronavírus, menos de mil novos casos, e o número segue caindo. Com a maior parte da população imunizada, máscaras deixaram de ser obrigatórias em áreas abertas, manifestações públicas e encontros religiosos voltaram a ser permitidos, e a população criou coragem para sair de casa.

O verão aproxima-se no hemisfério norte. Os dias mais longos e quentes e o fim do ano letivo também contribuem para que uma massa de jovens ocupe a cidade e ali se mantenha. O momento acabou coincidindo com o mês do ramadã, no qual a população muçulmana se faz mais visível para a sociedade israelense, de maioria judaica.

As celebrações misturam cunho religioso e político, despertam medo e levantam desconfianças da polícia, que intensifica sua presença, principalmente em Jerusalém, onde está localizada a mesquita de Al-Aqsa, no que é visto como uma afronta.

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Do lado judaico, na segunda-feira (10) foi celebrado o Dia de Jerusalém, que no linguajar oficial israelense marca a sua “reunificação”. É a forma pela qual o Estado se refere à conquista da porção oriental da cidade, onde está localizado o Monte do Templo, local mais sagrado do judaísmo, ocorrida em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias.

Nesse dia, milhares de jovens judeus religiosos nacionalistas adentram um território por onde normalmente não circulam, habitado principalmente por árabes palestinos. Cantando, dançando e portando bandeiras de Israel, num gesto que também é visto como provocação.

A despeito de evocar a “reunificação”, a demonstração revela, por outro lado, que a cidade se mantém profundamente dividida e é de onde se irradiam conflitos envolvendo não apenas israelenses e palestinos, mas também judeus e muçulmanos que vivem bem longe dali.

Soma-se a isso a frustração dos setores sociais de parte a parte que anseiam por mudanças. Por um lado, o prolongamento do mandato de Binyamin Netanyahu, há 12 anos no poder, e o impasse na formação do novo governo israelense, após quatro eleições em menos de dois anos, e, por outro, o adiamento das eleições legislativas palestinas, anunciadas pelo presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, após mais de 15 anos, levam outros atores políticos a disputarem o espaço.

A grande tragédia é que o trabalho conjunto de árabes e judeus nos hospitais do país foi fundamental para o sucesso na gestão da crise do coronavírus. Os esforços conjuntos para a mobilização da população levantaram sopros de esperança nos setores sociais comprometidos com a democracia. Resta saber se o pragmatismo dos vínculos entre árabes e judeus reforçados no último ano e que derrotaram a Covid-19 será suficiente para derrotar também o crescimento do radicalismo e os projetos nacionalistas excludentes.

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