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Com piora do cenário regional, China vacina quase 15 milhões por dia contra Covid

País asiático abandona complacência e acelera imunização, com possível reflexo em exportações

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São Paulo

Habituada a apresentar ao mundo números superlativos qualquer que seja a área, a China mais uma vez provocou espanto nos últimos dias com o número de vacinas contra a Covid aplicadas, que já supera meio bilhão. Mais até do que o volume, o que tem impressionado é a aceleração frenética da imunização no gigante asiático.

Na semana passada, de domingo (16) até o último sábado (22), a média diária de doses aplicadas chegou a 14,9 milhões, segundo dados compilados pelo projeto Our World in Data, da Universidade de Oxford (Reino Unido). No mês de maio, a média está em 10,5 milhões de doses.

Trabalhadores envolvidos em construção de metrô recebem vacina contra Covid-19 em Nantong, na China
Trabalhadores envolvidos em construção de metrô recebem vacina contra Covid-19 em Nantong, na China - 18.mai.21/China Daily via Reuters

É mais do que o dobro do ritmo diário de abril e quase cinco vezes o de março. Dos 497 milhões de vacinas administradas desde o início do esforço de imunização contra o coronavírus, em 15 de dezembro do ano passado, 46% ocorreram apenas neste mês.

Na última semana, o país pisou ainda mais no acelerador, chegando ao recorde de 17,2 milhões de doses aplicadas na última quinta-feira (20). Isso corresponde, num único dia, a 30% de todas as vacinas administradas no Brasil desde 17 de janeiro, quando a primeira pessoa recebeu imunização no país.

Em breve, dizem autoridades chinesas, o país deve romper a marca dos 20 milhões de vacinados por dia.

Com a pandemia em patamares relativamente baixos em comparação com o resto do mundo, a China vinha adotando até agora uma atitude de certa complacência com relação à vacinação, embora seja um dos principais centros mundiais de fabricação dos imunizantes. O país registra 3,2 mortos por milhão de habitantes, contra mais de 2.000 por milhão no Brasil, por exemplo.

Como resultado, a China vinha priorizando a chamada “diplomacia da vacina”, destinando grande parte de sua produção à exportação, para cerca de cem países, entre os quais o Brasil. Além de dividendos econômicos, essa estratégia valoriza a imagem internacional chinesa, dentro da política de “poder suave” do país asiático.

Até 19 de maio, haviam sido vendidos a mercados externos 300 milhões de doses, seja em vacinas prontas ou matéria-prima, conhecida pela sigla IFA (Insumo Farmacêutico Ativo). Isso equivale a quase 40% de toda a produção.

O cenário agora mudou, no entanto, e pode ter reflexos no Brasil. A nova corrida chinesa para vacinar sua população coincide com a disseminação de novas variantes da doença, sobretudo a que tem origem na Índia, país que hoje é, ao lado do Brasil, o epicentro da pandemia.

Além disso, houve aumento expressivo das taxas de contágios no sul e sudeste asiáticos, regiões com laços estreitos de comércio com os chineses, e intenso fluxo de pessoas.

No Vietnã, por exemplo, o número de casos de Covid-19 aumentou 75% em maio, crescimento que chegou a 84% no Camboja e 93,5% na Tailândia.

Taiwan, que Pequim considera uma província rebelde, também tem visto uma subida meteórica de casos, com elevação de 178% no mês de maio, embora partindo de uma base pequena.

Já na China continental, o cenário por enquanto é de estabilidade no número de casos, mas o contexto regional levou a uma mudança de atitude.

A meta é vacinar completamente com duas doses 1 bilhão de pessoas até o final do ano. A população total do país é de 1,4 bilhão, mas muitos são jovens, vivem em zonas afastadas, ou se recusam a se imunizar.

Segundo um representante do governo chinês, há neste momento a necessidade de um maior “equilíbrio” entre a nova demanda interna e os compromissos com exportações de vacinas.

O cenário é de que cronogramas previamente acertados com o Brasil e outros países podem sofrer algum atraso, que por enquanto seria de alguns dias. A prioridade é evitar que esse delay se alargue muito.

Na última quinta-feira (20), um grupo de governadores reuniu-se virtualmente com o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, para pedir que novos lotes de IFA sejam liberados.

Na conversa, o diplomata explicou o cenário de demanda superaquecida em seu país, mas se comprometeu a priorizar o envio da carga ao Brasil. Segundo ele, novos lotes de insumos para a Coronavac, do Butantan, e a AstraZeneca, da Fiocruz, chegarão nos próximos dias, suficientes para produzir 16,6 milhões de doses.

Uma carga de IFA chegou da China no sábado (22), e o Ministério da Saúde anunciou nas redes sociais o recebimento de “insumos do exterior”, omitindo a origem. Em seu perfil, o embaixador chinês ironizou: “Confúcio disse, feito para amigos, fiel à sua palavra”.

Depois disso, o ministro Marcelo Queiroga e o Itamaraty publicaram agradecimentos a Pequim.

A troca de comando na chancelaria brasileira também tem feito diferença. O novo titular, Carlos França, tem uma atitude mais amistosa com a China, ao contrário do tom de confronto de seu antecessor, Ernesto Araújo.

Apesar dos números grandiosos, a China ainda é uma relativa retardatária no ranking internacional de vacinação, em razão de sua imensa população.

O país aplica atualmente 34,5 doses a cada 100 habitantes, contra 85,43/100 nos EUA, por exemplo. Isso indica que ainda levará algum tempo para que a demanda interna arrefeça.

Mesmo a perspectiva de esfriamento do apetite chinês pelas doses é duvidosa. A partir de dezembro, a imunização recomeça praticamente do zero, uma vez que a orientação é de que as pessoas tomem vacinas todos os anos, ao menos no médio prazo.

China, Terra do Meio

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Para dar conta de tantas obrigações, a China investe em novas vacinas e no aumento da capacidade de produção das já aprovadas. As mais disseminadas são as dos laboratórios Sinovac (em uso no Brasil) e Sinopharm, mas há outras três em estágio avançado, incluindo uma de dose única, produzida pela empresa CanSino.

A oferta global de vacinas também deve se ampliar com o avanço da imunização nos EUA e na Europa, que deve se completar no meio do ano.

A partir daí, esses países deverão aumentar a exportação ou doação de imunizantes para regiões mais pobres do mundo, aliviando a carga atual sobre os chineses.

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