Descrição de chapéu oriente médio

Após 12 anos, Israel deve acordar sem Netanyahu. O que virá é uma incógnita

Parlamento vota neste domingo aprovação da coalizão que pode tirar do poder o premiê mais duradouro da história do país

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Tel Aviv

Um capítulo importante da história de Israel está prestes a terminar. A era de Binyamin “Bibi” Netanyahu, 71, o mais duradouro primeiro-ministro do país, deve chegar ao fim após 12 anos consecutivos —ou 15, se somado o período em que ele também foi premiê na década de 1990.

Como essa trama terminará, entretanto, poucos ousam prever. Os próximos meses ou anos serão dominados por novos nomes da política israelense ou Netanyahu voltará em breve a ser o protagonista?

Se tudo acontecer como previsto, o Parlamento aprovará neste domingo (13) a formação de uma coalizão sem o partido conservador Likud, do qual Bibi faz parte, o que representaria o fim do nó que levou Israel a quatro eleições em pouco mais de dois anos e a um impasse político sem precedentes no país.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, durante cerimônia em Jerusalém
O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, durante cerimônia em Jerusalém - Menahem Kahana - 6.jun.21/AFP

Na sexta-feira (11), poucas horas antes do Shabat —o sábado judaico, que começa na sexta à tarde—, os oito partidos que compõem a coalizão, liderados pelo direitista Naftali Bennett, 49, e o centrista Yair Lapid, 57, anunciaram seus acordos de princípios, abrindo caminho para a votação.

Mas a mudança será tão estrondosa que há quem só acredite vendo, até porque Netanyahu passou os últimos dias tentando minar a votação. Ao líder do partido de centro Azul e Branco, Benny Gantz, por exemplo, prometeu o posto de premiê caso ele desistisse de apoiar a coalizão. Gantz, que no ano passado se rendeu a tentação similar e se uniu a um governo no qual foi constantemente ignorado, recusou.

E o que de fato mudará na era pós-Bibi? Como será a política em questões controversas, como as negociações de paz com os palestinos, o relacionamento com o mundo árabe, o alistamento militar de ultraortodoxos, a flexibilização das conversões ao judaísmo e os direitos da comunidade LGBTQ+?

A resposta é uma incógnita, porque Netanyahu foi atropelado por uma união de forças de um amplo espectro político —da direita nacionalista à esquerda radical, passando pelo centro e pela minoria árabe.

Cansadas da instabilidade política e do insaciável ego do premiê, que sufoca o surgimento de novas lideranças, essas forças se uniram com apenas um objetivo claro: tirar o “rei Bibi” e acabar com o reinado de populismo à sombra de corrupção —Netanyahu é julgado em três casos de recebimento de propina.

Fora isso, esse deverá ser um governo frágil e incerto, que pisará em ovos o tempo todo para não se desmantelar —o que Bibi certamente espera para tentar voltar ao poder em uma eventual nova eleição.

O novo governo prevê o revezamento de dois primeiros-ministros, que ficariam no comando por 18 meses cada um. O primeiro é o ultranacionalista Naftali Bennett, líder do recém-criado partido Yamina (à direita), com apenas 7 das 120 cadeiras do Knesset, o Parlamento de Israel. Com passado de empreendedor de sucesso na área de tecnologia, Bennett é um feroz defensor das colônias israelenses na Cisjordânia e do controle de Jerusalém Oriental e é visto ainda mais à direita que o Likud no espectro político.

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O segundo é o ex-âncora de TV Yair Lapid, fundador do Yesh Atid (há futuro), partido criado em 2003 para representar a classe média secular israelense e defender bandeiras progressistas. Foi Lapid —que ocupará o cargo de chanceler até o fim do período de Bennett como premiê— quem costurou a coalizão, uma aliança baseada em muitas concessões para atrair 8 dos 13 partidos que compõem o atual Parlamento.

Três deles são de direita: o Yamina, de Bennett, o Nova Esperança, do dissidente do Likud Gideon Sa'ar, e o Israel Nossa Casa, do representante da minoria russa Avigdor Lieberman. Dois são de centro: o Yesh Atid, de Lapid, e o moderado Azul e Branco, de Gantz, ex-chefe das Forças Armadas. Outros dois, de esquerda: o tradicional Partido Trabalhista, da líder feminista Merav Michaeli, e o Meretz, de Nitzan Horowitz, defensor da causa palestina e da comunidade LGBT.

Para completar a colcha de retalhos, um partido da minoria árabe: o conservador islâmico Ra’am. Com ele, a coalizão terá 62 parlamentares, o número mínimo necessário para governar. Será a primeira vez que uma legenda da minoria árabe de Israel, responsável por 21% da população, fará parte formalmente de um governo. Até hoje, a maioria dos parlamentares árabes alegava identificação com os palestinos para não fazer parte da gestão de um país que muitos deles não consideram legítimo.

Mas Mansour Abbas, líder do Ra’am, pensa de outra maneira. Para ele, a minoria árabe deve parar de se concentrar apenas em questões palestinas, defendendo também assuntos que têm a ver com o dia a dia dos árabes-israelenses. Uma de suas bandeiras, por exemplo, é o reconhecimento de povoados beduínos no Sul de Israel, que vivem à margem das benesses do governo por serem considerados ilegais.

Apesar do otimismo de quem queria ver Netanyahu fora do comando, as dúvidas são muitas. Para o professor Gideon Rahat, do departamento de ciências políticas da Universidade Hebraica de Jerusalém, o novo governo não tocará em temas polêmicos, deixando disputas profundas fora da coalizão.

Uma das propostas acordadas de forma unânime é um projeto que restringe a oito anos o mandato de premiês, evitando a criação de novos Bibis no futuro. Outros pactos incluem a diminuição do número de ministérios e a descriminalização da maconha para uso medicinal, além de questões pontuais, como a construção de hospitais e de uma universidade na periferia e a oferta de ajuda a empresas de turismo.

Num dos únicos tópicos em que questões ligadas às colônias na Cisjordânia aparecem, uma proposta prevê investimento em transporte público para os colonos. A intenção é não melindrar nenhum membro da aliança para conseguir, assim, manter o governo por ao menos três anos. Por isso, temas como a negociação de paz com os palestinos não teriam solução em breve, e a estratégia seria empurrar problemas complexos com a barriga, numa espécie de governo de transição pós-Netanyahu.

Para Dimitri Diliani, ativista político palestino e porta-voz do Futuro, facção dissidente do partido Fatah, o novo governo é apenas a troca de seis por meia dúzia: “Este governo israelense não surgiu como resultado entre o campo pró-paz e anti-paz. Ambos são anti-paz. Ambos são pró-assentamentos e contra a solução de dois Estados. Portanto, eles vão manter a obediência, e não a cooperação, da Autoridade Palestina”.

O ativista, por outro lado, aponta um ponto positivo: se Bennett quiser expandir os assentamentos, os partidos de esquerda não concordarão. “Mas será um governo de curto prazo, que não vai sobreviver devido às muitas contradições que enfrenta. Por isso os palestinos não estão dando muita bola.”

De fato, muitas das agendas políticas da nova coalizão não se encaixam no quebra-cabeças político. Como Bennett, que prega a anexação da Cisjordânia, e a secular progressista Merav Michaeli, que defende a criação de um Estado palestino, vão se entender? Como o religioso Bennett e os conservadores Gideon Sa'ar e Mansour Abbas vão dialogar com Horowitz, Lapid e Lieberman, que representam a classe média secular e têm em comum bandeiras como a isenção dos ultraortodoxos do alistamento militar?

E, por fim, como todos os partidos judaicos entrarão em acordo com o Ra’am caso exploda uma nova rodada de violência entre Israel e o grupo islâmico Hamas, que controla a Faixa de Gaza?

Outra dúvida é o que Netanyahu fará na oposição. O primeiro sinal de como agirá será enviado na segunda-feira (14), caso não compareça à cerimônia de transmissão de cargo, espelhando o que fez o ex-presidente americano Donald Trump, de quem ele era aliado. Se isso acontecer, ficará claro que o futuro ex-premiê partirá para o ataque contra a legitimidade da coalizão. A retórica agressiva, que já começou, poderá levar a ataques físicos a membros da nova coalizão por adoradores de Bibi. Muitos alertam para tal perigo em um país onde já houve assassinato político: o do ex-premiê Yitzhak Rabin, em 1995.

Todas essas perguntas terão respostas com o tempo. E a primeira, se o novo governo será aprovado, terá uma solução neste domingo. Em 11 de abril de 1990, o então líder do Partido Trabalhista, Shimon Peres, acordou pensando que seria anunciado como premiê após costurar uma coalizão.

Mas foi surpreendido por uma manobra política do então líder do Likud, Yitzhak Shamir, que conseguiu convencer dois parlamentares ultraortodoxos a não comparecer à votação. Resultado: o novo governo nunca saiu do papel e, depois, Shamir conseguiu formar governo.

O caso, conhecido como “a pegadinha fedorenta”, paira sobre novas coalizões até hoje.

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