Enquanto a China quer mais bebês, alguns homens optam pela vasectomia

Esterilização voluntária ainda é vista como tabu cultural no país asiático

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Sui-Lee Wee Elsie Chen
The New York Times

Huang Yulong nunca quis um filho. Quando era criança, sentia raiva dos pais, que o deixavam sob os cuidados de parentes enquanto trabalhavam em fábricas distantes, visitando-o apenas uma vez por ano. Ele nunca sentiu a necessidade de se reproduzir ou transmitir o sobrenome familiar para diante.

Assim, aos 26 anos, ele fez uma vasectomia.

“Para nossa geração, ter filhos não é uma necessidade”, disse Huang, que é solteiro e vive em Guangzhou, cidade do sul da China. “Hoje podemos viver sem carregar fardos. Por que não investir nossos recursos espirituais e econômicos em nossa própria vida?”

Aos 27 anos, Huang quer alcançar um estilo de vida conhecido como Dink –“Double Income, no Kids”, que designa casais sem filhos e nos quais ambos têm renda. A sigla existe há décadas, mas apenas recentemente começou a ser usada amplamente na China, país onde o custo de vida crescente e outros problemas econômicos estão levando muitos jovens a evitar filhos. A disputa por escolas e apartamentos vem se intensificando. Alguns casais dizem que não querem mais de um filho. Outros não querem nenhum.

Enfermeiras cuidam de bebê prematuro em hospital de Shijiazhuang, no norte da China - Liang Zidong - 12.mai.2021/Xinhua

Esse estilo de vida bate de frente com o esforço lançado pelo governo chinês para evitar a crise demográfica que assoma no horizonte. Na segunda-feira (31) Pequim anunciou nova revisão de sua política de planejamento familiar, agora autorizando as famílias a ter três filhos, em lugar de apenas dois. A intenção era que o anúncio encorajasse os casais a ter mais filhos, mas homens como Huang dizem que preferem ficar sem filho nenhum, chegando a submeter-se a uma cirurgia para isso.

A decisão de Huang de fazer uma vasectomia pode parecer extrema, mas demógrafos vêm alertando há tempos que o número crescente de chineses que optam por não ter filhos é o principal motivo do encolhimento da população nacional. De acordo com o censo mais recente, enquanto em 2010 as famílias eram compostas por 3,1 pessoas em média, esse número agora caiu para 2,62.

Além de Huang, o New York Times conversou com dois outros chineses que fizeram vasectomia. Ambos pediram que não fosse usado seu nome completo por razões de privacidade, porque alguns de seus familiares e amigos não sabem que eles passaram pela cirurgia.

Na sociedade patriarcal chinesa, optar pela esterilização voluntária ainda é visto como um tabu cultural, especialmente no caso de rapazes não casados. Em muitas cidades, médicos exigem um comprovante de casamento e do consentimento da cônjuge antes de realizaram o procedimento. (O médico perguntou a Huang antes da cirurgia se ele era casado e tinha filhos. Ele mentiu, dizendo que sim.)

A maioria dos chineses ouviu falar em esterilização no contexto da política de planejamento familiar anterior do governo, adotada durante um período de expansão econômica acelerada e que limitava cada casal a um filho apenas. Embora muito mais mulheres tenham sido esterilizadas à força durante o período da regra do filho único, em alguns casos raros homens também foram vasectomizados.

O anúncio feito pelo governo nesta semana autorizando os casais a terem três filhos representa o esforço mais recente para reverter algumas daquelas práticas, mas agora alguns homens vêm buscando a vasectomia por iniciativa própria. A razão, dizem, é que querem dividir o fardo da contracepção com suas parceiras, na medida em que ambos desejam o estilo de vida Dink.

Jiang, 29, é personal trainer e vive na província de Fujian, no sul da China. Ele contou que tentou fazer uma vasectomia em seis hospitais, mas foi rejeitado por todos. A razão da recusa era que ele não pôde apresentar um “certificado de planejamento familiar”, um documento oficial que declara o estado civil da pessoa e quantos filhos ela tem.

“Eles simplesmente se recusaram a me atender e disseram: ‘Pelo fato de você ser solteiro e não ter filhos, está contrariando abertamente a política de natalidade do país’”, contou Jiang.

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Os chineses foram condicionados durante décadas a ter filhos por uma questão de tradição, dever filial e, em última análise, como garantia para quando chegassem à velhice. Mas a ampliação da rede de seguridade social e a proliferação de planos de seguro abriram mais opções para as pessoas.

Hoje a China possui o maior número de solteiros no mundo. Em 2018 havia 240 milhões de solteiros no país, responsáveis por 17% da população total. Embora a porcentagem ainda seja baixa quando comparada aos Estados Unidos, o número de solteiros aumentou em um terço desde 2010.

“Os jovens de hoje não são tão capazes de suportar condições de vida difíceis quanto era a geração mais velha”, comentou He Yafu, demógrafo independente na cidade de Zhanjiang, no sul do país. “Muitos pensam não apenas que seus filhos não cuidarão deles quando eles ficarem velhos, mas que, em vez disso, continuarão dependentes deles. É melhor poupar mais dinheiro e viver numa casa de repouso para garantir sua própria tranquilidade, ou então contratar um seguro.”

Comentando a nova política de três filhos por casal, um porta-voz do governo disse na segunda-feira que os chineses nascidos na década de 1990 querem em média apenas 1,66 filho. É uma queda de 10% em relação às pessoas nascidas na década de 1980.

Segundo um estudo de 2018 publicado pelo Journal of Chinese Women’s Studies, o custo econômico direto de criar um filho do nascimento até os 17 anos de idade chega a cerca de US$ 30 mil, sete vezes o salário anual médio dos chineses.

Huang, 24, é pós-graduando em computação na cidade de Wuxi. Ele conheceu sua potencial companheira, uma mulher de 28, num fórum de Dinks. “Vivo comentando com ela como os custos do parto são altos e assustadores para as mulheres”, disse.

Depois de admitir online a seus colegas da faculdade que receava ter filhos, uma pessoa respondeu a Huang sugerindo que ele fizesse uma vasectomia. Huang passou pela cirurgia em novembro passado, na cidade de Suzhou. Ele contou que contatou seis hospitais antes de encontrar um médico disposto a oferecer o procedimento.

O plano que Huang tem para aposentar-se envolve emigrar para a Islândia ou Nova Zelândia, países que possuem redes de segurança social relativamente fortes. Ele calculou o número de anos que um filho consegue cumprir seus deveres filiais –“por volta de dez anos”— e concluiu que não vale a pena.

“Criar um filho é um empreendimento de alto custo e baixo retorno”, ele concluiu. “Acho que ter um filho é altamente problemático.”

Tradução de Clara Allain

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