Ida de Crivella para embaixada na África do Sul ainda depende do Supremo

Gilmar Mendes revogou prisão domiciliar do ex-prefeito do Rio em fevereiro, mas o proibiu de sair do país

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Brasília

Em mais um aceno à base evangélica, o presidente Jair Bolsonaro indicou o ex-prefeito do Rio de Janeiro e ex-senador Marcelo Crivella para a assumir a embaixada do Brasil na África do Sul. A ida ao país, para acomodá-lo na missão em Pretória, no entanto, depende de fatores externos e judiciais.

A consulta sobre o nome de Crivella foi feita por meio de um expediente diplomático que, por definição, corre em sigilo, e atualmente as autoridades brasileiras aguardam uma resposta do governo sul-africano para oficializar a indicação ao Senado —responsável por sabatiná-lo e aprová-lo ao cargo.

Mesmo que o governo da África do Sul dê luz verde, porém, a ida do político para o posto ainda depende do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

Isso porque, em fevereiro, o magistrado revogou a prisão que havia sido decretada a Crivella, mas estabeleceu medidas cautelares como a proibição de sair do país e o recolhimento de passaporte.

Em 20 de maio, a defesa do político pediu ao ministro que reconsidere a própria decisão e o libere para sair do Brasil. Gilmar pode analisar a solicitação dos advogados sozinho ou remeter o tema à Segunda Turma da corte.

Crivella foi preso em 22 de dezembro do ano passado por ordem da desembargadora Rosa Macedo Guita, do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro). Ele foi detido em operação da Polícia Civil do RJ e do Ministério Público fluminense, que denunciou o político e outras 25 pessoas por organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção passiva e ativa.

Na ocasião, ele também foi afastado do Executivo do Rio, cargo que já iria entregar de qualquer forma menos de duas semanas depois porque havia perdido a disputa pela reeleição.

Segundo o MP, o caso envolve um esquema de pagamento de propina na Prefeitura do Rio, chamado QG da propina, que seria comandado pelo empresário Rafael Alves, amigo de Crivella.

A designação de Crivella, bispo licenciado na Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) e cantor gospel, tem também o objetivo de melhorar a relação do Planalto com a instituição religiosa liderada por Edir Macedo.

Crivella é filho de Eris Bezerra Crivella, irmã de Macedo, líder da igreja ligada ao partido Republicanos e controladora da TV Record. Além de prefeito, Crivella também foi senador e ministro da Pesca durante o governo Dilma Rousseff (PT).

O ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella é escoltado por policiais após ser detido
O ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella é escoltado por policiais após ser detido - Pilar Olivares - 22.dez.20/Reuters

A relação entre o governo Bolsonaro e a Universal foi abalada pelo racha da igreja em Angola, onde um grupo de religiosos locais rebelou-se contra aliados de Macedo e tomou o controle de templos.

Além de assumir o comando dos locais da Iurd no país, os rebelados acusam a igreja de praticar sonegação fiscal, entre outras irregularidades. O capítulo mais recente da crise ocorreu em meados de maio, quando 34 brasileiros ligados ao trabalho missionário da Universal receberam a notificação de autoridades em Luanda de que seriam deportados.

A ação de Angola irritou parlamentares evangélicos, que passaram a mobilizar o governo Bolsonaro. O recado foi dado em reunião da Frente Parlamentar Evangélica com o chanceler Carlos França, no Itamaraty, em 17 de maio.

Internamente, parlamentares ligados à igreja queixaram-se de que o governo Bolsonaro fez apenas esforços tímidos em defesa da Universal e que o Brasil não recorreu a pressão política e econômica para fazer valer os interesses da igreja em território angolano.

A designação de uma das mais importantes figuras da Universal para outro país africano onde a instituição tem fortes interesses seria, portanto, uma forma de o Planalto demonstrar que está comprometido com a base evangélica.

Também ajudaria a blindar Crivella em suas ações judiciais, uma vez que a Constituição Federal garante foro privilegiado para os chefes de missão diplomática permanente.

Nos anos 1990, Crivella morou na África do Sul, onde liderou a internacionalização da Iurd. Sua passagem pelo país africano tem sido citada por aliados como uma das justificativas para a indicação.

A atuação do político no país africano, inclusive, é um dos argumentos apresentados por seus advogados na tentativa de convencer Gilmar Mendes a liberá-lo para sair do país.

A defesa dele afirma que “não há qualquer indicativo concreto que demonstre risco de evasão do país ou utilização do passaporte para fins indesejáveis”.

Cita, ainda, o fato de Crivella ser um “bispo de alto relevo da Igreja Universal do Reino de Deus, entidade cuja vertente religiosa possui sede em mais de cem países”, e menciona que o político já trabalhou por cerca de dez anos como missionário na África.

A aceitação ao nome dele para assumir a embaixada, no entanto, ainda é incerta. Interlocutores afirmaram à Folha que ainda há dúvidas sobre qual será a reação dos sul-africanos.

Eles destacam, por exemplo, que é preciso aguardar para ver se o governo da África do Sul levará em conta a relação bilateral de seu país com Angola.

A consulta encaminhada pelo governo brasileiro à África do Sul é conhecida por agrément e serve para que o país anfitrião informe se tem alguma objeção à designação de um novo embaixador.

Normalmente, as respostas só ocorrem quando são positivas. Quando um governo não concorda com a indicação de uma determinada pessoa, a praxe é que a consulta não seja respondida —o que é entendido como uma recusa.

No fim do ano passado, Crivella não chegou a ficar preso por mais de um dia. Na mesma data que teve a prisão preventiva decretada, o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Humberto Martins, determinou sua transferência para prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica.

Na ocasião, o magistrado também proibiu Crivella de manter contato com terceiros e o obrigou a entregar celulares e computadores às autoridades, além de proibi-lo de sair de casa sem autorização e de usar telefones.

Um dia depois, Martins deu nova decisão para determinar a transferência imediata do então prefeito afastado para a prisão domiciliar e mandou o presidente do TJ-RJ, Claudio Tavares, prestar informações sobre o não cumprimento da decisão que havia libertado Crivella.

Depois disso, ele pôde ir para casa e, em 13 de fevereiro, Gilmar Mendes revogou a prisão domiciliar e impôs algumas obrigações e proibições ao político, entre as quais o veto para deixar o país e para manter contato com outros investigados, além de tê-lo obrigado a comparecer periodicamente em juízo para informar e justificar suas atividades.

Agora, a defesa de Crivella pede que essas medidas impostas por Gilmar sejam revogadas.

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