Descrição de chapéu União Europeia

Entenda as polêmicas do AfD, partido radical alemão que se encontrou com Bolsonaro

Sigla anti-imigração ganhou notoriedade em 2017 ao atrair setores mais conservadores do eleitorado

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Guarulhos

Logo após o fim do regime nazista, nos anos 1940, a Alemanha estruturou um novo sistema político que tinha como um de seus principais objetivos impedir o surgimento de tendências antidemocráticas. Por isso, um alerta acendeu no país em 2017, quando pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra (1939-1945) uma sigla radical de direita conquistou cadeiras no Parlamento nacional.

O partido em questão era o Alternativa para a Alemanha (AfD) —na semana passada, a vice-líder da legenda se reuniu com o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (sem partido).

Sigla jovem, a AfD nasceu em 2013, mas foi só nas eleições de 2017 para o Bundestag (o Parlamento alemão), que ela se tornou uma força relevante no cenário nacional ao romper uma das principais travas do sistema político local: a cláusula de barreira. O mecanismo foi introduzido no país em 1946 para inibir a fragmentação partidária e estabelece que somente as siglas que obtiverem 5% ou mais dos votos poderão ocupar assentos legislativos.

Naquele ano, a AfD ficou em terceiro lugar na votação nacional ao receber 12,6% dos votos, o que deu a ela o direito de ocupar 94 (13,3%) das 709 cadeiras do Parlamento. Uma dessas vagas foi ocupada por Beatrix von Storch, 50, deputada da ala mais conservadora da sigla e com quem Bolsonaro, seu filho Eduardo (PSL-SP) e a deputada Bia Kicis (PSL-DF) se reuniram em Brasília.

Beatrix von Storch, deputada e uma das vice-líderes da AfD, partido da ultradireita alemã - Jens Schlueter - 10.abr.21/AFP

Abertamente anti-imigração e com um histórico de posturas xenófobas, o partido é o primeiro com representação no Parlamento a ser colocado sob investigação do Escritório Federal de Proteção à Constituição (BfV, na sigla alemã), por suspeita de extremismo e, em último caso, risco à democracia.

Segundo explica Silvana Krause, professora de ciência política da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), o surgimento da AfD se insere em um contexto de descongelamento do sistema partidário e perda de força da social-democracia alemã.

Além disso, parte dos eleitores mais conservadores acabaram se afastando nos últimos anos da CDU (União Democrata-Cristã), partido de centro-direita que é o mais tradicional do país. Esse afastamento aconteceu depois que a primeira-ministra Angela Merkel, principal liderança da CDU, adotou uma série de posturas consideradas mais progressistas —como a priorização do combate às mudanças climáticas e a manutenção das fronteiras abertas em meio à crise dos refugiados.

Esse cenário abriu uma janela de oportunidade para que siglas até então nanicas capturassem o eleitorado mais conservador. “É possível entender a AfD como um movimento de resgate do nacionalismo”, explica Krause. O partido mobilizou ainda o rescaldo de parcelas descontentes com a reunificação alemã, consolidada na década de 1990, após a queda do Muro de Berlim.

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A crise migratória dos refugiados intensificada na última década na Europa acabou servindo de trampolim para o partido radical. A deputada Beatrix, por exemplo, atua ativamente no tema. Em nota publicada em seu site oficial no final de junho, ela afirmava que “[Angela] Merkel importou o terror islâmico com a abertura ilegal da fronteira”.

“Como AfD, exigimos o fim da imigração em massa e a deportação imediata de criminosos islâmicos mentalmente instáveis para proteger as pessoas que vivem aqui, além da deportação de todos os outros imigrantes ilegais sem motivo para proteção”, conclui o texto.

Em 2018, a parlamentar foi investigada por incitar o ódio contra imigrantes muçulmanos nas redes sociais. O Twitter e o Facebook removeram suas postagens, classificadas como discurso de ódio.

Para Kai Lehmann, cientista político e professor de relações internacionais da Universidade de São Paulo (USP), o partido tem caminhado continuamente na direção antidemocrática e autoritária. “Foi o primeiro partido de peso anti-UE [União Europeia], que quebrou o consenso na política externa alemã, e progressivamente se tornou de ultradireita e anti-imigração.”

A sigla ainda adota posição mais branda em relação ao passado alemão, com algumas figuras que relativizam o histórico nazista do país. Em setembro, a AfD demitiu um ex-porta-voz, Christian Lüth, após o vazamento de uma gravação na qual ele sugere que imigrantes deveriam ser mortos "por gás".

A própria deputada Beatrix é neta de duas figuras ligadas ao Terceiro Reich: um ex-ministro do governo nazista, que chefiou por 12 anos a pasta de finanças e, posteriormente, foi condenado pelo tribunal de Nuremberg a 10 anos de prisão por crimes de guerra; e Nikolaus von Oldenburg, duque que integrava a SA, tropa de repressão nazista.

O conjunto dos posicionamentos da legenda faz com que a AfD não seja bem vista por grande parte da comunidade internacional. Foram poucos os encontros internacionais da sigla —líderes da legenda já se reuniram com o ditador de Belarus, Aleksandr Lukachenko; com o presidente russo, Vladimir Putin; e com o ditador sírio, Bashar al-Assad, segundo informações do canal alemão Deutsche Welle.

Os levantamentos mais recentes indicam que a AfD deve ver seu apoio diminuir nas próximas eleições, marcadas para setembro. Segundo o agregador de pesquisas desenvolvido pelo jornal britânico The Guardian, a AfD vem desidratando desde o início da campanha. A sigla começou a disputa em terceiro lugar, com média de 14,4% das intenções de voto em 2020, e agora está em quinto, com 10,4% na última contagem.

Para Lehmann, apesar disso, a presença do partido dentro do Parlamento segue sendo preocupante em um país no qual o sistema partidário costumava priorizar o consenso, afastando radicalismos. “A curto prazo pode não ser uma ameaça, mas, a longo prazo, pode representar uma ameaça para a democracia alemã”, diz o professor. “A AfD tem causado um declínio na qualidade do debate político, cada vez mais polarizado.”

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