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'Estou refazendo a vida', diz belarussa que pode ser 1ª refugiada no Brasil

Aliaksandra Mirontsava, 21, escapou de ser presa por ir a ato contra a ditadura na Belarus

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Bruxelas

Viktoria, Anastassiya e Aliaksandra Mirontsava são as mais novas de seis irmãs. Estudaram na mesma escola de artes: pintura, as duas primeiras, piano clássico a terceira.

Em agosto do ano passado, Anastassiya estava entre as melhores estudantes do curso de artes. Viktoria trabalhava em um restaurante. Aliaksandra era professora de música em um jardim de infância.

Um ano depois, Viktoria, 27, e Anastassiya, 24, estão presas na Belarus; no Brasil, Aliaksandra, 21, tenta refazer a vida e pode se tornar a primeira refugiada belarussa do país.

Moça de vestido preto com flores brancas olha de lado para a câmera em meio a plantas que formam um fundo verde
A pianista belarussa Aliaksandra Mirontsava, 21, em Minas, onde mora desde que se viu forçada a deixar seu país pela repressão do regime - Douglas Magno/Folhapress

O destino das três irmãs começou a mudar na noite de 9 de agosto do ano passado, quando a comissão eleitoral da Belarus anunciou que o ditador Aleksandr Lukachenko havia sido reeleito presidente.

No poder desde 1994, quando venceu a primeira eleição pós-URSS (a única considerada livre e justa desde então), Lukachenko concentrou poder no país, passando a dominar o Legislativo, as Forças Armadas, o Judiciário e a comissão eleitoral.

Houve pleitos em 2001, 2006, 2010 e 2015, mas poucas chances de apear do poder o ex-administrador de fazenda soviética apelidado de "o último ditador da Europa".

Mas, nos últimos anos, a insatisfação cresceu, principalmente nas maiores cidades e entre a população mais jovem, da qual fazem parte Viktoria, Anastassiya e Aliaksandra.

Esse grupo experimentou reagir em 2015 e, em 2019, trabalhou para registrar candidaturas independentes, como as do executivo Viktor Babariko e do blogueiro Serguei Tikhanovski, ambos detidos durante a campanha.

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Quando Svetlana Tikhanovskaia, então uma mãe de família, assumiu a candidatura do marido preso, esses belarussos lotaram comícios e se inscreveram como observadores independentes da votação —fiscalização bloqueada pela ditadura.

Escaldados, estavam preparados para a derrota. Mas o resultado —80% para o ditador— pareceu tão acintoso que milhares saíram às ruas para protestar. Na mesma noite, o mundo viu pela TV as tropas de choque espancarem brutalmente manifestantes e jornalistas.

"Não fomos no 9 de agosto porque sabíamos que as eleições eram fraudadas. Mas depois daquele horror muito mais gente foi protestar no dia 10, contra a violência", conta Aliaksandra por videoconferência, de Minas Gerais, onde mora hoje.

As três irmãs estavam entre eles quando, por volta das 18h, os policiais começaram a agarrar as pessoas a esmo e empurrá-las para os camburões.

"Havia idosos, adolescentes muito jovens, uma menina muito magra que ficou cheia de hematomas", relata a pianista.

Ela diz que não apanharam "por sorte": "Vimos muita brutalidade, principalmente contra os homens. Dois rapazes estavam desmaiando de tão espancados. Pedimos, choramos, imploramos, mas os agentes continuavam batendo. Não pareciam humanos".

Como milhares de outros belarussos, ficaram detidas três dias nas piores condições. No dia 12, liberadas em Zhodzina —a 50 km de Minsk—, precisaram da ajuda de voluntários para voltar para casa.

Apesar de solta, Aliaksandra continuou intranquila. "Uma vez detido, ninguém fica livre. Há sempre depois uma 'visita', um julgamento, uma multa."

As três logo entraram na mira do regime porque um vídeo na internet mostrava o momento em que elas tentavam impedir o espancamento de manifestantes.

"Nas semanas seguintes, Viktoria recebeu uma chamada da delegacia para prestar depoimento. Disseram que queriam 'conversar sobre suas irmãs'. Ali percebi que seria bom sair um pouco do país", diz Aliaksandra.

Atendeu ao pedido do namorado brasileiro, Leonardo, 26, que insistia para que ela se afastasse da Belarus, e embarcou rumo ao Brasil no dia 14 de outubro.

Dois dias depois, a polícia foi buscar Anastassiya e Viktoria. Condenadas por violência contra policiais e organização de motim, pegaram dois anos de cadeia. Viktoria levou mais seis meses, porque foi filmada num comício ainda durante a campanha.

É só quando fala de sua vida no Brasil que Aliaksandra começa a sorrir e arrisca frases em português —que ela aprende no dia a dia e, principalmente, em filmes legendados (na maior parte da entrevista, a Folha contou com a tradução de Volha Yermalayeva ​Franco, representante da Embaixada Popular da Belarus —que se opõe a Lukachenko).

Ela deu entrada no pedido de refúgio em novembro, mas ainda não tem uma decisão do Conare (Comitê Nacional para Refugiados), do Ministério da Justiça. A assessoria do órgão não pode comentar a tramitação, que é sigilosa, mas diz que até sexta (6) não havia recusa nem deferimento dos quatro processos de belarussos em análise.

Com permanência provisória por um ano, Aliaksandra começou a estudar tecnologia da informação e vislumbra uma nova carreira na elaboração de sites. Inscrita na lista de procurados pela ditadura, ela teve sua conta bancária congelada na Belarus.

"Sentir falta de casa é inevitável, e o começo foi o mais difícil, quando entendi que não poderia voltar tão cedo. Mas agora estou no Brasil, e no que penso é em fazer minha vida aqui", afirma.

Embora a grande maioria dos refugiados da Belarus se concentre hoje ao redor do país, na Lituânia, na Polônia e na Ucrânia, Aliaksandra considera que Minas Gerais é sua melhor opção.

"Aqui está Leonardo, sua família me recebeu muito bem", diz, sobre o brasileiro que conheceu há mais de três anos —os dois já haviam se visitado em seus respectivos países natais em 2018 e 2020. "Na Ucrânia ou Polônia, mesmo mais perto de casa, estaria totalmente sozinha", diz ela.

Aliaksandra também se identifica mais com brasileiros que com povos vizinhos, como os russos. "Como na Belarus, se você sorri para alguém a pessoa já quer falar com você. Mesmo que eu não entenda bem português, dão um jeito de se comunicar. Muitos nem me conheciam, mas logo queriam me ajudar."

Ela acompanha as notícias da Belarus pela internet e com a mãe ela fala com frequência. "É pesado para ela, uma tragédia horrorosa, mas minha mãe já passou por maus bocados na vida e sabe que o pessimismo não ajuda. Tenta manter-se firme para não desanimar minhas irmãs".

Também a filha tenta ver, "numa situação tão difícil e cruel, perspectivas boas". Ela conta que uma amiga de Anastassiya criou uma conta para publicar os desenhos que a ilustradora continua fazendo na prisão.

"Minha irmã nem sabe, mas a amiga mandou trabalhos para um concurso europeu de arte. De 90 inscritos, 6 passaram para a fase seguinte, e Stasya [apelido de Anastassiya] está entre eles", diz a belarussa, na torcida por um futuro melhor.


Acompanhe a crise na Belarus

  • 6.mai.2020 Ditadura belarussa prende o blogueiro Serguei Tikhanovski, que pretendia se registrar como candidato a presidente
  • 18.jun.2020 É preso o mais popular candidato de oposição a Lukachenko, o executivo Viktor Babariko
  • 14.jul.2020 A dona de casa Svetlana Tikhanovskaia se registra como candidata independente no lugar de seu marido
  • 30.jul.2020 Comício de Tikhanovskaia reúne cerca de 70 mil apoiadores em Minsk
  • 9.ago.2020 - Eleição presidencial - Ditadura anuncia que Lukachenko venceu com 80% dos votos e Tikhanovskaia teve cerca de 10%. Manifestantes protestam nas ruas e são reprimidos
  • 10.ago.2020 Novo protesto, desta vez contra a brutalidade policial, leva mais gente às ruas de Minsk e diversas cidades; um manifestante é morto. Tikhanovskaia é ameaçada e se exila na Lituânia
  • 12.ago.2020 Após três noites seguidas de protestos, espancamentos, prisões e tortura, mulheres belarussas fazem “correntes de solidariedade” nas ruas pelo fim da violência
  • 16.ago.2020 Repressão dá trégua e mais de 200 mil manifestantes marcham em Minsk e dezenas de outras cidades, pedindo eleições livres
  • 6.set.2020 Ditadura volta a reprimir protestos com violência, prende manifestantes e jornalistas e fecha sites
  • 23.set.2020 Lukachenko toma posse em seu sexto mandato presidencial
  • 1º.out.2020 União Europeia aplica sanções contra ditadura belarussa, mas poupa Lukachenko
  • 12.out.2020 Lukachenko endurece repressão e ameaça usar munição letal contra manifestantes
  • 26.out.2020 Greve geral convocada como ultimato por Tikhanovskaia fracassa na Belarus
  • 6.nov.2020 UE inclui Lukachenko e familiares em sanções
  • 16.fev.2021 Ditadura aperta repressão contra jornais e ONGs. Repórteres são condenadas a dois anos de prisão por cobrir manifestação
  • 23.mai.2021 Lukachenko manda interceptar voo comercial para prender blogueiro Roman Protassevich
  • 16.jun.2021 UE lança novas sanções contra Belarus e proíbe voos sobre o país
  • 21.jun.2021 UE, Estados Unidos, Reino Unido e Canadá lançam pacote conjunto de sanções contra ditadura belarussa; Lukachenko ameaça revidar permitindo a entrada de imigrantes na UE
  • 6.jul.2021 Babariko, principal rival de Lukachenko na eleição, é condenado a 14 anos de prisão
  • 1º.ago.2021 Quase 300 imigrantes entram pela fronteira da Lituânia, número recorde diário, elevando a cerca de 4.000 os estrangeiros vindos da Belarus; países da UE veem agressão deliberada de Lukachenko
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