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O jogo político internacional por trás da condenação do canadense Robert Schellenberg à morte na China

Executiva da Huawei está presa no Canadá; especialistas falam em 'diplomacia de reféns'

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José Carlos Cueto
BBC News Mundo

Tensão máxima entre Canadá e China. Um dia depois de ratificar a sentença de morte por tráfico de drogas do canadense Robert Lloyd Schellenberg, em 10 de agosto, a Justiça chinesa condenou o empresário Michael Spavor, também canadense, a 11 anos de prisão por suposta espionagem.

Spavor estava preso desde 2018, depois de ser detido junto com o ex-diplomata canadense Michael Kovrig.

Canadense Robert Lloyd Schellenberg em julgamento por tráfico de drogas em Dalian, na China - Intermediate Peoples' Court of Dalian 14.jan.2019/AFP

A condenação foi descrita na época pelo primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, como "arbitrária e absolutamente inaceitável e injusta".

Observadores internacionais interpretam as decisões como pressão da China sobre o Canadá, já que a Justiça canadense deve decidir se entregará a principal executiva da gigante de tecnologia Huawei, Meng Wanzhou, aos Estados Unidos para responder a acusações criminais.

A China acredita que a prisão de Meng, agora em liberdade condicional, tenha motivação política.

O país asiático nega que as sentenças contrárias aos canadenses estejam ligadas ao caso da executiva, embora as prisões "dos Michael", como são conhecidos, tenham ocorrido poucos dias após a detenção de Meng em 2018.

A crise foi descrita como uma "diplomacia de reféns", e por trás dela se esconde um jogo político internacional que vem escalando e para o qual se anteveem soluções complexas.

No meio, uma guerra comercial

Alguns especialistas argumentam que o Canadá foi pego no meio da guerra comercial entre a China e os Estados Unidos.

"A guerra comercial EUA-China contribuiu para aumentar as tensões entre a China e o resto do Ocidente. Joe Biden mantém uma postura dura contra Pequim, o que tem alimentado temores de um mundo dividido por uma nova Guerra Fria", diz Darren Touch, especialista em relações EUA-China do Wilson Center, em Washington.

O caso da Huawei tem sido uma fonte constante de tensão. Os EUA mantêm duras sanções contra a empresa chinesa de tecnologia e a acusam de ser uma ameaça à segurança nacional.

Meng Wanzhou é diretora financeira da companhia e filha de seu fundador, Ren Zhengfei. Sua prisão por autoridades canadenses em 1º de dezembro de 2018 deu-se como parte de uma investigação dos EUA contra a Huawei por possíveis violações das sanções contra o Irã.

Desde o início, a China respondeu com indignação. Autoridades classificaram a detenção de Meng como "extremamente ofensiva e ilegal" e alertaram o Canadá que, caso a empresária não fosse libertada imediatamente, haveria "graves consequências".

Em menos de uma semana, a China prendeu os canadenses Michael Spavor e Michael Kovrig por supostas atividades de espionagem.

Pequim diz que Michael e Schellenberg são criminosos, embora o Canadá acredite que seu destino esteja ligado ao da executiva da Huawei.

Meng foi presa logo após Robert Shellenberg ser julgado pela primeira vez. A sentença de morte foi colocada apenas no julgamento seguinte, agora ratificado.

Os crimes cometidos "pelos Michael" são ainda menos claros.

'Diplomacia de reféns'

Especialistas consultados pela BBC Mundo, serviço em língua espanhola da BBC, afirmam que, na prática, as sentenças foram uma retaliação pela prisão de Meng.

"A diplomacia de reféns faz parte das ferramentas chinesas e está sendo usada neste caso", avalia Paul Evans, professor de relações internacionais para a Ásia e a região transpacífica da Universidade de British Columbia, no Canadá.

"É tudo parte de uma estratégia para pressionar o Canadá para que liberte Meng. Mas no Canadá o judiciário é independente, sem interferência política. No caso do Michael, tem havido muita falta de transparência sobre o processo, o que é inaceitável", acrescenta Touch.

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O objetivo da China, dizem os especialistas, é evitar a todo custo que Meng seja extraditada e julgada nos Estados Unidos.

"O uso da diplomacia de reféns pela China fere a lei internacional, já que Pequim busca exercer influência sobre o Canadá e outros países", ressalta Touch.

A confusão entre Ottawa, Pequim e Washington parece difícil de resolver, pelo menos por enquanto.

A saída do conflito

"Acho que a solução para essa confusão diplomática está em Washington, que iniciou a crise solicitando a extradição de Meng. Um acordo negociado com a promotoria, talvez combinado com uma multa muito elevada para a Huawei, poderia fazer parte dessa solução", diz Gordon Houlden, professor emérito do Instituto da China na Universidade de Alberta, no Canadá.

Paul Evans, por outro lado, acredita que a solução para esse conflito passa por ele ser tratado como um problema diplomático e político, e não como um problema jurídico.

"Será muito difícil encontrar a solução", opina Touch.

A crise atual tem um antecedente em 2014, quando o casal canadense Kevin e Julia Garratt também foi preso na China supostamente por espionagem.

A prisão aconteceu logo depois de as autoridades canadenses prenderem o cidadão chinês Su Bin por suposto envolvimento em um complô para hackear sistemas com dados militares americanos confidenciais.

Muitos interpretaram a prisão dos Garratt como retaliação e uma tentativa de bloqueio da China para impedir a extradição de Su para os Estados Unidos.

Su Bin foi considerado culpado e condenado em 2016 na Califórnia a 46 meses de prisão.

Julia Garratt foi libertada sob fiança em 2015 e Kevin Garratt foi deportado em 2016, após a visita do primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau à China.

"No momento, não há indicação de quando Pequim poderá deportar os Michaels", disse Evans.

Houlden, por outro lado, não acredita que a sentença de Schellenberg será revertida, embora deixe a porta aberta para que ela "seja comutada para a prisão perpétua em algum momento", analisa.

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