Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

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Descrição de chapéu China

A história de Meng e dos dois Michaels

Desta fez, foi o Canadá que ficou no fogo cruzado entre China e EUA

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No dia 1º de dezembro de 2018, policiais canadenses aguardavam com ansiedade, no aeroporto de Vancouver, a chegada de um voo de Hong Kong. Prenderam uma chinesa assim que ela desembarcou. Tratava-se de Meng Hanzhou, principal executiva financeira da Huawei, mas também filha do fundador da empresa, Ren Zhengfei, figura quase mítica na China.

Motivo? Um pedido de extradição feito pelos EUA, por suposta violação à legislação americana sobre sanções ao Irã. Desde então, Meng, em prisão domiciliar no Canadá, busca evitar judicialmente sua extradição para os EUA.

A executiva da Huawei Meng Hanzhou chega a tribunal em Vancouver, no Canadá
A executiva da Huawei Meng Hanzhou chega a tribunal em Vancouver, no Canadá - Don MacKinnon - 7.dez.20/AFP

O acontecimento azedou imediatamente a relação entre Ottawa e Pequim. Os chineses ficaram enfurecidos. O Canadá foi acusado de fazer o jogo sujo pelos americanos, já em guerra comercial com a China.

Poucos dias depois da detenção de Meng, autoridades chinesas prenderam dois canadenses que viviam na China. Foi a vez de o Canadá esbravejar. Michael Spavor e Michael Kovrig foram acusados de espionagem. Dizem os chineses, para quem quiser acreditar, que os casos não têm relação com o de Meng.

Os canadenses criticaram a dificuldade de acesso aos presos, a falta de informações e a ausência de acusação formal por meses. Os dois Michaels seguem detidos há mais de 700 dias, uma dor de cabeça permanente para o primeiro-ministro Justin Trudeau —cujo pai, aliás, quando primeiro-ministro, foi o responsável por normalizar as relações entre Canadá e China em 1970.

Para Ottawa, administrar as tensões com a China tornou-se exercício diplomático difícil. Porque o problema saiu dos corredores da diplomacia e virou tema de conversa de jantar. Extrapolou o caso dos Michaels e contaminou praticamente todo o relacionamento bilateral. O Canadá gostaria que a batata quente do pedido de extradição de Meng nunca lhe tivesse chegado. Mas chegou.

Para Pequim, a situação tampouco é confortável. Não acha graça em ver uma de suas altas executivas presas no exterior —e se a moda pega? Incomoda-se ao assistir a outros países cumprindo instruções americanas contra interesses chineses. Neste caso, dirão os canadenses, o pedido de extradição tinha fundamento legal. Para os chineses, francamente, não é disso que se trata.

A China ainda é acusada de praticar diplomacia dos reféns. Mesmo alegando que a prisão dos Michaels não tem a ver com a de Meng, provavelmente estaria pronta para um acordo que liberasse os três.

Uma solução para o imbróglio aparentemente começa a ser costurada. Nesta semana, o Wall Street Journal divulgou que os advogados de Meng estariam negociando com o Departamento de Justiça dos EUA um acordo que permitiria o retorno da executiva à China. Ninguém confirma. Não se sabe se, em paralelo, a liberação dos Michaels estaria no pacote.

O Canadá se viu como pivô de um problema que nunca deveria ter sido seu. É tarde para discutir se poderia ter evitado estar na situação em que está, mas parece ter chegado a hora de Ottawa passar a fatura do problema para quem de direito, os EUA.

Para China e Canadá, um desfecho para o problema Meng-Michaels removeria o elefante —ou prisioneiros— da sala e permitiria que questões mais produtivas ocupassem seu espaço.

Mas não apenas os dois países ganhariam com o fim da saga. Todos os que acharam essa história muito esquisita deveriam ficar atentos às reverberações da rivalidade China-EUA para outros países. A história de Meng e dos dois Michaels precisa ter um fim e, mais, não poderia se repetir. Melhor que tivesse sido peça de ficção.​

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