Descrição de chapéu 11 de setembro terrorismo

11 de Setembro registrou maior resgate pela água desde a Segunda Guerra

Pouco conhecida, operação marítima se seguiu ao choque de aviões contra as Torres Gêmeas

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Lúcia Guimarães
Nova York

Até o dia 11 de setembro de 2001, uma pergunta comum era facilmente respondida por duas gerações de americanos: onde você estava quando soube que o presidente John F. Kennedy foi assassinado?

Para os nova-iorquinos, a partir daquele dia, a pergunta passou a ser sobre um novo trauma. Onde você estava quando as Torres Gêmeas foram atingidas?

As memórias dos residentes ou visitantes que estavam em Nova York no dia do pior ataque sofrido pelos EUA desde o bombardeio japonês a Pearl Harbor, no Havaí, em 1941, variam de épicas —o terror diante do colapso das torres— a mundanas —pequenos gestos entre estranhos fugindo em meio à fumaça que cobriu o sul da ilha de Manhattan naquela manhã.

As balsas da New York Waterway e o barco turístico Chelsea Screamer retiram pessoas enquanto
segunda torre do World Trade Center, em Nova York, desmorona
As balsas da New York Waterway e o barco turístico Chelsea Screamer retiram pessoas enquanto segunda torre do World Trade Center, em Nova York, desmorona - 11.set.01/Departamento de Polícia de Nova York

Mas, 20 anos depois, uma operação de salvamento monumental continua desconhecida pela grande maioria dos americanos. Durante cerca de nove horas, após o colapso das torres, 500 mil pessoas foram resgatadas da ilha em barcos. Foi o maior êxodo marítimo desde Dunquerque, no norte da França, durante a Segunda Guerra, quando 338 mil soldados aliados foram resgatados sob ameaça do avanço nazista.

A retirada em Dunquerque, no entanto, foi predominantemente executada por barcos comandados por militares. A fuga marítima de Manhattan foi espontânea, envolvendo barcos de pesca, de turismo, embarcações da polícia e da guarda costeira sem um comando centralizado.

Aquelas nove horas improváveis, quase surreais, formam a narrativa de "Saved at the Seawall: Stories from the September 11 Boat Lift" (salvos no quebra-mar: histórias do êxodo marítimo do 11 de Setembro). Jessica DuLong, autora do livro, é uma historiadora em posição privilegiada para descrever um drama passado nas vias navegáveis que cercam Manhattan.

Ela é marinheira licenciada pela Marinha Mercante e se aposentou como uma rara mulher engenheira de um barco bombeiro da cidade de Nova York. No 11 de Setembro, DuLong ainda não ocupava o posto no John J. Harvey, barco bombeiro fora de serviço, construído na década de 1930, que foi trazido à ativa para bombear água do rio Hudson no combate ao incêndio, já que os hidrantes da área haviam secado.

À Folha DuLong, que mora no Brooklyn, demonstra surpresa com o desconhecimento sobre o êxodo. “Manhattan, apesar de estar cercada de água, cresceu nas últimas décadas com pouca atenção à vida marítima. E marinheiros como eu não chamam a atenção para o que fazemos”, diz.

A ilha é estreita, ladeada pelo East River, estuário que a separa dos bairros do Queens e do Brooklyn e pelo rio Hudson, que deságua no oceano Atlântico e separa a ilha do estado de Nova Jersey.

Quando as torres desabaram, a primeira às 9h59, a segunda às 10h28, milhares de pessoas correram para o quebra-mar da ponta sudoeste da ilha. Não se sabe quantos saltaram no Hudson, acreditando que podiam nadar até Nova Jersey. Houve resgates nas águas. Às 10h45, a Guarda Costeira pediu socorro para todas as embarcações disponíveis na área. E a resposta veio rápida e obstinada.

O relato de DuLong é repleto de exemplos de sacrifício e risco, solidariedade e improvisação. Operadores de barcos, cegos pela fumaça dos escombros, voltavam várias vezes para recolher feridos e pedestres em fuga. Burlaram a lei superlotando suas embarcações e não houve naufrágios.

Nova Jersey se tornou o principal destino dos feridos evacuados pelos rios. Os barcos atracaram também no Queens, no Brooklyn e em Staten Island, a outra ilha de Nova York, ao sul de Manhattan.

Abaixo das balaustradas do quebra-mar, voluntários nos barcos gritavam para as mães jogarem seus bebês antes de saltar. Nas calçadas à beira da água, via-se um mar de sapatos de salto alto, peça do guarda-roupa corporativo de Wall Street, abandonados na fuga.

DuLong lembra que boa parte da ilha ficou sem sinal de celular naquelas horas. “Os barcos se comunicavam por rádios, e alguns manobravam tão próximos uns aos outros que os pilotos recorriam a gestos e apitos, sem que houvesse uma colisão.”

A autora destaca outro grande temor que se espalhou pelas multidões que fugiam a pé nas pontes, quando o governo ordenou a retirada da população do sul da ilha. Corriam rumores sobre novos ataques, e não haveria alvo mais fácil do que pedestres aglomerados em dezenas de quilômetros de pontes. O piloto de um dos ferry boats que fazem a travessia entre Staten Island e Manhattan, com capacidade para mais de 800 pessoas, disse que sentia estar conduzindo um gigantesco alvo móvel laranja naquela manhã.

"Saved at the Seawall" termina com uma reflexão sobre o hábito americano de designar heróis. “Na história das catástrofes”, DuLong escreve, “a primeira onda de socorro vem, em boa parte, de civis”.

A autora afirma acreditar que perdemos muito por essas histórias não serem mais bem contadas. “Separar heróis do resto de nós é uma forma de desumanizar, e vemos isso hoje na pandemia. Gentileza e compaixão são contagiosas. Nenhum bombeiro deixa o local do incêndio dizendo 'eu sou um herói'. Não precisamos de heróis. Precisamos estar juntos.”

Não há argumento mais forte do que a extraordinária ação que salvou milhares naquele 11 de setembro.

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