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Análise militar levanta dúvidas sobre ataque de drone dos EUA no Afeganistão

Até agora não há provas conclusivas de que carro atingido, que seria utilizado pelo EI, contivesse explosivos

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Eric Schmitt
Washington | The New York Times

O militar de mais alta patente nos EUA declarou na semana passada que um ataque de drones contra um carro sedã perto do aeroporto de Cabul, no Afeganistão, foi um “ataque justo” que frustrou um plano do ramo afegão do Estado Islâmico nos últimos momentos do esforço de retirada de pessoas do país.

O oficial em questão, o general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto, disse a jornalistas que as explosões secundárias após o ataque de drones em 29 de agosto confirmaram a conclusão dos militares de que o carro atacado continha explosivos –ou coletes suicidas ou uma bomba grande. Milley disse que os planejadores militares tomaram as precauções corretas para limitar os riscos a civis nas proximidades.

Moradores e parentes de vítimas de ataque americano com drone próximo a carro destruído em Cabul, no Afeganistão
Moradores e parentes de vítimas de ataque americano com drone próximo a carro destruído em Cabul, no Afeganistão - Wakil Kohsar - 30.ago.21/AFP

Mas autoridades militares reconhecem que a análise militar preliminar do ataque e as circunstâncias em torno trazem evidências muito menos conclusivas para fundamentar essa afirmação. A análise também levanta questões sobre um ataque que, segundo amigos e familiares do motorista do carro atingido, matou dez pessoas, sete das quais crianças.

Até agora não há provas conclusivas de que o carro contivesse explosivos. A análise preliminar concluiu que é “possível a provável” que tenha sido esse o caso, segundo funcionários informados sobre a análise.

Operadores de drones e analistas examinaram por apenas alguns segundos o pátio pequeno onde o sedã estava estacionado. Como não foram avistados civis, disseram funcionários, um comandante ordenou o ataque. Mas imagens granuladas de vídeo ao vivo mostram outras figuras se aproximando do veículo segundos mais tarde, no momento em que o míssil Hellfire já disparava em direção ao alvo.

Segundo quatro funcionários americanos informados sobre a análise militar preliminar ou partes dela, o ataque se desenrolou da seguinte maneira:

Por volta das 9h do dia 29 de agosto, um sedã branco, provavelmente um Toyota Corolla, saiu de um complexo a cinco quilômetros a noroeste do aeroporto internacional Hamid Karzai. Baseados em informações de informantes, grampos eletrônicos e imagens obtidas por aviões de vigilância dos EUA, analistas de inteligência acreditavam que o complexo era um esconderijo de planejadores e cooperadores do Estado Islâmico Khorasan, ou EI-K, o ramo da organização terrorista EI no Afeganistão.

Apenas três dias antes, um homem-bomba do EI-K havia detonado um colete explosivo excepcionalmente grande, de 12 quilos, no portão Abbey do aeroporto, espalhando estilhaços de bomba letais num raio de 21 metros e matando 13 militares americanos e mais de 170 civis afegãos.

Analistas de inteligência dos EUA tinham interceptado mensagens de conspiradores do EI-K indicando que outro ataque grande ao aeroporto estaria sendo planejado. Um ataque seria iminente naquele domingo, dois dias antes do término previsto do esforço americano de evacuação. Assim, qualquer veículo entrando ou saindo do complexo naquela manhã chamava a atenção dos analistas. Mas os operadores prestaram atenção especial a um sedã branco captado no feed de um drone MQ-9 Reaper que sobrevoava Cabul.

Comunicações interceptadas do esconderijo indicavam que os conspiradores estavam direcionando o carro para algum tipo de missão tortuosa na capital afegã. O motorista recebeu ordens de encontrar um motociclista. Momentos depois, o carro fez exatamente isso. Esse padrão continuou por várias horas nas quais o sedã fez diversas paradas em Cabul, às vezes recebendo ou deixando passageiros.

Pouco antes das 16h, o sedã estacionou num complexo desconhecido para os americanos situado entre oito e 12 km a sudoeste do aeroporto. Alguns minutos mais tarde, o motorista e três outros homens colocaram vários pacotes embrulhados no porta-malas do veículo. Para os analistas que assistiam à transmissão ao vivo, os homens pareciam estar se esforçando para erguer e carregar pacotes pesados com grande cuidado –como fariam se os pacotes contivessem explosivos.

O motorista e os homens entraram no sedã e foram em direção norte. Os homens foram desembarcando no caminho. Por volta das 16h45 o motorista, agora sozinho, estacionou num pátio pequeno a 2,5 km a oeste do aeroporto, logo ao sul do esconderijo original. Outro homem saiu para saudá-lo.

Nesse ponto o comandante tático que controlava os drones armados Reaper teve que tomar uma decisão rápida. Ele recebera do general Kenneth McKenzie Jr., chefe do Comando Central militar em Tampa, Flórida, o poder de ordenar ataques. Oficiais militares se negaram a informar a identidade, patente ou organização do comandante, mas disseram que ele é um operador experiente que já realizou muitos ataques de drones em muitos locais em que as forças americanas já combateram.

As regras de engajamento permitiam que os militares lançassem um ataque se analistas de inteligência tivessem “grau razoável de certeza” de que tinham um alvo legítimo do EI-K e tivessem determinado que havia “certeza razoável” de que mulheres, crianças ou outros civis não combatentes seriam feridos.

Os operadores examinaram rapidamente o espaço limitado do pátio e viram apenas um outro homem conversando com o motorista. O comandante concluiu que esse seria o lugar e o momento mais propício para atacar. Se os americanos esperassem mais tempo e o veículo se deslocasse em meio a trânsito pesado ou se aproximasse do aeroporto, o risco a civis seria muito maior –ou de um ataque de drone ou da detonação de coletes suicidas ou de um carro-bomba potente.

Os americanos dispararam. O míssil Hellfire atingiu seu alvo em menos de um minuto. No momento em que o míssil se aproximava do alvo, os operadores do drone puderam ver no feed de vídeo que outras figuras se aproximavam do sedã.

Armado com uma ogiva contendo nove quilos de explosivos, o Hellfire atingiu o veículo em cheio, criando a primeira explosão às 16h50. Alguns segundos mais tarde houve uma segunda bola de fogo, ainda maior. Autoridades dizem que uma avaliação preliminar feita por peritos concluiu que é “possível a provável” que a segunda explosão foi provocada por explosivos no carro, não por um tanque de gás ou outra coisa.

A análise militar admitiu que pelo menos três civis morreram. O general Milley disse a repórteres que pelo menos uma outra pessoa morta no ataque era “um cooperador do EI”. Mas outros funcionários do Pentágono também dizem ter poucas informações sobre o motorista, identificado por colegas e familiares como Zemari Ahmadi. Vizinhos, colegas e parentes disseram que ele era engenheiro da organização humanitária Nutrition and Education International, sediada na Califórnia, e não tinha vínculos com o EI-K.

Militares concluíram que Ahmadi era cooperador do EI-K em grande medida devido às suas ações como motorista, desde o momento em que o sedã branco deixou o esconderijo até o ataque que o matou.

Imediatamente após o ataque, todas as comunicações vindas do EI-K silenciaram. Para proteger sua segurança operacional, membros do grupo costumam fazer silêncio após um ataque de drone como o de 29 de agosto, cientes de que agentes dos EUA estarão na escuta. Um oficial militar sênior americano disse que esse silêncio continuou até a sexta-feira (3).

Representantes militares seniores insistem que o ataque de drone impediu mais baixas americanas e afegãs. Em entrevista coletiva à imprensa em 30 de agosto, McKenzie, chefe do Comando Central, não deu detalhes sobre as circunstâncias do ataque, dizendo apenas que ele desferiu um golpe esmagador ao EI-K no momento em que o grupo tentava lançar um último ataque antes da conclusão da retirada americana.

O general Milley ecoou essa declaração alguns dias mais tarde. “Neste momento, consideramos que os procedimentos corretos foram seguidos e que tratou-se de um ataque justo”, disse ele a jornalistas. “Se outras pessoas foram mortas? Sim, há outras que foram mortas. Não sabemos quem são.”

Tradução de Clara Allain 

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