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Biden faz discurso contraditório sobre conflito com a China na ONU

Presidente oferta bufê de clichês; Xi Jinping retoma críticas habituais aos americanos

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São Paulo

Em sua estreia no púlpito das Nações Unidas como presidente dos Estados Unidos, Joe Biden entregou um pomposo e contraditório discurso.

Para cada aceno à sua rival estratégica central, a China, havia um recado remetendo à beligerância com que vem tratando Pequim. Promoção dos ditos valores americanos eram turvados pela realidade dos escombros deixados pelos 20 anos de ocupação do Afeganistão.

Biden fala na sessão de abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova York
Biden fala na sessão de abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova York - Eduardo Munoz/AFP

Recebeu de volta, num discurso previamente gravado mas que ocorreu poucas horas depois do seu ao vivo, a usual reprimenda de Xi Jinping, para quem "o mundo é grande o suficiente para acomodar o sucesso" de vários países —dois em especial, na entrelinha.

Isso dito, a fala de Biden foi a de um estadista em termos de escopo. Os grandes temas estavam todos lá: o combate à Covid e ao aquecimento global, os desafios da "década decisiva" à frente, segurança cibernética, terrorismo.

Um alívio após os excruciantes minutos no qual Jair Bolsonaro, reassumindo com louvor o título de pária mundial da vez, desfiou uma fantasia regressiva e voltou a insistir no charlatanismo contra o coronavírus, em pleno setembro de 2021.

Que seu ministro da Saúde tenha ganho cinco minutos de fama com uma grosseria vulgar é apenas lógico, no contexto.

Voltando a Biden, o americano pontuou seu discurso com referências a temas caros na sua disputa com os chineses. Falou da importância renovada do Quad, sua aliança com Japão, Índia e Austrália, a defesa da liberdade de navegação e criticou desinformação e coerção econômica.

Nada mais claro acerca do alvo. Ao mesmo tempo, afirmou: "Nós não estamos buscando uma nova Guerra Fria ou um mundo dividido". Agradável ao ouvido, mas sem base na realidade implantada a partir de 2017 pelo caótico Donald Trump ante a crescente assertividade de Xi Jinping.

O próprio Biden foi na direção contrária na semana passada, quando surpreendeu o mundo diplomático ao anunciar um acordo militar com a Austrália e o Reino Unido que visa equipar a ilha-continente ao sul do colosso chinês com submarinos movidos a energia nuclear.

Contradições de conveniência também se colocaram automaticamente. Para Biden, EUA e mundo precisam ajudar o Afeganistão, e isso não deve incluir a imposição de valores ocidentais aos miseráveis novamente sob administração do Talibã.

Até aí, é a realidade. Só que o fim do discurso de Biden embutiu uma apaixonada defesa dos representantes do "mundo democrático", que "vivem" numa série de locais asfixiados —significativamente, bem pouco ocidentais.

Pouco antes, contudo, o americano tocou música para pacifistas ao dizer que não há saída militar para todos os problemas. Ao mesmo tempo, prezava suas alianças como forma de garantir "segurança e liberdade". É um bufê de clichês, ao gosto do cliente.

É de se especular o que a representação francesa na ONU achou da fala, em especial quando Biden reforçou seu comprometimento com a Otan, a aliança militar criada em 1949 para conter a União Soviética na Europa e que ele tenta tornar uma aliada contra a China.

Afinal de contas, o acordo entre países anglófonos e com história comum anunciado na semana passada não tirou apenas bilhões de euros em submarinos que Paris iria vender a Canberra: mostrou que, na disputa com a China, Washington não conta com a constância dos franceses.

Esse é um pensamento típico dos anos 1940, olhando para países por seu valor de face. Não que o conflito entre EUA e China esteja no horizonte visível além da Guerra Fria 2.0 em curso, mas na hipótese de ela ocorrer, é lícito questionar se a França estaria disposta a peitar Pequim fornecendo suporte a submarinos seus na Austrália.

Melhor ficar com os americanos, é o corolário australiano apresentado, de resto resultado de uma pressão vista como excessiva por parte da ditadura comunista sobre o país.

No mais, Biden foi protocolar e deu nome aos bois usuais, o Irã e a Coreia do Norte, buscando sinalizar que não se esqueceu do fato de que esses itens estão no topo de sua agenda de problemas a resolver.

Já Xi repetiu a temática que vem martelando há alguns anos. Além de rejeitar "jogos de soma zero", ou seja, nos quais um ganha e outro perde, fez uma defesa enfática do multilateralismo sob a égide desgastada da ONU.

Noves fora a ironia autoexplicativa de ver o poderoso líder de uma ditadura comunista pregar democracia como "o direito para pessoas de todos os países", é uma cena usual: há anos a China e também a Rússia de Vladimir Putin são os maiores defensores do sistema internacional do pós-guerra.

"Nós nunca iremos invadir ou intimidar outros", afirmou o chinês, lembrando sem nomear que os 20 anos de ocupação americana do Afeganistão "não trouxe nada senão dano".

Xi também aplicou tintas sóbrias ao mundo de 2021, assim como Biden, e soluções de estadista para os desafios de uma era de pestilência e ameaça ambiental iminente. Com suas divergências, concordam numa emergência que passou a léguas das preocupações de Bolsonaro.

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