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Talibã renova ofensiva contra último bolsão de resistência no Afeganistão

Grupo, que deve definir seu governo em Cabul, desistiu de negociar; mulheres fazem protesto

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São Paulo

Enquanto a montagem de seu governo no Afeganistão entra na fase final, o Talibã desistiu de conversar e renovou a ofensiva contra o último bolsão de resistência contra si, o vale de Panjshir.

Localizado a cerca de 100 km a nordeste de Cabul, o vale concentra as forças remanescentes do Exército do governo de Ashraf Ghani, que caiu ante o grupo fundamentalista islâmico no dia 15 de agosto.

Instrutor da Frente de Resistência Nacional atravessa rio em Panjshir com soldados em treinamento
Instrutor da Frente de Resistência Nacional atravessa rio em Panjshir com soldados em treinamento - Ahmad Sahel Arman - 30.ago.21/AFP

Nas últimas semanas, o Talibã tentou convencer os rebeldes a se entregarem, prometendo negociações pacíficas. Ciosa da história de violência do grupo com as tribos daquela região, que nunca se rendeu aos talibãs quando governaram de 1996 a 2001, a Frente Nacional de Resistência do Afeganistão declinou.

"Nós começamos as operações [nesta quinta, 2] depois que as negociações com o grupo armado local fracassaram", disse o porta-voz principal do Talibã, Zabihullah Mujahid.

Como é usual nesses casos, sob baixo escrutínio da mídia, ambos os lados afirmam ter havido pesadas baixas entre as forças inimigas. O Talibã diz que conseguiu entrar no vale por uma de suas passagens de montanha, o que a Frente nega.

O grupo do Panjshir é liderado pelo ex-vice-presidente Amrullah Saleh e por Ahmad Massoud, filho do ícone da resistência contra o primeiro governo talibã, o comandante Ahmad Shah Massoud.

"Leão de Panjshir", Massoud pai foi morto em um atentado suicida em que falsos repórteres esconderam explosivos numa câmera de TV, dois dias antes do 11 de Setembro, que selou a sorte de seus rivais.

Por ter apoiado a Al Qaeda, executora dos ataques terroristas nos EUA, o Talibã foi derrubado a bombas pelos EUA, dando início à mais longa guerra americana —terminada pelo governo Joe Biden com a caótica retirada encerrada na segunda (30).

O vale talvez tivesse caído após a morte de Massoud, mas as engrenagens da história se colocaram em marcha e mudaram tudo: no dia 13 de novembro de 2001, as forças da Aliança do Norte, os rebeldes de então, entraram em Cabul apoiadas pelos ataques ocidentais.

Massoud filho quer repetir a história, mas as condições objetivas parecem mais complexas. Diferentemente do que aconteceu nos anos 1990, quando tinha dificuldades com as tribos do norte do país, desta vez o Talibã começou sua conquista final justamente por lá —com a óbvia exceção de Panjshir.

Enquanto isso, o grupo de volta ao poder finaliza a montagem do governo. Diferentes membros da facção afirmam que o anúncio oficial seria na quinta ou na sexta (3), após as orações tradicionais deste dia.

A principal dúvida recai sobre a presença de líderes de governos anteriores, como o ex-presidente Hamid Karzai e o ex-chanceler Abdullah Abdullah, na composição da nova gestão.

Ela deverá ser um misto de shura, o conselho tribal que foi a base do primeiro e falimentar governo do Talibã, e da estrutura de ministérios legada pela ocupação ocidental. O líder supremo será o mulá Haibatullah Akhundzada, 60 anos presumidos, que nunca é visto em público.

O equivalente a presidente, por sua vez, deverá ser o mulá Abdul Ghani Baradar, que passou anos preso no Paquistão e que chefiava a delegação negociadora do Talibã em Doha, tendo costurado o acordo de paz com o ex-presidente americano Donald Trump em 2020.

Vários cargos já estão preenchidos interinamente, mas só por homens ligados ao Talibã, o que levou a um corajoso protesto de mulheres em Herat, cidade no oeste do país. Algumas dezenas delas foram às ruas para pedir que o Talibã garanta a inclusão feminina no governo e em cargos da administração pública.

A facção radical islâmica ficou conhecida pela brutalidade no trato com as mulheres na década de 1990, virtualmente isolando-as da vida pública —apenas algumas profissionais de saúde podiam atender outras mulheres, e não havia escolas para meninas.

Isso decorre de uma visão literal da lei islâmica, a sharia. Agora, o Talibã tenta se mostrar moderado e diz que irá aceitar mulheres em todos os lugares e sem obrigá-las novamente a se cobrir com burcas, a túnica de corpo inteiro tradicional da etnia do grupo, a pashtun.

Afegãs pedem que suas filhas possam ir à escola no governo do Talibã, em manifestação nesta quinta em Herat - AFP

A questão é que, ao mesmo tempo, afirma que essa liberdade ocorrerá sob preceitos da sharia. "Queremos que os talibãs aceitem falar conosco", disse Basira Taheri, uma das organizadoras do ato, à agência AFP.

Em Cabul, há alguns sinais de normalização da vida em curso. Os técnicos do Qatar que estão trabalhando para reabrir o aeroporto da capital, palco da desesperada retirada final de mais de 122 mil pessoas, dizem que voos domésticos serão liberados nesta sexta.

As operações internacionais, essenciais para a prometida retirada de civis que ficaram para trás e estão com documentação em dia, ainda não têm data para recomeçar. Os governos de Holanda e Turquia entraram em contato com os qataris, negociando a eventual participação na manutenção do aeroporto aberto.

Além disso, o gigante americano de transferências de dinheiro Western Union reabriu seus pontos de atendimento em Cabul, fechados desde o dia 18. A capital enfrenta escassez de dinheiro, escalada inflacionária e falta de serviços básicos, com exceção da segurança nas mãos da rede terrorista Haqqani.

Há vários outros problemas. Os estoques de comida das Nações Unidas, que chegam a cerca de um terço dos 37 milhões de afegãos, acabam no fim deste mês. Governos como o da China e da Rússia, rivais dos EUA, dão sinais de que poderão reconhecer o Talibã no poder e facilitar a entrada de auxílio externo.

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