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Rússia

EUA ainda não sabem o que fazer com a ameaça dos mísseis hipersônicos

Vazamento da realização do teste chinês busca colocar rótulo de agressor em Pequim

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São Paulo

Estudados há décadas, os mísseis hipersônicos se tornaram as estrelas da guerra do futuro. Menos nos Estados Unidos, onde o governo da nação mais poderosa do planeta ainda não sabe qual rumo dar ao seu programa com esse tipo de armamento.

Assim, ganha especial significado o vazamento ao jornal britânico Financial Times de que a China conseguiu testar em agosto um planador hipersônico capaz de carregar uma ogiva nuclear, um dos mais temidos modelos dessas armas.

Veículo hipersônico WaveRider americano antes de ser lançado sem sucesso por um bombardeiro B-52
Veículo hipersônico WaveRider americano antes de ser lançado sem sucesso por um bombardeiro B-52 - France Presse/Força Aérea dos Estados Unidos - 26.mar.2010

Como o único jeito de saber que algo assim ocorreu é por meio de monitoramento altamente sofisticado, a julgar o relato como verdadeiro, sua origem é a inteligência dos EUA. Qual a motivação, além de chamar a China de agressora potencial?

A resposta mais direta leva ao desejo de autoridades de defesa a pressionar por mais recursos para o programa de armas hipersônicas americanas, que já estava atrás da Rússia e, agora, aparentemente, dos chineses também.

E enquanto o país de Vladimir Putin é visto como um rival militar poderoso, o de Xi Jinping é considerado o desafiante estratégico central do século 21, no ringue da Guerra Fria 2.0 ora em curso.

Mas há nuances. No mês passado, o secretário da Força Aérea, Frank Kendall, afirmou ter dúvidas sobre a relação custo-benefício da adoção de mísseis do tipo pelos EUA. Ele o fez de forma bastante aberta.

"Acho que isso ainda é um tipo de interrogação. Não vi todas as análises para justificar os programas existentes", disse. Até aqui, os resultados americanos têm sido pálidos oficialmente.

Ao mesmo tempo, Kendall fez uma longa exposição acerca dos riscos percebidos pela Força Aérea na área mais sensível possível, a nuclear. Para ele, a China está se equipando para uma confrontação atômica com os EUA.

Uma leitura possível é que ele estivesse apenas aquecendo os motores para montar um caso ao Congresso, de que, sim, é preciso investir em armas hipersônicas. Mas algo não fecha na equação, e o fato de ele ter anunciado também a aceleração de um programa de novos bombardeiros deixa realmente em suspenso essa ideia.

A grande vantagem hipersônica, seja um planador lançado por um míssil intercontinental como no caso do teste alegado da China ou um míssil de cruzeiro, é o fato de poder ser manobrável e desviar de defesas.

Os EUA, em magnífico isolamento geográfico com dois oceanos ao seu redor, têm proteção bem relativa contra os ICBMs (os enormes foguetes balísticos que carregam armas nucleares). Diversas simulações mostram que um ataque maciço, russo ou chinês, teria bastante sucesso.

Ainda assim, vários ICBMs poderiam ser interceptados. Eles também são hipersônicos, mas voam numa trajetória previsível, diferentemente das novas armas.

A questão é que nem China nem Rússia têm defesas contra esse tipo de míssil hoje em uso muito mais eficazes do que as americanas. Estão avançando, em especial o Kremlin, contudo.

Isso leva à questão de Kendall: vale a pena gastar bilhões de dólares em programas do tipo? Ou a enorme capacidade nuclear americana, só empatada pelos russos, seria suficiente como dissuasão?

Aqui entra a discussão acerca do chamado primeiro golpe. Mais do que a Rússia, a China tem doutrina clara de que não usará primeiro armas nucleares. Os EUA, como Kendall disse na mesma ocasião, não acreditam nisso.

Como escreveu Hans Kristensen (Federação dos Cientistas Americanos), um dos mais renomados especialistas nucleares do mundo, nada indica que Pequim tenha mudado de ideia para corroborar as suspeitas americanas.

Pelo sim, pelo não, a única reação chinesa ao artigo do FT foi um editorial neste domingo (17) no belicista Global Times, jornal associado à linha-dura comunista. Nele, o teste não foi negado, mas o texto insistiu: "Nós não temos a intenção de lançar uma corrida armamentista nuclear com os EUA".

Certamente não, dado que, apesar dos avanços, a China está longe das capacidades americanas no setor.

Mas o recado é claro, em um momento de extrema pressão militar sobre Taiwan e contra atividades americanas no entorno estratégico chinês: Pequim vai buscar recursos para golpes distantes, então nos deixem à vontade na vizinhança.

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