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China faz maior incursão de aviões militares contra defesas de Taiwan em sua história

Após pacto EUA-Austrália-Reino Unido e anúncio de novo premiê japonês, Pequim quase duplica recorde anterior

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São Paulo

A China promoveu nesta segunda (4) a maior incursão aérea de sua história contra as defesas de Taiwan, escalando a pressão militar sobre a ilha autônoma que a ditadura comunista considera uma área rebelde.

Foram 52 aviões: 34 caças J-16, 12 bombardeiros estratégicos H-6 e 2 caças Su-30. Já na noite de segunda, outros 4 aviões foram registrados separadamente na região.

Bombardeiro H-6K, modelo usado na incursão contra Taiwan, durante exercício no mar do Sul da China
Bombardeiro H-6K, modelo usado na incursão contra Taiwan, durante exercício no mar do Sul da China - Wan Guosong - 23.nov.17/Xinhua

Mais significativo ainda, a ação culmina uma onda diária de incursões, algo inédito. Desde sexta, foram 145 aviões rondando a chamada Adiz (Zona de Identificação de Defesa Aérea, na sigla em inglês) taiwanesa, obrigando a decolagem de caças e o rastreio por sistemas de mísseis.

Antes, a maior ação do gênero havia ocorrido em junho, quando 28 jatos foram lançados contra a ilha. Nesta onda, o recorde foi quebrado na sexta (38 aviões) e no sábado (39).

Neste ano, até o começo de setembro, ocorreram 450 incursões, o que demonstra a escala do movimento.

Alguns motivos concorrem para tal atividade. Analistas dizem que Pequim mandou seu recado em celebração ao 72º aniversário de fundação da República Popular da China, comemorado na sexta (1º). Além disso, no dia 10 serão lembrados os 110 anos de fundação da República da China, nome que Taiwan reinvidica para si, e Pequim teme manifestações pró-independência.

O governo de Xi Jinping reitera que quer reabsorver a ilha, governada por opositores que os comunistas derrotaram em 1949 e hoje uma democracia, à gestão continental de forma pacífica. Mas diz que não descarta o uso da força.

A questão é que os Estados Unidos, embora reconheçam a reivindicação chinesa sobre Taiwan, têm um acordo de fornecimento de armamentos e ajuda à ilha. No domingo, o Departamento de Estado americano havia pedido o fim do que chamou de provocações militares contra Taipei.

Com o acirramento da chamada Guerra Fria 2.0 entre Washington e Pequim, a dúvida é se os chineses arriscariam uma ação que poderia colocá-los frente a frente com os americanos.

Há também questionamentos sobre as chances de sucesso militar chinês. O país nunca travou uma guerra com desembarque anfíbio, e a faixa em que isso é possível em Taiwan é estreita e facilmente defensável —noves fora o custo humano sobre uma população que se pretende governar depois.

A tensão, contudo, está colocada e é amplificada por outros fatores. Na semana que vem, EUA, Austrália e Reino Unido farão o primeiro exercício naval conjunto no mar do Sul da China após o anúncio do pacto militar conhecido pelo acrônimo Aukus (a partir de suas iniciais em inglês).

Tanto eles quantos os integrantes do Quad (além de EUA e Austrália, Japão e Índia) defendem que as águas da região, centrais para o comércio internacional, são livres. A China, por sua vez, considera 85% do mar seu, e Xi asseverou isso militarizando ilhotas e recifes da região a partir de 2014.

A Guerra Fria 2.0 lançada em 2017 pelos americanos é, em boa parte, uma reação à percepção dessa assertividade chinesa. O próprio Aukus foi denunciado por Pequim como algo agressivo, porque prevê dotar os australianos de submarinos nucleares, o que aumenta a pressão naval sobre a ditadura.

Com efeito, no domingo (3) o chanceler taiwanês, Joseph Wu, disse em um programa de TV australiano que deseja o reforço dos laços militares e de troca de inteligência com Camberra.

Do ponto de vista político, as incursões em série ocorreram no momento em que o Japão definia seu novo primeiro-ministro, após a renúncia de Yoshihide Suga. Tóquio tem feito a defesa dos taiwaneses com frequência, citando o perigo à ilha como similar ao que considera correr nas mãos chinesas.

Nos últimos anos, os governos de Shinzo Abe, antecessor de Suga que renunciou em 2020, mantiveram uma postura bastante ofensiva ante Pequim —com uma militarização que incomoda a muitos no país.

Na disputa interna do partido que governa o Japão, contudo, venceu Fumio Kishida, um moderado visto por analistas como o preferido pela China para governar o rival. Resta saber como isso se dará na prática.

Por fim, há o aspecto puramente militar. As incursões tiveram duas características. Primeiro, na sexta, houve voos noturnos, algo pouco usual e que demonstra capacidade operacional aumentada.

Segundo, todas atacaram a região sudoeste da Adiz, basicamente uma área de espaço aéreo para fins de defesa. Ela é o caminho para o canal de Bashi, a sudeste da ilha. A região, disputada por Taiwan e pelas Filipinas, seria central para a assistência por mar a Taipei pelos aliados em caso de conflito.

Houve voos próximos também das ilhas Pratas, arquipélago pequeno mais ao sul que pertence a Taiwan e é visto como o alvo prioritário em uma invasão preliminar, caso Pequim decida ir às vias de fato.

Toda essa movimentação exerce grande pressão econômica sobre Taiwan. Segundo o Orçamento enviado pelo governo da presidente Tsai Ing-wen ao Congresso em setembro, os gastos com operações aéreas em 2022 serão 10% mais altos, chegando a US$ 1 bilhão (R$ 5,2 bilhões na cotação desta segunda).

Em relação a 2016, quando Tsai assumiu pela primeira vez, o gasto é 56% maior, mostrando a evolução da pressão chinesa sobre a ilha no contexto da Guerra Fria 2.0. Cada vez que uma onda de aviões de Pequim se dirige à Adiz, caças têm de decolar armados para interceptá-los.

Nisso há também o óbvio risco de um embate acidental. Um míssil disparado, seja de defesas em solo, seja de aviões, pode levar os dois governos ao conflito.

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